No meio de incontáveis melodias, há canções capazes de apelar ao orgulho bairrista. A “Pronúncia do Norte” apareceu no local adequado, à hora mais conveniente, já o concerto ia adiantado. Isabel Silvestre, do ex-Grupo de Cantares de Manhouce, puxou pelos agudos e apelou como nunca aos graves roucos de Rui Reininho. A plateia largou os assentos e disparou luzinhas pelos três anéis do Coliseu. “Parabéns por tudo, Invicta!”, exclamava o chefe de fila do Grupo Novo Rock (GNR), ofuscado por aplausos apoteóticos e gritos de êxtase. Afinal, o melhor destino europeu não é só paisagem. É também cultura.

Durante pouco mais de duas horas, o trio – formado por Rui Reininho, Jorge Romão e Tóli César Machado – nascido e criado no Porto repassou os temas de várias gerações. Em 27 músicas viajaram ao passado, compreenderam o presente e projetaram o futuro. Sim, porque os “Reis do Roque”, como se lia numa tarja desenrolada entre a multidão, têm, pelo menos, alguns anos de sobra pela frente.

Dizem-se sós, mas só na teoria

A celebração seguiu os trâmites normais: juntar velhos amigos, sejam artistas ou meros ouvintes. Rita Redshoes, por exemplo, tem 35 anos e cresceu a ouvir GNR desde pequena. No ano passado editou com Reininho o single “Dançar Sós”, do álbum “Caixa Negra”. O tema, já depois do solo “Homens Temporariamente Sós”, pautou a inegável química entre os dois cantores. Entre unirem as mãos esquerdas, darem abraços cúmplices e dançarem juntos, ninguém diria que existem 26 anos de contrastes.

A passagem da letrista de Loures pelo palco nortenho foi fugaz, mas intimista. Foi o primeiro prato forte de uma refeição que começou por experimentar os sabores dos primeiros álbuns, datados dos anos oitenta e noventa. “Efectivamente”, “Ana Lee” e Bem Vindo Ao Passado” puxaram pelos galões das primeiras filas, irrequietas, eufóricas e com objetivos claros de contagiar o restante público.

Durante o espetáculo, Rui Reininho interveio poucas vezes. Mas quando o fez, saiu por cima. Por exemplo, entre as execuções de “Caixa Negra” e “Cadeira Elétrica” realçou os “grandes amigos” da plateia. E lembrou Álvaro Costa, radialista que sofreu um AVC há dois meses, convidando-o a “levantar e caminhar”.

Cimeira ibérica

A canção “Asas” foi sintomática do momento. Aconteça o que acontecer, os GNR não estão na idade de acabar. A melodia convidou a braços erguidos que balançavam de um lado para o outro e precipitou a entrada de novos sons no palco. Ao piano acústico juntou-se uma violinista convidada com origens russas. Contudo, a estratégia inicial sofreu poucos ajustes: a fina flor dos anos oitenta (“Bellevue” e “Valsa Dos Detectives”) continuou misturada com o sangue renovado do novo milénio (“Popless”).

De repente, Javier Andreu tinha invadido a pista do Coliseu. O vocalista dos “La Frontera” esteve muito tempo sem cantar com Reininho, mas anda por estes dias a matar as saudades todas. Trazendo sonoridades mais roqueiras, voltou a partilhar a interpretação de “Sangue Oculto”, do álbum “Rock In Rio Douro” – um dos trabalhos dos GNR mais aclamados pela crítica.

O cantor espanhol voltaria mais tarde, para fechar o primeiro encore com o eletrizante “Quero Que Vá Tudo Pro Inferno”. Pelo meio, “Dunas” gerou palmas a compasso. Rui não pediu, mas o público fez questão de ajudar a cantar a melodia a uma só voz. Atrás, o cenário mostrava videoclips antigos, recortes de jornais e fotografias dos primórdios da banda.

Para o fim, um segundo encore com marcas de juventude. “Sub-16” recorda os dilemas daquela que será, porventura, a fase mais agitada da vida humana. “Mais Vale Nunca” teve cooperação de um coro de crianças. “As clavezinhas de sol”, nas palavras de Jorge Romão. Não podia faltar à chamada, pelo carinho especial que gera e pela imagem de marca que constrói no ouvinte.

Nos últimos tempos, os GNR andaram por Guimarães, Lisboa e Estoril. Este sábado voltaram a pisar o Coliseu do Porto, para fechar a tour de celebração dos 35 anos, tirando um alinhamento diversificado que conquistou os espectadores. Passaram 35 anos, mas a banda portuense promete continuar a rockar ao mais alto nível. Sempre com passagens frequentes pela sala mais emblemática da cidade onde nasceu.

Artigo editado por Filipa Silva