Nova corrente no Estádio do Mar. Com esmagadora maioria e sem margem para duvidar. Duarte Anastácio venceu esta sexta-feira as eleições presidenciais do Leixões Sport Clube para o triénio 2017/2020. Aos 28 anos, passa a ser o mais jovem de sempre a ocupar o cargo no clube.

Num universo de 581 votantes, a lista A recolheu 435 votos (74,9%). José Manuel Teixeira, candidato da lista B, somou 137 eleitores (23,6%). Foram registados ainda seis votos em branco e três nulos.

Foi “uma vitória dos adeptos do Leixões, que vai acabar com o marasmo em que o clube esteve mergulhado nos últimos anos”, disse Anastácio após o anúncio dos resultados. O candidato vencedor elogiou o adversário, “pela forma digna como contribuiu para o final da campanha”. José Manuel Teixeira assegurou disponibilidade total para colaborar com a nova estrutura diretiva leixonense.

Unanimidade à volta das urnas

A campanha teve momentos quentes e trocas de acusações. Na terça-feira, José Manuel Teixeira colocou uma providência cautelar no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto para impedir o sufrágio. Em causa estariam alegadas declarações do candidato à vice-presidência da Lista A. Paulo Pinhal terá assumido, sem autorização da Assembleia Geral, o pagamento de quotas em atraso de alguns associados, para que pudessem votar.

O ato eleitoral avançou mesmo e ditou uma derrota clara para o antigo jogador, treinador e presidente do Leixões. No fundo, o desfecho não surpreende grande parte dos associados que estiveram no Pavilhão Siza Vieira a votar.

O JPN ouviu alguns adeptos leixonenses e a preferência era quase sempre a mesma: lista A. Pedro Dias tem 21 anos de sócio e vai aos jogos em casa. Sente que “é hora de mudar o rumo do clube, através de gente que sente o Leixões”. O irmão mais velho, Tiago Dias, não tinha nenhum candidato favorito, mas previa que “o candidato da Lista A estivesse em melhores condições de sair vencedor”.

Elisabete Pereira Ferreira, 78 anos. Foto: Mariana Calisto Foto: Mariana Calisto

Ao fundo do pavilhão encontrámos Elisabete Pereira Ferreira. Tem 78 anos e é sócia há quarenta. Vem apoiada por duas canadianas, mas ainda tem força para recuar aos tempos de adolescente. “Eu era pequenina e já andava a ver o Leixões”, diz enquanto esboça sorrisos de orelha a orelha. Elisabete deu a cara pela candidatura de Anastácio, até porque “sabe o que o outro fez” com as economias da instituição. “O dinheiro tem duas caras: há que sabê-lo ganhar e sabê-lo poupar. Apesar da minha idade, sem dinheiro sabia melhor governar o Leixões que alguns senhores que têm andado por lá”, sustenta.

Emanuel Mendes é bem mais novo que Elisabete, mas também alinha pelo mesmo discurso. “Enquanto a lista B preocupa-se mais em denegrir o adversário nas redes sociais, vejo que a lista A está realmente a fazer algo pelo clube”, argumenta o sócio de 28 anos, que acompanha o Leixões para todo o lado. Reconhece o trabalho feito por José Teixeira em anos transatos, como a chegada à final da Taça de Portugal e a presença na extinta Taça UEFA. Mas chegou a altura de mudar o rumo, porque o clube “não pode viver mais do passado”.

Os vencedores

Duarte Anastácio candidatou-se nas eleições anteriores e perdeu com 33,9% dos votos. Estava na Comissão Administrativa que geriu o clube nos últimos seis meses.

Na campanha prometeu cativar os jovens, reorganizar as modalidades e fazer regressar o voleibol.  Quer ainda dar continuidade à recuperação financeira, cumprindo pagamentos e consolidando contas. Para tal, a ideia passa por rentabilizar as receitas provenientes de duas bombas de gasolina que o clube pretende explorar. Inovar as infraestruturas do clube (estádio, sede e Loja do Mar) também entra nas contas de Anastácio.

Integra Manuel Dias como presidente da Mesa da Assembleia Geral. Maria Anastácio foi a escolhida para dirigir o Conselho Fiscal. 

Chegar, recuperar e aperfeiçoar

Duarte Anastácio chega à liderança do clube depois de ter integrado a Comissão Administrativa. O grupo era composto por três pessoas e exerceu funções nos últimos seis meses. Pela primeira vez em muitos anos, os salários foram pagos a tempo e horas. As relações entre clube e Sociedade Anónima Desportiva (SAD) ficaram mais próximas. Os próprios prejuízos diminuíram, como atesta o pagamento do Processo Especial de Revitalização (PER) e do Perdão Fiscal para Dívidas ao Fisco e Segurança Social (PERES). “Fizeram o que lhes competia com distinção, apesar de alguns não acreditarem”, analisa Pedro Dias, sócio há 21 anos.

“Tudo melhorou” com a Comissão Administrativa, conclui Ricardo Dias, 29 anos, sócio desde que nasceu. Já o primo Tiago Dias, presença assídua nas bancadas, é menos exuberante. “Veio agarrar o barco e encontra-se a gerir com alma e coração. Mas ainda é muito cedo para avaliar qualquer trabalho”, salienta o sócio de 29 anos.

