Falta de pessoal, processos que não avançam, pouco espaço e condições degradantes. É assim um pouco por todo o país, incluindo na comarca do Porto. O JPN foi ver como é o dia a dia de dois tribunais do Grande Porto.

Para o juiz presidente da Comarca do Porto, as dificuldades resumem-se em duas expressões: “falta de pessoal e falta de instalações”. Rodrigues Cunha está em consonância com o que é revelado no relatório de atividades do ano judicial 2015/16, que denuncia falta de condições de várias ordens nos tribunais portugueses.

A Comarca do Porto tem tribunais sediados em nove municípios: Gondomar, Maia, Matosinhos, Porto, Póvoa de Varzim, Santo Tirso, Valongo, Vila do Conde e Vila Nova de Gaia. Nas diversas localidades, as instalações “são insuficientes, e muitas delas inadequadas, para que os diversos tribunais possam funcionar devidamente”, explica o juiz presidente ao JPN.

Para além da falta de espaço, de pessoal e das condições degradantes – “há tribunais onde chove” –, o juiz dá conta de outra realidade: o uso de bens próprios no serviço da comarca: “Eu tive de utilizar o meu telemóvel pessoal durante muito tempo porque não chegaram os telemóveis de serviço. Eu tenho de utilizar, com muita frequência, o meu veículo automóvel, porque os veículos da comarca são muito antigos e, a maior parte das vezes, estão avariados”.

Entre os tribunais da comarca, Rodrigues Cunha diz que os de Comércio e de Execução são os mais afetados no que toca à falta de espaço e pessoal. O Tribunal de Comércio de Gaia não é exceção.

“Os processos vão para as prateleiras e dificilmente saem de lá”

Encaixado num apartamento, é difícil perceber onde fica o Tribunal de Comércio de Gaia. Com uma entrada e átrio aparentemente pequenos, a dimensão do edifício não reflete a quantidade de processos amontoados nos três juízos que alberga.

O principal trabalho do tribunal está relacionado com as insolvências. Até 2014, tratava de insolvências coletivas de nove municípios do distrito do Porto. Com o novo mapa judiciário de 2014, o número de cidades diminuiu para duas (Porto e Gaia), mas voltaram a ser incluídas insolvências de pessoas singulares.

Margarida Santos é secretária do Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia desde 2014. Todas as suas preocupações giram em volta de uma só realidade: “há falta de gente”.

“Nunca vi atrasos como os que vi aqui”, conta Margarida Santos.

Ao percorrer os três juízos, essa realidade torna-se mais palpável através das colunas de processos que crescem nas salas. As estantes estão a abarrotar e ocupam todas as paredes e janelas. Nas secretárias, há muralhas de papel a separar os funcionários.

Atualmente, o tribunal tem mais de 15.800 processos pendentes. Alguns deles datam dos anos 90: “São processos cuja natureza é urgente, em todas as suas fases, e nós não temos como responder a isso, porque a trabalhar no cumprimento processual temos sete pessoas. As outras pessoas estão distribuídas entre o apoio nas deligências, na arrumação dos processos”, explica a secretária. Pelo menos mais seis pessoas a trabalhar com os depachos eram necessárias, assegura.

Desde que foi a nova implementação do mapa judiciário, em 2014, Margarida Santos tentou identificar qual era “o cancro” do tribunal: “Os processos entram, avançam muito rapidamente até uma determinada fase – até à Assembleia de Credores – e depois param. Os prazos não conseguem ser cumpridos, porque não há como movimentar os processos. Vão para as prateleiras e dificilmente saem de lá. As pessoas só conseguem trabalhar no que está a entrar todos os dias”. “Nunca vi atrasos como os que vi aqui”, conta Margarida Santos.

Os trabalhadores estão desanimados. Porque não conseguem ver o fruto do seu trabalho e pelas más condições. Queixam-se da falta de luz natural, espaço e ventilação.

Os problemas no edifício são vários. Para além da evidente falta de espaço no arquivo, há humidade e cheiro a mofo nas salas de audiência e buracos no interior dos gabinetes dos magistrados, por onde cai chuva.

“Tenho de decidir entre o estuque a cair daqui ou a chuva a cair dali”, conta uma procuradora do tribunal. “Houve um fim de semana em que não me apercebi que ia chover, então não deixei o balde [debaixo de um dos buracos]. E quando cheguei aqui tinha um lago no meio do gabinete”, conta.

Mas para Margarida Santos, o que a preocupa é mesmo falta de pessoal numa “máquina que não está oleada”: “Quem dá dignidade aos lugares são as pessoas, não os edifícios”.

Um tribunal “acolhedor”, mas com falhas na segurança

O Tribunal de Família e Menores de Matosinhos também não é fácil de encontrar. Localizado num edifício da Praceta D. Nuno Álvares Pereira, sem qualquer identificação, é preciso perguntar às pessoas na praça onde fica.

O juiz presidente Rodrigues Cunha aponta o tribunal como um dos piores ao nível de condições: “Um tribunal não pode funcionar assim, num bloco habitacional. Mesmo ao nível de segurança, não pode ser. As partes têm de esperar todas na mesma sala e não faz sentido. Só há uma sala de audiências para quatro juízes e não há uma sala preparada para ouvir os menores, própria para isso”, explica.

Atualmente, o tribunal lida com os casos provenientes de Maia e Matosinhos.

Por sua parte, o escrivão Manuel Pereira diz não ter muitas razões de queixa. Não há falta de pessoal ou grande pendência de processos e os gabinetes dos magistrados “são impecáveis”. A maior parte dos funcionários está feliz por estar num edifício separado da Comarca, garante o escrivão.

“Para as crianças, nem é mau, porque nem pensam que estão num tribunal. Aqui há tempos, queriam-nos pôr num sítio perto das celas dos presos. As magistradas não concordaram, não cabe na cabeça de ninguém”, explica. O escrivão acha que faz sentido que este tipo de tribunais esteja distanciado dos outros, para “não assustar as crianças” e propiciar um ambiente “mais acolhedor”.

Mas as coisas nem sempre funcionaram bem: “Em 2014, quando recebemos sete mil processos do Porto, isto aqui ficou um caos, porque não tínhamos espaço. Mas já lá vão três anos e conseguimos acabar com os processos”.

Quando questionado acerca dos defeitos do edifício, diz que as secções e o arquivo deveriam ser maiores. O ar condicionado também é um problema: “Isto não foi feito para tribunal, foi feito para escritórios. A instalação elétrica não está preparada para ter seis computadores, mais um aquecedor… Se ligar o aquecedor, as fichas queimam. A única coisa que falta aqui é o ar condicionado”.

Investimento na Comarca do Porto

O juiz presidente da Comarca do Porto, Rodrigues Cunha, explicou que, apesar dos anúncios do Ministério da Justiça, ainda não houve nenhum investimento na Comarca do Porto­: “Previam-se obras, que ficaram sem efeito, designadamente a construção de uma mega-sala de julgamentos, à semelhança do que acontece em Lisboa. Estava prevista a sua construção já a partir de dezembro do ano passado, no Convento de Sta. Clara de Vila do Conde. Entretanto, o Estado decidiu entregar a privados um edifício que estava destinado aos tribunais e ficámos sem saber o que vai ocorrer nos próximos tempos”.

Artigo editado por Filipa Silva