“Noite de Outono” é a primeira peça de uma tetralogia do encenador Luís Mestre. São quatro “noites”, uma para cada estação do ano, a iniciar no outono por ser a estação preferida do dramaturgo. Caracteriza-se por uma fase descendente, com perda de faculdades criativas e físicas, como no caso de um dos protagonistas interpretado por António Durães.

Um artista frustrado

Trata-se de um artista “que se vê encurralado”, conta Luís Mestre. “Não o contratam e tenta ensaiar” com uma rapariga que se revela como uma companhia. Num dia em que o artista vem do mercado, “ela entra para comer e a conversa desenrola-se”. “Ela cria um arquivo do tempo que passa com ele. Cria-se um testemunho da fase final da vida do artista”, explica ainda o encenador à margem do ensaio de imprensa.

A personagem de Ana Moreira, “uma pessoa também com várias camadas e também algo complicada”, mantém uma relação crescente de proximidade com o artista. Uma relação mais intensa do que se poderia pensar.

Luís Mestre aponta como fator interessante da produção o facto de que, “mudando a ordem dos fragmentos é possível mudar a história”, tornando a narrativa bastante dinâmica. Salienta ainda o próprio cenário acumulador, reflexo do espaço mental do artista, caracterizado pelo caos e pela desorganização.

A acumulação de artigos no cenário ilustra a confusão que vai na cabeça da personagem masculina. FOTO: José Miguel Soares

“Sou um sortudo”

Luís Mestre considera-se um “sortudo” pelo que faz e pela possibilidade que teve de trabalhar com dois grandes atores que foram importantes para a construção da peça: “Estou sempre a trabalhar com o Durães. Para além da amizade, existe respeito e cumplicidade. Já queria trabalhar com a Ana há muito tempo”. Conta ainda que mandou-lhes “um excerto e eles aceitaram. A partir daí o texto foi escrito para eles, para aquele corpo, aquela voz. Eles entraram um bocadinho às cegas”, brincou.

“É preciso fazer uma revolução”

António Durães, um dos protagonistas da peça, salienta a dificuldade de fazer teatro em Portugal: “montar um espectáculo de teatro é uma coisa extremamente laboriosa”. Destaca a ausência de condições, de apoio aos artistas falando mesmo em “escravização completa de algumas pessoas”.

Quanto à peça em questão, considera-a um “espetáculo muito próximo do espectador” e cita Isabel de Castro, que dizia que o que mais gostava no teatro era estar quase sentada ao colo do espectador da primeira fila.

Durães identifica-se com a personagem a que dá vida. Farto e cansado da vida teatral, perplexo perante a profissão. “É muito difícil fazer teatro. A motivação para continuar é porque se calhar não sei fazer mais nada”. Refere que um artista acaba sempre por estar muito apaixonado pelo que faz.

Questionado acerca do que fazer para melhorar o teatro em Portugal, Durães não é de meias medidas: “É preciso fazer uma revolução”.

Em 2019, Luís Mestre pretende estrear a “Noite de Primavera”. Garante não ter nada a ver com a do outono e pensa em gente jovem para centrar a história. Quanto à “obsessão” pela noite, presente no título de várias das suas peças, diz ser apreciador do noturno devido ao ambiente diferente e ao tom confessional nas horas de madrugada.

“Noite de Outono” está no Teatro Rivoli esta quinta-feira e sexta-feira pelas 21h30 e este sábado pelas 19h00. Os bilhetes custam 5 euros.

Artigo editado por Filipa Silva