As eleições na Holanda são esta quarta-feira e nunca antes se tinha assistido a umas eleições tão disputadas e, acima de tudo, decisivas para o rumo da Holanda e da Europa. O número de partidos a concorrer é um recorde absoluto – cerca de 28 -, sendo que metade destes podem vir a conseguir um lugar no parlamento. Há partidos para todos os gostos: há um partido para os pensionistas (50Plus); um partido para os animais (PVDD) e até um para os abstencionistas (o Niet Stemmers).
O resultado provável será um parlamento partido e um governo de coligação de diversos partidos, criando um novo cenário de diversidade política. Para já, a única certeza é que nenhum dos partidos que concorre às eleições vai, em caso de vitória, coligar-se com o partido de Geert Wilders (o partido para a Liberdade – PVV) que é uma das figuras destas eleições dadas as suas declarações incendiárias. Ao porquê de nenhum partido querer se coligar com Wilders já lá vamos.
Antes disto, uma curta contextualização. Desde os anos 80 e até meados da primeira década do século XXI, a política holandesa era dominada por três partidos: o Apelo Democrata Cristão (CDA); o Partido Trabalhista (PvdA) e o Partido Popular para a Liberdade e Democracia (VVD).
A entrada em cena do Partido para a Liberdade (PVV) de Wilders provocou uma mudança do panorama. Nas eleições de 2010, o PVV tornou-se no terceiro maior partido. Não entrou no governo, mas apoiou a solução governativa. Apoio que foi retirado em 2012, provocando a queda da coligação liderada na altura pelo atual primeiro-ministro holandês, Mark Rutte, do VVD.
Embora as eleições de 2012 tenham afastado com sucesso o partido de Geert Wilders do poder, cinco anos depois volta o fantasma, desta feita reforçado e com reais possibilidades de ocupar um número significativo de lugares no parlamento. O PVV, que endureceu o discurso anti-islâmico a reboque dos atentados terroristas de que a Europa foi alvo, ocupa os lugares cimeiros das sondagens.
Para além do partido de Geert Wilders, também é preciso ter em conta a imprevisível prestação do GroenLinks, um partido ecologista liderado por Jesse Klaver que pode vir a assumir um papel no próximo governo holandês.
Mark Rutte: o atual primeiro-ministro
Passemos então para os candidatos. O ainda primeiro-ministro holandês, Mark Rutte, concorre pelo Partido para a Liberdade e Democracia (VVD). Rutte lidera o governo da Holanda desde outubro de 2010, cargo que acumula com a presidência do VVD desde maio de 2006. O VVD é um partido liberal, a favor de uma economia aberta, do Euro e da União Europeia e que defende o princípio da não discriminação e liberdade religiosa, sendo também um partido a favor da imigração, embora defenda que os imigrantes para serem apoiados pelo governo holandês, têm de garantir a cidadania.
O facto de Rutte chegar ao poder já foi histórico, pela simples razão de em 92 anos, ser o primeiro primeiro-ministro liberal. Em 2010, venceu as eleições, mas para conseguir ter um governo estável, teve que formar coligação com o CDA (liderado por Sybrand van Haersma Buma). Conseguiu ainda o apoio do PVV de Wilders, que não quis integrar a coligação.
O governo não chegou a durar dois anos, pois devido a divergências em relação a cortes na despesa, Wilders retirou o apoio à coligação, levando a uma queda do executivo e a novas eleições em setembro de 2012. O Partido para a Liberdade e Democracia voltou a vencer as votações, conseguindo desta feita segurar uma maioria no parlamento, através de uma coligação com o partido trabalhista de Jeroem Dijsselboem (o ainda ministro da Finanças e presidente do Eurogrupo).
Geert Wilders: o incendiário
Falemos a seguir do candidato que está a marcar as eleições parlamentares, Geert Wilders. É o fundador e líder do Partido para a Liberdade (PVV) criado em 2006, sendo também o líder parlamentar do partido. Um facto interessante sobre Wilders, foi que este era do mesmo partido que Mark Rutte, o VVD, até 2004, quando abandonou o partido – na sequência de várias críticas no interior do VVD ao seu discurso anti-islâmico – para criar um movimento radical que viria a originar o PVV dois anos depois, cujo objetivo principal era “devolver a Holanda aos holandeses”.
