Nem o frio noturno impediu que o Mira Fórum rebentasse pelas costuras na exposição fotográfica virtual e comentada de Alfredo Cunha. Após a distribuição de mantas e de uma pequena introdução da cofundadora do Mira Fórum, Manuela Matos Monteiro, o fotógrafo falou para uma plateia cheia.
“Sou constantemente acusado de ser pessimista”. Foi essa crítica que motivou Alfredo a avançar com a construção da obra “Felicidade”. Depois de rever o seu arquivo fotográfico, chegou a uma conclusão bem diferente: “A maior parte das minhas fotos são felizes”. Para o evento, o autor trouxe dez exemplares do seu livro. “São os últimos, não há mais”, anuncia.
Assim que as contrastantes fotos a preto e branco começam a surgir na tela, Alfredo acompanha-as e desvenda histórias e momentos específicos por detrás dos registos. As fotos selecionadas vêm das mais diversas partes do mundo: desde localidades portuguesas, como Peniche, Ponte de Lima, Tavira e Vila Verde, até pontos espalhados por todos os continentes como EUA, China, Holanda, Bangladesh, Iraque, Sri Lanka, Guiné (e muitos outros).
“Podemos estar felizes mas também podemos ser felizes”, diz, enquanto projeta as fotos com um sorriso. As temáticas das fotos são várias e, muitas delas, chegam a ser cómicas. “Gosto muito de fotografar clichés. Dão situações muito divertidas na fotografia”, diz, referindo-se a uma foto em que uma rapariga se encolhe no chão para tirar uma fotografia a outra. Mas neste livro, há fotografias que são exatamente o oposto.
Muitas delas foram tiradas no Sri Lanka, onde se alonga nas histórias a contar. Sobre as crianças monges budistas, que fotografou, dá uma opinião que surpreende o público: “Eles são horríveis, são maus. São do piorio”, afirma. E conta situações em que as crianças estão habituadas a todo o tipo de previlégios e não recuam perante um “não”.
“Os últimos BI’s feitos na Guiné foram feitos com fotografias minhas”
Alfredo Cunha é autor de algumas das mais reconhecidas fotos do 25 de Abril. Mas são as fotos do pós-revolução, da descolonização portuguesa que marcam grande parte do seu portfólio.
Sobre Guiné, tem muito a dizer. E, usando as fotografias como pretexto, conta um outro lado da História que não surge nos livros escolares. Fala dos pequenos acontecimentos que despoletaram a Guerra Colonial e dos sentimentos de povos que viveram sob a colonização. “Aquela gente chorava quando os soldados iam embora. Sentiam-se abandonados”, diz. “Há sítios que estão intocados desde que os portugueses foram embora. Aquilo está abandonado há 40 anos”.
“Os últimos BI’s feitos na Guiné foram feitos com fotografias minhas”, acrescenta. 40 anos depois, o fotógrafo voltou à Guiné, para fotografá-la novamente: “Para mim, é um fechar de um ciclo”.
Mas não são só as histórias dentro das fotografias de que Alfredo fala. Há muita história fora delas: com um sorriso na cara, conta várias aventuras por que passou durante as viagens com Luís Pedro Nunes e que provocaram o riso geral. Entre elas, estão uma viagem de balão a sobrevoar Iraque, na altura em que o ISIS ocupava Mossul, e uma estadia “dolorosa” na Guiné: “Vocês não sabem o que é ser mordido por formigas de 1 cm na Guiné. Elas só mordem nas partes baixas”, diz, depois de mostrar uma foto tirada na estadia em que pessoas que sorriam. “A felicidade de uns é a infelicidade de outros”, conta rindo.
São dezenas e dezenas de momentos que o fotógrafo mosta. “Eu tenho um problema muito grave porque fotografo muito”, diz. Mas nem isso o faz considerar-se um “grande fotógrafo”: “Conseguir aliar o olhar, o ver para além do óbvio, à formação técnica é o que me faz conseguir boas fotografias”. Se há coisa em que não acredita é no “instante decisivo”, que muitos dizem ser o melhor atributo de qualquer grande profissional.
Quando, em conversa com o público, lhe perguntam se é “imune” ao que fotografa, a resposta de Alfredo é simples: “Se uma pessoa é imune, não é sensível. E se não é sensível, não pode ser fotógrafo”.
“Estou muito insatisfeito com a forma como o jornalismo está a ser feito em Portugal”
Alfredo Cunha foi fotógrafo e editor-chefe no Público entre 1989 e 1997 e no Jornal de Notícias entre 2003 e 2009. E sobre o estado do jornalismo português, não esconde o descontentamento.
Ao falar no caso de um fotógrafo estrangeiro que admira, Alfredo deixa uma dica ao jornalismo português: “Ele foi dispensado porque era muito caro. Tal como jornalistas portugueses estão a ser”. E sobre a valorização do trabalho dos fotojornalistas, Alfredo deixa mais críticas: “Os jornais têm esse problema. Qualquer pessoa fotografa. Para quê pagar a um fotógrafo se qualquer um o faz com o telemóvel?”.
Para o fotógrafo, a profissão tem “dois dramas”: “a ditadura dos diretores e dos gráficos”. Por essa e outras razões, diz que já não tem carteira profissional de jornalista nem quer ter. Acrescenta que a sua felicidade também está em “fazer o que se gosta, quando e como se quer”.
O que vem aí
Na pequena conferência, o fotógrafo deixou algumas pistas sobre alguns futuros projetos. Para o próximo mês, está para sair um livro sobre Fátima, anunciou. Mas há mais. “Estou a acabar de fazer um livro de Mário Soares”, disse. Alfredo Cunha foi fotógrafo pessoal do presidente: a sua fotografia mais reconhecida mostra Soares a trabalhar à secretária sem um sapato.
Artigo editado por Rita Neves Costa