Já foram registadas mais de 145 mil interrupções voluntárias da gravidez em Portugal desde a despenalização do aborto. Mas o número anual de intervenções tem vindo a diminuir. Em 2015, último ano sobre o qual a Direção-Geral da Saúde tem dados, houve cerca de 16 mil, menos 10% do que em 2008.

10 anos, a mesma lei

Já foi em 2007 que a despenalização da interrupção voluntária da gravidez (IVG) foi aprovada em referendo – faz este sábado 10 anos. E as leis que regulam a IVG continuam a ser as mesmas.

Só em 2015 houve uma tentativa de alterar a legislação. A proposta, datada de setembro, foi aprovada pela maioria de então, formada pelo PSD e o CDS. Incluía a cobrança de taxas moderadoras para a interrupção voluntária da gravidez, até então isenta por estar classificada como ato de saúde materno-infantil. Requeria, também, acompanhamento psicológico e social para qualquer mulher que se sujeitasse a uma Interrupção Voluntária da Gravidez. Medidas severamente criticadas pela oposição, que as considerou um retrocesso.

Mas as alterações nunca chegaram a estar em vigor. Foram revogadas num diploma datado de fevereiro de 2016, aprovado com os votos da atual maioria parlamentar.

Também a Associação para o Planeamento Familiar (APF) tinha sido uma opositora destas reformas. Duarte Vilar, diretor executivo, realça que é sempre possível existir acompanhamento psicológico “a pedido da mulher”. Mas não concorda que deva ser obrigatório. Ao JPN, declara que as alterações aprovadas em 2015 eram “barreiras” à IVG.

Vilar salienta que a posição da associação sempre passou pela defesa da interrupção voluntária da gravidez até às 12 semanas, mais do que as 10 atualmente permitidas na lei portuguesa. Já num encontro em 2015, a APF propôs uma série de reformas à regulamentação em vigor. As sugestões incluíam o fim do período de reflexão de três dias requerido pela lei, o fim da automatização das baixas por interrupção voluntária da gravidez em 30 dias e um maior poder de decisão das menores que se submetam à intervenção.

Os dados mostram uma prevalência das interrupções voluntárias da gravidez ente mulheres com níveis de escolaridade altos, mas também em desempregadas e trabalhadoras não qualificadas. O diretor executivo da APF realça que o acesso à interrupção voluntária da gravidez no serviço nacional de saúde é “gratuito” e que não é por falta de meios que as mulheres deixam de fazer a intervenção. 71% das portuguesas que escolheu interromper a gravidez em 2015 fê-lo em hospitais públicos.

O balanço dos médicos

Os médicos portugueses não estão obrigados a colaborar em interrupções voluntárias da gravidez. A lei e a deontologia permitem alegar objeção de consciência.

Segundo Ana Castro, médica ginecologista e obstetra no Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro, é este o caso de quatro dos 16 médicos da sua especialidade. Diz que a legalização não mudou particularmente a forma como os colegas veem o assunto.

Para a médica, quem era contra não muda de opinião, e quem apoiou o sim só tem dúvidas acerca da forma como algumas das pacientes recorrem à interrupção voluntária da gravidez. Apesar da percentagem de mulheres reincidentes na interrupção de gravidezes, divulgada pela Direção-Geral da Saúde, não ser particularmente alta (cerca de 30%), Ana realça que se continua a lidar com “pessoas que já fizeram duas ou três” e que “isso não devia acontecer”.

O JPN tentou contactar a Ordem dos Médicos acerca da forma como a classe encara estes 10 anos de IVG em Portugal sem sucesso até ao fecho da edição.

Artigo editado por Filipa Silva