Paulo Portas afirmou esta sexta-feira estar “bastante preocupado com o estado da Europa”, por comparação com os Estados Unidos. O ex-vice-primeiro ministro falava no âmbito da quarta edição das “Conversas na Bolsa”, iniciativa da Associação Comercial do Porto, sob o tema “O que se pode esperar do Mundo em 2017?”.

Para o atual consultor estratégico internacional, a perda de competitividade do continente europeu está mais relacionada com a “digitalização da economia”, em detrimento da “crise financeira”. Paulo Portas referiu que “os demagogos gostam mais de criticar a globalização do que a digitalização, mas, obviamente, sabem que estão a mentir”.

Na perspetiva do antigo líder do CDS-PP, é preciso “pensar seriamente” nas consequências da digitalização. Afinal, foi a globalização que permitiu “a emergência de uma classe média que nunca tinha existido à escala do planeta”, lembrou.

“Acordo razoável” entre britânicos e União Europeia

Portas apelou a “olhar a Europa com olhos de ver”. Falou na Rússia e continua sem compreender por que é que europeus e americanos olham para aquele país “com os mesmos olhos com que olhavam para a União Soviética”. Lembrou as relações do continente com a Turquia, dizendo que falta “um processo de negociação sério”. E recomendou “pragmatismo” ao Brexit.

Há ainda o problema das dívidas soberanas, além da “elevada vulnerabilidade das sociedades europeias” ao terrorismo. “Não é importado de jovens que vivem a 10 mil quilómetros de distância. Hoje o terrorismo é recrutado na internet, junto de jovens que podem viver no bairro ao lado. Muitos dos terroristas têm nacionalidades europeias”, alertou.

Na plateia, surgiu uma pergunta sobre o modelo que os governos europeus devem adotar para serem competitivos. Portas convidou a olhar para a economia digital. “Olhem para a lista das dez maiores companhias digitais do mundo: quantas europeias lá estão? Zero. [Há] seis americanas e quatro chinesas, o que quer dizer que onde a Europa está a perder mais competitividade é na economia digital, que não tende para decrescer. Pelo contrário, tende para transformar bens em serviços”, esclareceu. Assim, não há um modelo pré-definido. “O modelo será o que as empresas fizerem, desde que os Estados não atrapalhem”, resumiu.

“Só com posições de força se obtêm bons acordos”

Passaram mais 40 dias desde a subida de Donald Trump à Casa Branca. Paulo Portas aponta três palavras para descrever o comportamento do presidente dos Estados Unidos: nativismo, protecionismo e isolacionismo. “Na substância, estes conceitos políticos não foram inventados agora”, realça. O que há de novo, segundo o ex-vice-primeiro-ministro, é que Trump é “o primeiro a ter estas prioridades ao mesmo tempo, a agir e discursar como se não tivesse outras e a fazê-lo em globalização”.

O antigo ministro aconselha os cidadãos a habituarem-se à nova liderança política americana. É que, tal como fazia no setor empresarial, Trump vai jogar “permanentemente ao ataque”. Se necessário, com “uma retórica agressiva sobre a contraparte”, esticando muitas vezes, dentro e fora do país, as tensões ao limite. O presidente americano acredita em “acordos e posições de força, sendo que só com posições de força se obtêm bons acordos”, sustenta Paulo Portas. Nem que seja induzido a mudar de opinião com “mais rapidez do que um político tradicional”, sem qualquer penalização.

O ex-ministro dos Negócios Estrangeiros defende que “as boas democracias sobrevivem porque têm fortes instituições”. No caso americano, a presidência promete ser “uma das menos institucionais que conhecemos”, o que pode gerar “uma fonte de problemas”, devido à própria natureza constitucional americana. “Preparem-se para que o inesperado possa acontecer e o imprevisível possa permanecer”, alerta o atual vice-presidente da Câmara do Comércio e Indústria.

Paulo Portas almoçou com empresários, autarcas e deputados. Foto: Ricardo T. Ferreira

Em pleno Salão Árabe do Palácio da Bolsa, as “Conversas na Bolsa” acontecem uma vez por mês e contam ” com a presença de protagonistas de relevo da vida pública nacional”, para debater questões prementes da atualidade. Pelo evento já passaram Azeredo Lopes (ministro da Defesa), Francisco Pedro Balsemão (CEO do grupo Impresa) e Fernando Gomes (presidente da Federação Portuguesa de Futebol).

Artigo editado por Filipa Silva