Os primeiros protestos rebentaram na noite de 22 de janeiro, domingo, dias após o Ministério da Justiça romeno ter expresso vontade de avançar com decretos-lei ligados à corrupção. Apesar das manifestações, o Executivo, formado há pouco mais de um mês, aprovou a primeira medida, durante a noite de 31 de janeiro. Horas depois, o povo romeno saiu à rua. E ainda não saiu de lá. O JPN foi perceber o fenómeno.

As sugestões governamentais passavam pela descriminalização dos crimes de abuso de poder, cujo dano financeiro estatal fosse inferior aos 200 mil lei (44 mil euros), e pela a libertação de cerca de 2.500 pessoas, com penas de prisão inferiores a cinco anos por crimes não-violentos.

Para Victor Cozmei, jornalista da HotNews – site noticioso romeno, o modo como tudo foi feito é, em si, um problema grave: “Nós não estamos a falar de uma lei, um projeto que passou por um debate adequado com o público e/ou pelo parlamento. Estamos, sim, a falar de um decreto executivo, uma espécie de ordem aprovada pelo Governo apenas em casos de emergência, mas que entra em efeito imediatamente. Foi essa a maneira que o Governo escolheu para mudar o Código Penal: de um dia para o outro, com pouco ou nenhum debate.”

Para Catalina Filote, estudante romena, a explicação do sucedido é clara: “Cada vez mais pessoas estavam a começar a expressar o seu desacordo com o decreto, por isso eles precisaram de se despachar.”

Inicialmente, o Governo insistiu na validade da lei. Mas poucos dias (e muitos protestos) depois, anunciou que o decreto, que deveria entrar em vigor hoje, seria levado a Parlamento para ser revertido.

Diversos políticos envolvidos em escândalos de corrupção poderiam, com a aprovação do documento, escapar a processos judiciais. Aparentemente, é esse o caso Liviu Dragnea, líder do partido social-democrata romeno (Partidul Social Democrat – PSD) no poder. O político está a ser julgado pelo alegado desvio de 24 mil euros, valor inferior ao limite da lei proposta.

Esta quinta-feira, o ministro da Justiça demitiu-se. No entanto, as manifestações populares persistem e exigem responsabilização de todo o Governo.

Os protestos exigem a demissão do Governo, instalado há pouco mais de um mês.

Os protestos exigem a demissão do Governo, instalado há pouco mais de um mês. Foto: Lucian Nuță/Flickr

“Nós protestamos por causa de ideais”

Mircea Barbu, jornalista do diário romeno Adevărul,  fala no “maior protesto da Roménia pós-comunista”. São milhares o que enchem, diariamente, a avenida principal de Bucareste, numa manifestação sem fim anunciado. “Protestos estão a decorrer na Calea Victoriei em frente aos edifícios governamentais. Hoje, [9 de fevereiro], apesar do frio e da neve, há cerca de 5 mil pessoas a protestar e muitas mais são esperadas ao longo do fim-de-semana”, conta.

O jornalista revela ainda que, a 5 de fevereiro, 260 mil pessoas saíram à rua, só em Bucareste. Se se tiver em conta todo o país, o número ultrapassou o meio milhão.

Victor esteve presente nas manifestações e fala numa “atmosfera difícil de descrever”: “Não é um protesto típico, não é violento ou cheio de ódio. As pessoas nas ruas são de todos os géneros, proveniências e faixas etárias, embora a maioria sejam jovens. O humor tem um papel enorme, através das mensagens e posters irónicos, e a solidariedade é um dado adquirido: vês as pessoas a servir chá quente umas às outras, a oferecer sopa e comida.”

Mas o que é que motiva as pessoas a continuarem a sair para as ruas, após o Governo retirar a lei? Mircea explica: “A população acredita que a revogação da lei não vai garantir que este Governo não tente isto novamente. Quando o ministro da Justiça se demitiu, as pessoas na praça disseram que era «um pouco tarde demais». Elas querem garantias do partido social-democrata de que tal lei jamais será tentada novamente por decreto de emergência.”

Victor adianta que a população se sente enganada pelo Governo, no qual já não consegue confiar, mas afirma que o alvo é mais específico: “A raiva dos protestantes é dirigida aos líderes dos partidos governamentais, que empurraram o Governo a tomar estas medidas: Liviu Dragnea, chefe do partido social-democrata, e Calin-Popescu Tăriceanu, chefe do ALDE, um pequeno partido que ajuda o PSD a ter maioria no parlamento.”

Tanto Dragnea, chefe das Câmaras dos Deputados, como Tăriceanu, chefe do Senado, estão acusados de crimes de corrupção.

“Outros partidos e representantes políticos já provaram ser corruptos no passado, mas acho que o decreto-lei foi a gota que fez transbordar o copo. O povo romeno já não aguenta mais”, diz Catalina.

Cioc Nicolae, engenheiro natural de Brasov, dá outra visão ao JPN: “Muitas pessoas dizem que a partir do momento em que o Governo cancelou a lei, os protestos perderam o sentido. Mas nós protestamos por causa de ideais. Estamos perante um Governo que agiu como um ladrão. Esta lei é um convite para roubar fundos públicos”.

Para o jovem romeno, esta “foi a última gota de água para o Governo”: “A população está a começar a envolver-se mais ativamente nos assuntos locais, pelo menos os que têm acesso à informação. O Governo não vai conseguir safar-se desta.” Mas Victor, da HotNews, desconfia: “Nos últimos anos, outros Governos cederam a protestos de «apenas» 20 mil a 30 mil pessoas. Agora, o Governo de Grindeanu ainda está agarrado ao assento, apesar de, no domingo passado, mais de meio milhão pessoas ter ido para a rua.”

O quarto país mais corrupto da União Europeia

Há semanas, a Transparency International divulgou o relatório anual do Índice da Perceção da Corrupção relativo a 2016: a Roménia obteve 48 pontos – sendo que 0 significa “muito corrupto” e 100 “sem corrupção”. A par com a Hungria, o país encontra-se na 24º/25º posição, entre os 28 estados-membro da União Europeia.

A corrupção é uma realidade que Cioc conhece bem: “Eu, pessoalmente, já não posso mais com a forma como os políticos estão a interferir em todo o país, mesmo onde não deveriam. Cada vez que um partido ganha, mudam os diretores da maioria das instituições. As pessoas não são escolhidas para o cargo porque são boas. São escolhidas porque conseguem sê-lo”, afirma.

“Devido à corrupção, áreas importantes como a saúde, a educação e a proteção ambiental estão subfinanciadas e mal geridas”, diz Catalina. Mas o povo romeno não se mantém inerte: “Todos estes aspectos negativos motivaram as pessoas que querem mudança a tomar iniciativa, nos últimos anos. E isso vê-se no desenvolvimento de organizações não governamentais que apoiam a educação cívica e a cidadania responsável, bem como no número crescente de protestos e outras iniciativas cívicas locais”.

Mircea opta por se cingir ao números que vão alterando, ano a ano, no relatório da Transparency International: “Embora tenha havido melhorias significativas, a corrupção continua a ser um problema na Roménia.”

Texto editado por Rita Neves Costa