Após se ter estreado nas eleições de 2006, ganhando nove lugares no parlamento, o partido de Wilders conquistou 21 lugares no parlamento em 2010, tornando-se na terceira maior força política no parlamento e contribuindo para a criação de uma coligação, embora se tenha mantido à margem da mesma.
Wilders é um político próximo das ideologias de extrema-direita de Marine Le Pen (Frente Nacional) e Nigel Farrage (UKIP), sendo também admirador de Donald Trump. Tem ganho mediatismo dadas as suas polémicas xenófobas – que incluem propostas como impedir a construção de mesquitas; barrar a migração de países muçulmanos; comparar o Corão ao “Mein Kampf”) – e eurocéticas (defende a saída da Holanda do euro e da União Europeia.
A defesa das ideias já causou alguns dissabores: Wilders vive rodeado de proteção 24 horas por dia; já esteve proibido de entrar no Reino Unido entre 2006 e 2009 e está incluído na lista de alvos da Al-Qaeda desde 2010, tendo sido também já advertido na Austrália em relação à defesa dos seus ideais. É um dos principais candidatos às eleições, com perspetivas de o seu partido poder tornar-se na segunda maior força política holandesa. A par de Jesse Klaver, é uma das grandes incógnitas das eleições.
Jesse Klaver: o verde da renovação
É o mais novo dos três candidatos, com 30 anos (Rutte tem 50 anos e Wilders tem 53 anos), é também o líder do GroenLinks (partido dos verdes) desde maio de 2015, cargo que acumula com o de líder do partido na casa dos representantes. Está no parlamento desde 2012, ao ser um dos quatro deputados eleitos.
Recebeu a atenção da imprensa internacional em 2013, ao opor-se à evasão fiscal na Holanda, ganhando o apelido de Jessiah (uma mistura de Jesse e Messiah). No mesmo ano, foi coassinante de um memorando chamado “Beautiful Netherlands”, cujo objetivo é a proteção do ambiente, ao nível das paisagens, da fauna e da flora. É tido como o oposto de Geert Wilders, pois ao contrário do líder do PVV, Klaver é pró-imigração. É filho de um pai marroquino e de uma mãe de origem indonésia e holandesa, traço que partilha com Wilders cuja mão também tem origem indonésia.
Dada a orientação política do seu partido (liberalismo e políticas ecológicas), o GroenLinks defende uma política ecológica de combate às alterações climáticas, através de impostos sobre as emissões de gases e promoção de energias renováveis. Apesar de ser pró-Europa, defende uma redistribuição das funções na NATO pela União Europeia e uma reconversão das forças armadas holandesas para forças de manutenção de paz.
Extrema-direita incerta no governo
Apesar das últimas sondagens apontarem para um empate entre o partido de Mark Rutte e o PVV de Geert Wilders, Raquel Varela, historiadora no Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa, contactada pelo JPN, considera que “certamente não vai haver nenhuma coligação que inclua a extrema-direita”, relativizando a probabilidade. A coordenadora de um projeto no Instituto Internacional de História Social em Amsterdão não acredita que a Casa Real validasse uma coligação com a extrema-direita.
Já André Freire, professor do ISCTE-IUL, diz que “a dúvida é sobre os parceiros de coligação, pois espera-se que o partido socialista, parceiro dos liberais de direita do VVD, seja severamente penalizado. Está também em dúvida se o VVD faz ou não aliança com a direita radical, ou se pelo contrário, há uma substituição de parceiro e uma solução mais alinhada à esquerda do tipo liberais de esquerda do d66 e outros.”
À direita do VVD, o diálogo parece uma impossibilidade, dado que o Mark Rutte, já recusou, por várias vezes, a possibilidade de vir a criar uma coligação com Geert Wilders.
Artigo editado por Filipa Silva