Inês Lourenço, Jorge Leitão Ramos, Luís Miguel Oliveira e Rui Pedro Tendinha são críticos de cinema em órgãos de comunicação social portugueses. Todos partilham o gosto pela sétima arte. Este domingo acontece a 89ª edição da cerimónia dos Óscares, mas o JPN não falou de previsões com este grupo. Os quatro críticos explicam afinal o que é isto de ser crítico de cinema: as fragilidades da função, os ingredientes necessários e ainda o aparente preconceito face a alguns géneros cinematográficos.

Inês escreve atualmente para o “Diário de Notícias”, Jorge é crítico de cinema desde 1975 e escreve para a revista “E” do “Expresso”, Luís é responsável pela programação na Cinemateca Portuguesa – Museu de Cinema e escreve para a revista “Ípsilon”, o suplemento cultural do “Público”, e Rui é crítico de cinema desde os anos 90, foi vice-presidente da associação internacional FIPRESCI, a maior associação de críticos de cinema, é programador do Estoril Film Festival e escreve para o “Diário de Notícias”.

O que é um (bom) crítico de cinema?

Cada um encara a atividade com diferentes olhos, apesar de todos concordarem que o crítico deve apresentar uma perspetiva fundamentada dos filmes. “É alguém que, mesmo quando discordarmos em absoluto do que diz, achamos que tem um ponto de vista válido e estimulante”, define Jorge Leitão Ramos.

É preciso que seja uma pessoa que “saiba bem do que está a falar e que tenha um conhecimento razoável, neste caso, de cinema, da sua história, das suas histórias”, esclarece Luís Miguel Oliveira. Já Inês Lourenço considera que o gosto pessoal do crítico “não se pode diminuir em função” do público ao qual se destina a obra, respeitando, porém, a finalidade e as pessoas que o filme pretende atingir. “Talvez seja o equilíbrio entre as duas coisas”, acrescenta.

Rui Pedro Tendinha fala da necessidade do crítico ter uma “linguagem literária”, sublinha que “não se pode limitar a escrever de forma jornalística, no pior sentido da palavra, tem que expressar as suas opiniões de uma forma apelativa e com algum valor literário”. Rui apela ainda para a importância de um conhecimento do cinema e da necessidade do crítico não ser tão académico como “acontece com muitos”, sublinhando que considera “muito importante escrever com o coração e com a alma”.

Quando falamos do número de críticos que existe, Jorge considera que a qualidade do que se lê na imprensa portuguesa “não tem melhorado”. Luís admite que o número de críticos profissionais possa estar a diminuir e que “crítica de cinema perdeu muito do seu espaço e da sua importância objetiva”. Por outro lado, não descarta o facto de que muitas pessoas escrevem sobre cinema na Internet, tendo que ser avaliada a “validade para além das impressões pessoais” desses cibernautas.

Mas será que os jornalistas podem ser críticos e vice-versa? Inês Lourenço considera que “há um lado jornalístico também na crítica. Há um lado de indagação, quando nós fazemos crítica também estamos a perguntar alguma coisa, estamos a questionar. As coisas misturam-se. Não sei se há uma separação, não acho que tira nada”. Já Jorge Leitão Ramos acredita que “escrever sobre filmes não é a mesma coisa que fazer crítica de cinema”.

“É preciso gostar de cinema”

É o que Jorge diz ser necessário para se fazer uma crítica. “Parece óbvio, mas eu acho que há críticos que, deveras, não gostam de cinema. É preciso ter visto muito e cinema variado. A memória é fundamental. É conveniente ter uma cultura geral tão vasta quanto possível”. Já Luís considera importante o estudo e a investigação, saber o que já foi dito sobre o que se está a analisar e “descrever o objeto e depois a partir daí tecer algumas considerações sobre o seu valor enquanto objeto cinematográfico”.

Segundo o diretor de programação da Cinemateca “é importante deixar o testemunho, para que os filmes não passem sem que fique registado, para que fique um rasto, uma memória”. Luís acrescenta que a crítica lança uma conversa com o leitor, dá-lhe pistas para que possa chegar à sua própria ideia do filme.

Segundo Inês Lourenço, no meio de tanta diversidade de filmes, “criar um sentido crítico nas escolhas das pessoas” é também um objetivo. Para a jornalista, a crítica funciona como um filtro, mas que é lida na sua maioria por “pessoas ligadas ao cinema ou pela escola”.

“A crítica já foi muito mais importante do que é hoje”, alerta Luís Miguel Oliveira. Ela era o “único mediador entre os filmes e os seus espectadores”, mas hoje em dia os espectadores são mais permeáveis a outros tipos de informação, nomeadamente a informação publicitária.

Rui Tendinha afirma que a crítica em Portugal tem um problema, “é muito copista e segue demasiado o modelo de uma crítica francófona, vão muito atrás dos movimentos e das tendências do cinema francês”.

O preconceito na crítica

É verdade que os críticos não gostam de filmes comerciais? Jorge Leitão Ramos diz que é um preconceito: “Não é verdade. Não há cineasta mais comercial que Hitchcock, não há cineasta mais elogiado pela crítica”.

Luís partilha da opinião e refere que não acredita na distinção entre cinema comercial e cinema de autor: “Penso que é tudo a mesma coisa, é cinema!”. Alerta, no entanto, para o perigo de ser “um preconceito expandido que às vezes até certos críticos de cinema acabam por insistir nele e de alguma maneira o legitimar”. O crítico do “Ipsilon” salienta que cada filme tem a sua verdade artística, intelectual e de divertimento e que ser comercial ou de autor não é uma garantia de qualidade cinematográfica.

“Não saber rever o cinema em cada género”, é outro problema que Rui aponta na crítica, não só em Portugal. “Blockbusters, filmes comerciais muitas vezes são vistos com preconceito só por serem assim. Agora, há bons e maus dentro desse domínio. Sou muito a favor de que tem que haver um conhecimento de cada género”, acrescenta.

Mas, falando do cinema de autor, Inês Lourenço acredita que os filmes chegam às salas, mas não são vistos, mesmo com um impulso da crítica em apelar ao público para ver esses filmes.

“Ainda me lembro do tempo em que um filme de Syberberg tinha sucesso em Lisboa. Hoje seria impossível”, confessa Jorge Leitão Ramos. Luís Miguel Oliveira considera que antigamente havia uma maior diversidade nas origens e tipos de filmes e que “hoje em dia a coisa parece muito mais afunilada”.

“Há ainda uns espaços que restam e que resistem, que fazem trabalho bastante válido, mas eu penso que as condições já foram muito melhores para esse tipo de canais, para que consigam fazer chegar filmes um bocadinho diferentes da norma aos espectadores”, acrescenta.

A crítica e as novas plataformas

Com o surgimento e desenvolvimento da Internet, o panorama do acesso à informação foi alterado. Jorge Leitão Ramos considera que “o trabalho do crítico não tem a ver com plataformas, tem a ver com as obras”. Mas Luís Miguel Oliveira aponta para outra direção do tema, referindo que “o trabalho na essência não muda, mas as ferramentas ao dispor mudaram e são muito mais ricas”. “As condições para um bom trabalho são maiores hoje do que eram há vinte anos”, conclui.

Artigo editado por Rita Neves Costa