O Instituto de Investigação e Inovação em Saúde (i3S) assinalou o Dia Mundial das Doenças Raras. A sessão recebeu o título de “Com a Investigação, as possibilidades não têm limites” e reuniu profissionais, investigadores e demais participantes esta quarta-feira, 1 de março. O contributo da investigação em doenças raras e o papel dos serviços de saúde na vida dos doentes esteve em destaque.

29 de fevereiro é um dia raro — assinala-se apenas em anos bissextos — , mas quer fazer lembrar as doenças pouco comuns. As doenças raras afectam no máximo uma em cada duas mil pessoas. A probabilidade pode parecer reduzida, mas existem mais de 6 mil doenças raras existentes. Um ponto em comum entre todos os intervenientes e que ganhou voz no evento é a necessidade de promover um maior conhecimento das doenças raras, consideradas um desafio para quem luta diariamente pela sustentabilidade de tratamentos e pela melhoria da qualidade de vida.

Ponciano Oliveira, representante do Conselho Directivo da Administração Regional de Saúde do Norte, apontou os cuidados de saúde para todos como uma das grandes conquistas do panorama da saúde. Contudo, “para que essa garantia seja efectivamente geral e universal é necessário que se atenda à realidade de todos”, disse.

“As doenças raras merecem particular atenção:  sendo poucos os indivíduos a sofrerem com estas doenças, estão expostos a um risco especial relativamente às doenças comuns”.

O representante da ARS Norte destaca ainda o papel “insubstituível” das associações, que contribuem para a sinalização de doentes,  “bem como o desenvolvimento de estratégias socializantes e sustentáveis para promover a qualidade de vida e o tratamento”.

Viver e trabalhar com doenças raras é um desafio diário e Vítor Tedim Cruz é um dos profissionais que acompanham de perto alguns exemplos. O Director do Serviço de Neurologia do Hospital de Pedro Hispano esteve no Instituto e falou de uma ideia fatalista que persiste na sociedade, que convive com o dano neurológico sem procurar um diagnóstico precoce: “Acham que não vale a pena, convivem com a fatalidade das doenças. Nas doenças neurodegenerativas raras, isto ainda é mais acentuado”.

Vitor Tedim Cruz fala ainda de um lado mais “controverso e singular”, considerando que “não há projectos científicos tão grandes que consigam persistir no tempo sem sedução”. É o número de profissionais que fazem parte de uma investigação que constituem este lado sedutor: “Em todos os projectos temos de ser persistentes, mas também fazer com que os projectos persistam no tempo. Ou seja, criar formas para que o esforço seja sustentável, que se prolongue e continue a dar resultados para além do projecto em si próprio”.

“A vida tem futuro”

O Presidente da Associação de Paramiloidose, Carlos Figueiras, trouxe ao i3S o testemunho da luta pelo medicamento TAFAMIDIS, que levou anos a chegar a Portugal, mesmo depois de testado. Em França, já existiam doentes a tomar o medicamento mas, em Portugal, ainda existem casos diagnosticados sem acesso ao tratamento, como explicou Carlos Figueiras.

Para vencer, qualquer associação “tem de lutar. Não tem de ter medo. O Presidente da República, o primeiro-ministro, todos os ministros, são todos nossos funcionários. É o nosso dinheiro, os nossos impostos”, palavras de Carlos Figueiras que lutou, durante 30 anos, pela chegada do medicamento.

Marta Jacinto, presidente da Aliança Portuguesa de Associações de Doenças Raras, relembra os benefícios da investigação, apesar da falta de destaque e investimento na área: “Sempre que não haja um investimento privado, tem de haver investimento público”.

O trabalho de investigação é complexo e levanta questões éticas, das quais Marta Jacinto destaca as necessidades de garantir a privacidade do doente e de evitar que se sinta um “rato de laboratório”: “O doente agradece que haja investigadores interessados, mas por outro lado, também poderá querer viver a sua vida”.

Para lá das limitações

Laurinda Correia Novo é portadora de uma policitemia vera e viu nesta iniciativa uma oportunidade de partilhar o seu testemunho: “Uma das revoltas que tenho é não ter informação. Ainda só encontrei um senhor com policitemia, que também não tem respostas. As pessoas que têm doenças raras são vistas como coitadinhas e umas das coisas que magoam e que afectam o psicológico é que se temos uma doença rara, temos de estar ali num canto porque podemos pegar a alguém. Isso é muito frustrante”. Mas são por casos como estes que as associações ganham papel de relevo, como relembrou a presidente da Aliança Portuguesa de Associações de Doenças Raras.

A falta de informação, a par com o défice na área da investigação, estiveram no centro deste encontro, mas também existem histórias para lá das limitações.

Paramiloidose também conhecida como “doença dos pezinhos” é causada pela alteração de uma proteína no fígado.

Policitemia Vera é uma doença rara que consiste no excesso de glóbulos vermelhos no sangue.

Charcot-Marie-Tooth  resulta de um distúrbio nervoso, cujas consequências podem resultar na perda de massa muscular.

Neorofibromatose tipo dois é causado pelo crescimento anormal do tecido nervoso, que origina pequenos tumores.

Diogo Lopes tem apenas 17 anos, mas já tem muito para contar. Fundou a associação com o nome da doença que lhe foi diagnosticada aos 10 anos, Charcot-Marie-Tooth. Mas não é este nome complicado que impede Diogo de enfrentar a vida: “Nós temos de viver quem nós somos com a doença”. Diogo já lançou um livro de poesia, “Contrabaixo”, e não esconde a vontade de investir na música e de dar aulas no futuro. É através da Associação Portuguesa de Charcot-Marie-Tooth que o jovem conhece vários casos.

Outro caso de perseverança é o de João Sousa Silva, com neorofibromatose tipo dois. João não baixou os braços quando perdeu a sua pensão de invalidez por ter casado e contactou jornalistas que ouvissem a sua história. Foi graças a isso que a situação ganhou um mediatismo inesperado e o levou a receber um donativo da Santa Casa da Misericórdia. Mas a maior vitória veio depois, ao ver o medicamento a ser comparticipado pelo Estado.

João Sousa Silva, Diogo Lopes e Xavier Gonçalves são alguns dos doentes que deram o seu testemunho. Foto: Claudia Silva

O Dia das Doenças Raras está assinalado no calendário, mas são iniciativas como estas que marcam o percurso de todos os que convivem com a doença. Os contributos para a área da investigação e para o conhecimento destas doenças constituem um percurso diário feito por todos os intervenientes, mas que poderá criar um número ilimitado de possibilidades.

Artigo editado por Rita Neves Costa