A eutanásia e o suicídio medicamente assistido foram discutidos, nesta semana, na Assembleia da República, após sete anos de silêncio. Em países como Holanda, Bélgica e Luxemburgo a morte assistida já foi descriminalizada.

No início de 2009, era publicado em Diário da República o novo Código Deontológico dos Médicos, que proibia “a ajuda ao suicídio, a eutanásia e a distanásia”. No mesmo documento afirmava-se, no entanto, que o “uso de meios extraordinários de manutenção da vida não deve ser iniciado ou continuado contra a vontade do doente”, não se considerando a hidratação e a alimentação como “meios extraordinários”.

Em Portugal, nem a eutanásia (que designa uma situação em que alguém administra a um doente, a seu pedido, um fármaco letal) nem o suicídio medicamente assistido (em que é o doente a autoadministrar o fármaco letal sob vigilância de um técnico) são legais.

A discussão nos debates parlamentares

A morte assistida foi, até agora, tabu na Assembleia da República. Foram várias as discussões, ao longo dos anos, sobre o testamento vital e os cuidados paliativos, mas nunca antes a eutanásia e o suicídio medicamente assistido surgiram como temas centrais. No dia 1 de fevereiro foi a primeira vez que as temáticas foram o centro da discussão no plenário.

O último debate parlamentar em que se abordou a morte assistida remonta a maio de 2010, após um simpósio promovido pelo CDS-PP intitulado de “Cuidados Paliativos, Testamento Vital, Eutanásia”, evento que contou com a presença de profissionais de saúde e familiares de doentes.

No dia após o simpósio, a deputada do CDS, Isabel Galriça Neto, fez uma declaração política sobre o evento, incidindo sobre a temática dos cuidados paliativos. Mas a discussão acabou por “fugir” para a eutanásia, após uma declaração da deputada socialista Maria Antónia Almeida Santos: “Hoje temos novas realidades, na Europa, nomeadamente no Reino Unido, que é, de facto, o país que constitui um exemplo do investimento em cuidados paliativos mas, apesar disso, o debate sobre eutanásia está na agenda do dia, no Reino Unido. Sr.ª Deputada, pergunto-lhe: como é que consegue defender que os cuidados paliativos resolvem todos os casos? Pergunto-lhe, ainda: onde começa e onde acaba a nossa liberdade individual?”

João Semedo, do Bloco de Esquerda, também levantou uma questão a Isabel Galriça Neto: “A  minha  pergunta é  saber  até  onde  vai  o  CDS  no  respeito  pela individualidade, pela forma como cada um salvaguarda, no momento da morte, a sua dignidade, ou seja, até onde é que o CDS vai na liberdade de escolha que cada um de nós tem sobre um momento tão importante, aquele momento em que a nossa vida termina.”

Em resposta, a deputada centrista reafirmou a posição já conhecida do CDS contra a prática da eutanásia: “Aquilo  que  eu  sei  e  que  os  peritos  e  a realidade internacional me mostram é que, quando se legisla sobre a eutanásia, se põe em risco populações mais vulneráveis, inclusivamente, legislando sobre eutanásia voluntária ela passa a existir como involuntária e, portanto, pessoas que não pediram para ser mortas são mortas.”

Na altura, nem o PCP, nem o PSD teceram comentários sobre a temática.

Como é que é lá fora?

Em agosto de 2014, um artigo publicado no “Journal of Medical Ethics” revelava que entre 2008 e 2012, 611 pessoas, oriundas de 31 países, aterraram em Zurique, Suíça, com o objetivo de pôr termo à vida. Três eram portuguesas.

Na Suíça, o Código Penal pune com pena até três anos o homicídio a pedido da vítima. Contudo, o suicídio assistido em casos de doentes terminais em situação de sofrimento intolerável e irreversível é descriminalizado, algo que legitima a ação de clínicas como a Dignitas, procurada por doentes de todo o mundo.

Somente três países da União Europeia legalizaram a prática da morte assistida: Holanda, Bélgica e Luxemburgo.

A Holanda foi pioneira europeia na legalização da eutanásia e do suicídio assistido a partir dos 12 anos (com consentimento dos pais), com uma lei de 2002. Bélgica seguiu-se, descriminalizando, no mesmo ano, todas as modalidades de eutanásia. Dois anos depois, foi mais longe, estendendo a possibilidade da prática a menores de idade. Luxemburgo foi o terceiro e último país a despenalizar as práticas, em 2009.

Em todos os casos, para a realização da morte assistida, é necessário que o doente esteja numa situação de sofrimento físico ou psíquico insuportável e não existam perspetivas de melhoria.

Fora da Europa, o Canadá surge como exemplo recente da despenalização. Desde junho do ano passado que é permitido tanto o suicídio assistido como a eutanásia ativa, desde que praticada por um médico e a pedido de alguém mentalmente competente com uma doença grave ou incurável e num estado avançado e irreversível.

E depois do debate?

Os partidos Bloco de Esquerda, PAN e Os Verdes já anunciaram que, após a discussão da petição, vão apresentar diplomas sobre a morte assistida. Por outro lado, a presidente do CDS já admitiu a hipótese de referendar a matéria.

Artigo editado por Filipa Silva