Já estava escuro, mas os holofotes intensos permitiam ver com clareza as expressões e os figurinos das modelos que desfilavam na “passerelle vegan”. No passado sábado ao fim da tarde, a Praça Carlos Alberto, no Porto, recebeu um desfile de moda com ética. Ao todo, seis marcas forneceram roupa, calçado e acessórios, sem qualquer produto de origem animal.
Durante o espetáculo, desfilaram não só manequins convidadas pela organização, como também alguns elementos do grupo “Porto pelos Animais”. O desfile contou com a presença das marcas NAE (No Animal Exploitation), Metamorfose M Shop, NAJHA, Fiu Criativo, Elisa Baía e Sapato Verde. Com o objetivo de aliar a moda ao respeito pelos animais, todas as marcas foram apresentadas como respeitadoras da ética ambiental.
Pelas 17h30, deu-se início à passagem de modelos, apresentada por Bruno Santos, enquanto eram distribuídos os últimos panfletos. Num grande ecrã, decorria um vídeo que ilustrava animais livres e felizes, motivando assim a não exploração dos mesmos para a indústria de peles.
A fibra de ananás ou a borracha de pneu podem fazer roupa
No desfile, foram dados a conhecer materiais inovadores que permitem fazer peças de moda de qualidade, com boa aparência e com durabilidade. Sempre com os direitos dos animais como pano de fundo. Algumas das marcas presentes utilizaram alternativas ao pêlo e ao couro animal: entre eles, a fibra de ananás, a borracha de pneu, a cortiça, o poliuretano, o acrílico, a fibra de cânhamo e o poliéster.
A ligação à causa animal foi o que permitiu distinguir o desfile do passado sábado dos mais convencionais. Sofia Vieira, uma das responsáveis pelo evento, explicou ao JPN, que todas as manequins desfilaram com uma etiqueta que mostrava o número de animais salvos — por terem sido feitas escolhas éticas, ou seja, o uso de peças sem qualquer produto animal.
A organização revelou-se satisfeita com a adesão dos convidados “Quase todas as respostas foram positivas”. Várias figuras públicas abraçaram o projeto e aceitaram desfilar por esta causa, nomeadamente Ana Catarina Vasconcelos, Catarina Bastardinho e Juliana Rocha. Segundo a organização, outras entidades, pessoas e empresas mostraram-se solidárias com a iniciativa e deram apoio à sua realização.
O “Porto pelos Animais” é um grupo informal de ativismo que desenvolve ações artísticas de sensibilização para os direitos dos animais, “utilizando sempre uma abordagem positiva”, de acordo com Sofia Vieira. “Temos o objetivo de aproximar as pessoas e fazer com que elas reflitam sobre o que no seu dia-a-dia pode implicar a exploração de animais”, explica.
A organização já foi impulsionadora de numerosas iniciativas como a “Meat Love”, uma encenação teatral que leva a plateia a repensar as suas escolhas alimentares e a “Take Away” Love, em que dão a provar comida vegetariana.
Já realizaram outras ações em que crianças são convidadas a libertar, simbolicamente, animais das jaulas em circos e em delfinários – aquário de grandes dimensões onde os golfinhos são treinados –, devolvendo-os ao seu habitat natural.
A causa animal: a primeira vez de uns e a tradição de outros
Do lado do público, Jorge Vieira, de 62 anos, foi ao desfile porque concorda com os princípios do evento. No entanto, confessa que durante muitos anos a preocupação da causa animal passou-lhe ao lado. Hoje em dia, com uma filha vegan e ativista, foi-se consciencializando para esta temática e já alterou certos comportamentos.
O espetador argumenta que “os animais têm tanto direito à vida como nós” e atribui a continuação do problema ao comodismo e à escassez de informação: “Os portugueses estão pouco informados. Sentimentos todos temos, só é preciso despertá-los. É preciso educar as pessoas no sentido da evolução e do respeito pelos animais”.
Tânia Seabra, 42 anos, dona da mercearia Vegan “EasyGreen” (a primeira loja de produtos bio, vegan e vegetarianos da Maia) e a sua irmã mais velha, Cristina Seabra, de 51 anos, souberam do evento e não resistiram em marcar presença. Dizem não ser ativistas, mas “pessoas muito preocupadas com o bem-estar animal”.
O próximo passo é “superar as expectativas”
Joana Dumas tem 29 anos, também faz parte da organização e foi pela primeira vez, manequim. Apesar das inseguranças, resolveu aceitar o desafio que lhe propuseram e não se arrependeu. “Estava muito nervosa, as expectativas eram muito elevadas. Mas acho que consegui passar a mensagem, pelo menos notava-se um grande interesse e admiração do público”.
Depois de constatar que o desfile tinha sido um sucesso, concluiu: “tenho confiança no nosso grupo, mas nunca pensei que fôssemos capazes de fazer algo tão profissional”. Joana, entre risos, confessa que têm agora “um problema em mãos” – “a fasquia está muito alta, vai ser difícil superar” o próximo evento.
Segundo a organização, muitos animais foram salvos e poupados nas coleções apresentadas: oito cobras, nove crocodilos, cinco ovelhas, quatro antílopes, seis porcos, oito vacas, 12 linces, 40 guaxinins, 70 coelhos, 60 martas, 10 focas, 34 lontras, 80 visons, 200 chinchilas e 300 esquilos.
No final, e com tudo arrumando, Sofia Vieira e Joana Dumas sorriem pela sensação de “dever cumprido”. Prometem continuar a lutar por uma cidade onde não caiba a exploração de qualquer produto animal, “seja para divertimento, alimentação ou vestuário”.
Texto editado por Rita Neves Costa