“Tarrafal” é o mais recente documentário de Pedro Neves, realizador do Porto. Voltou à tela na quarta-feira no cinema Passos Manuel. As pessoas que contam as suas histórias têm algo em comum: viveram no bairro de São João de Deus, no Porto, entretanto demolido.

Não é a primeira vez que vemos Pedro Neves a documentar fortes questões sociais. Na edição de 2015 do festival Porto/Post/Doc o realizador apresentou-se com “Bairrismos”, outro documentário com os bairros portuenses de fundo, e já antes tinha realizado “Esquecidos”, em 2014, sobre o mesmo tema.

“Tarrafal” é “a história de um lugar que já não existe”, explica Pedro Neves, depois da exibição esgotada do filme na cidade Invicta. A iniciativa “Há Filmes na Baixa” trouxe mais uma vez às salas do Porto os melhores filmes da edição do Porto/Post/Doc do ano anterior.

Pedro conta que conheceu as histórias do bairro de São João de Deus à conversa com um morador e que percebeu logo que era mais uma história sobre pessoas de bairros sociais que tinha de contar. “Queria contar esta história antes que desaparecesse por completo, porque ainda existem as histórias dos que ainda lá estão, mas também pairam as histórias dos que lá estavam.”

O documentário abre com imagens de arquivo da RTP que mostram as demolições do bairro em 2008, e da expulsão dos habitantes pela polícia, sob ordens da câmara municipal presidida então por Rui Rio. A história avança com um plano de um homem misterioso a cavalo no meio dos destroços do bairro de Campanhã e vai saltando de personagem em personagem. “Eu digo personagens, mas não gosto muito de lhes chamar isto. São pessoas. São histórias de pessoas reais.”

O bairro de São João de Deus ficou conhecido como “o Tarrafal”, em alusão clara ao campo de trabalhos do Estado Novo, no Tarrafal, em Cabo Verde, desmantelado em 1974. E em 2008 cai também o novo Tarrafal, com os bulldozers a deitarem por terra prédios construídos de raiz 15 anos antes. “Era um bairro que tinha tudo para correr mal. E correu. Desde a droga à violência, à criminalidade. Há de certeza poucas histórias de bairros como este, destruídos nem 20 anos depois de serem construídos.”

Os depoimentos no filme são de jovens e adultos que, de alguma forma, levarão sempre consigo marcas do bairro. Apesar da criminalidade, Pedro Neves percebe a nostalgia com que falam aquelas pessoas: “Têm saudades da liberdade, saudades das ligações afetivas que construíram durante décadas, saudades de um sítio onde nem tudo era mau.”

A exibição de “Tarrafal” integrou mais uma edição do “Há Filmes na Baixa”, um projeto de provado sucesso no Porto e que, antes da noite de quarta-feira, esgotou três outras exibições. Também o filme de Pedro Neves leva três exibições esgotadas. O realizador emocionou-se por ver tantas pessoas: “Fico feliz por ver esta sala cheia e muito feliz por saber que tem estado cheia para ver cinema, para ver documentário.”

Esta quinta-feira, dia 9, será exibido no Passos Manuel às 22h00 o vencedor do grande prémio do Porto/Post/Doc de 2016, “Eldorado XXI” de Salomé Lamas. “Tarrafal” terá nova sessão no Porto, na próxima quarta-feira dia 15, também às 22h00 no Passos Manuel.

TARRAFAL (trailer) from Red Desert Films on Vimeo.