Grande parte dos louros são partilhados com Paulo Lopo. O presidente da SAD leixonense é “alguém em quem o grupo sente segurança”, descreve Emanuel. Ainda na quinta-feira fez questão de juntar os candidatos para serenar o clima de tensão. “Há um consenso entre as duas listas para que não existam providências cautelares, guerrilhas ou impugnações que afetem estas eleições. Quem vencer terá toda a legitimidade de convidar quem quiser para integrar a próxima direção”, salientou em conferência de imprensa.

Marés de incerteza

Certo é que ainda prevalecem mais tempestades que ventos favoráveis por Matosinhos. A comissão apareceu na sequência da detenção de Carlos Oliveira. O ex-presidente estava indiciado na operação “Jogo Duplo”, que investiga jogos viciados e manipulação de resultados. Por ordem do Ministério Público, o dirigente ficou com funções suspensas desde o final da época 2015/16. Pouco tempo depois apresentou a demissão do cargo.

O trabalho de Carlos Oliveira deixou poucas saudades entre a massa associativa leixonense. Tiago diz que “nos últimos nove anos o clube não tem evoluído, antes caiu num abismo diretivo e organizacional”. Elisabete queixa-se do aumento das quotas, que afetaram mais “os cativos e os reformados”. E não se esquece de Guilherme Pinto, autarca falecido que “já deu muito muito muito da sua mão para pagar aos jogadores”.

Por baixo saiu sobretudo o futebol de formação, que nem campos próprios possui. Como se não bastasse, perdeu “bastantes jovens, de 400 para 120 atletas atuais, o que faz entender um futuro comprometedor”, nota. Se antes “não havia espaço, agora há crianças com mais vontade de jogar em clubes inferiores”, lamenta Emanuel. A “decadência na formação”, como resume Pedro, tem tido reflexo na redução de custos e nas portas reduzidas que estão abertas ao recrutamento local.

Emanuel Mendes, 28 anos. Foto: Mariana Calisto

Também as modalidades não escapam às dificuldades. Voleibol, natação, bilhar, karaté e boxe fazem do Leixões um clube eclético. Os problemas residem na “entrega da gestão destas áreas às associações por parte da antiga administração de Carlos Oliveira”, conta Emanuel. O sócio de 28 anos não acha que a estratégia seja benéfica, mas recorda a prioridade de Anastácio em devolver as modalidades ao clube. “Faz todo o sentido, nunca deviam ter saído do clube”, resume.

Até o próprio sentimento bairrista tem os dias contados. Os adeptos do Leixões sempre foram conhecidos pela garra trazida do alto-mar e pelo fervor clubístico. Nas derrotas ou nas vitórias, estão sempre lá. “Somos os primeiros a criticar, a falar e a fazer o que for preciso. É isso que define o adepto leixonense”, realça Emanuel.

O clube entrou numa espiral negativa. As assistências caseiras caíram a pique. E a cidade, através da Câmara Municipal, não respondeu da melhor forma. “Ultimamente as gerações mais novas apegaram-se muito aos três grandes”, conta Ricardo. Pedro observa mesmo que “o número de espetadores nos jogos em casa tem vindo a decrescer ano após ano”. Para já, pede-se uma “mentalidade diferente”, com contas estáveis e iniciativas que chamem as pessoas para ir à bola. Depois, ordem para “poder sonhar com a subida à primeira divisão, lugar do qual nunca deveria ter saído”, refere Pedro.

Esperança até ao fim

Por mais obstáculos que apareçam, o caminho é percorrido com muito amor. Este ano não tem sido exceção à regra. Vários sócios têm acompanhado o Leixões para todo o lado. Do Minho ao Algarve, com paragens nos arquipélagos dos Açores e da Madeira, há sempre “bebés” vestidos a rigor. “O Leixões é ir ao domingo seja onde for e ver que temos montes de pessoas a encher autocarros”, confessa Emanuel. 

Estádio do Mar, a casa do Leixões. Foto: Mariana Calisto

À semelhança de outras temporadas, 2016/17 arrancou aos tropeções. Filipe Coelho chegou das divisões inferiores do futebol português, mas durou pouco. Nove pontos em treze jornadas precipitaram a saída do atual técnico do UD Vilafranquense. Daniel Kenedy aterrou no Estádio do Mar e os resultados melhoraram ligeiramente. Com a ajuda de alguns reforços de inverno, a equipa chegou a contabilizar quatro vitórias consecutivas para a Ledman LigaPro. Quatro triunfos que deram maior oxigénio para respirar.

A luta pela permanência vai ser concorrida até ao último segundo, mas a confiança dos homens de Matosinhos é inabalável. “Já na época passada estávamos na mesma situação e mesmo com uma equipa mais instável conseguimos a manutenção”, lembra Ricardo. Já Emanuel apela à união para “voltar a pôr o Leixões no lugar que merece”. Tiago Dias também não tem dúvidas. Até porque “um leixonense não nega uma luta e acredita sempre em vencer”.

Artigo editado por Filipa Silva