O auditório 631 da FEP encheu-se para ouvir a apresentação do mais recente country report sobre Portugal. Catarina Dantas Machado, conselheira da Representação da Comissão Europeia em território nacional, explicou as conclusões do relatório. A avaliação global é a de um progresso limitado, com melhorias, mas sem que os principais desequilíbrios estruturais do país tenham sido resolvidos.

A data de apresentação do documento não é inocente. Está entre Fevereiro, data da publicação inicial do country report, e Maio, mês em que serão anunciadas as recomendações para 2017. É o momento adequado para a Comissão Europeia se abrir a um diálogo com o público, numa discussão que pode vir a influenciar as recomendações a publicar.

O que é o relatório do Semestre Europeu?

O relatório elaborado pela Comissão Europeia surge no âmbito do projeto Semestre Europeu, implantado em 2010 num esforço para coordenar as políticas económicas dos vários estados-membros.  O documento de 2017 avalia o cumprimento das reformas sugeridas no ano anterior, e que caminhos ainda há a percorrer.

Para Catarina Dantas Machado, a situação “não é famosa”.

Portugal recebeu cinco country specific recomendations em 2016. Um número elevado, partilhado apenas com estados com debilidades económicas igualmente desafiantes. A generalidade dos países não tem mais de três. Casos excecionais, como a Suécia, têm apenas uma.

As principais questões do público foram para uma eventual incompatibilidade de algumas recomendações. Ou seja, para a impossibilidade de cumprir cumulativamente dois dos objetivos apontados. Catarina Dantas Machado confirmou que não existia uma hierarquia de diretrizes. A conselheira da Representação da Comissão Europeia em Portugal reconheceu também a natureza qualitativa de muitas das recomendações, que levava à necessidade de “quantificar uma coisa que não pode ser quantificada”.

Ao todo, 47% das recomendações a Portugal teve “algum progresso”. Foi identificado “progresso limitado” em 40% e só em 7% não se registou “nenhum progresso”. Não houve qualquer recomendação com progresso substancial ou execução total. Uma situação que não é, nas palavras de Catarina Dantas Machado, “famosa”.

CR1 – Finanças Públicas e Endividamento:

A primeira diretriz diz respeito a questões de finanças públicas e endividamento. É a recomendação que Catarina Dantas Machado considera comum a “mais ou menos todos os países”. Em Portugal, pedia reexame da despesa e controlo da divida pública, bem como uma maior sustentabilidade do sistema de saúde e do de pensões.

O parecer da comissão é de que houve “progressos limitados” na área. Há algum avanço na avaliação da despesa e na sustentabilidade do sistema de saúde, mas dificuldades em tornar o sistema de pensões menos dependente de transferência orçamentais.

O destaque vai também para a falta de progresso na restruturação da dívida das empresas públicas. Nas palavras de Catarina Dantas Machado, “pouco ou nada foi feito”.

CR2 – Mercado de trabalho e política salarial:

Em 2016, a comissão europeia recomendava uma concertação do salário mínimo que promovesse o emprego e a competitividade. Neste campo, vê progressos “muito limitados” e levanta preocupações acerca da subida da remuneração dos trabalhadores.

Embora reconheça os possíveis impactos positivos das medidas do governo na redução dos níveis de pobreza, a comissão teme que a subida também possa afetar a competitividade e os níveis de emprego.

CR3 – Políticas ativas de emprego:

O desemprego estrutural, a par da segmentação do mercado de trabalho e do excesso de contratos temporários foram o foco das recomendações de 2016. A Comissão pedia uma maior coordenação entre os serviços sociais e de emprego de modo a resolver o problema do desemprego estrutural, bem como maiores incentivos aos contratos permanentes.

Nesta área, a conselheira da Representação da Comissão Europeia em Portugal reconhece “desenvolvimentos favoráveis”. O relatório fala de uma promoção da contratação por tempo indeterminado, mas classifica como “limitado” o progresso na coordenação entre serviços.

A taxa de desemprego está agora nos 10,5%. Mas os níveis de desemprego jovem e de longa duração continuam a ser dos mais altos da Europa. Um quarto dos trabalhadores jovens não tem emprego, e metade do total de desempregados está sem trabalho há mais de um ano. Ainda assim, a comissão espera que a descida no desempego se mantenha, e que a taxa atinga os 9% em 2018.

CR4 – Setor Financeiro:

No setor bancário, os progressos não foram mais do que “limitados”. As recomendações do ano anterior iam no sentido de controlar as contas das instituições e resolver os altos níveis de crédito malparado. Melhorar o acesso das pequenas empresas a financiamento era, também, umas das prioridades.

Foi na questão do crédito malparado que se registou o maior falhanço. Segundo a comissão, o ratio continua a aumentar e está nos 20,1%, cinco pontos percentuais acima do registado no final de 2015. Um valor ultrapassado apenas pelo Chipre e pela Grécia. A maioria destes empréstimos estão concentrados nas empresas, particularmente em setores afetados pela crise, como a construção. É neste aspeto que a comissão europeia encontra uma “diferença de opinião” com o Banco de Portugal, que defende que a situação se estabilizou.

Os progressos estão na área de financiamento de startups – de que é exemplo o Programa Semente reconhecidos pela própria Cristina Machado. Já na área das PME’s, a conselheira diz que se tratou de “baralhar e voltar a dar”.

CR5 – Contratação Pública:

Em quinto lugar, a Comissão pedia uma maior eficácia e transparência nas parcerias público-privadas.

Há “algum progresso” neste campo, com uma maior eficiência do Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção (IMPIC). É na lentidão dos processos e no excesso de barreiras burocráticas que se continuam a registar os principais problemas.

Uma Europa com “pouca vontade” de se reformular

Não é só em Portugal que a proporção de cumprimento das recomendações não é animadora. Catarina Dantas Machado afirma que também o Banco Central Europeu tem notado uma deterioração neste aspeto, e uma “perda de momentum” da reformulação na Europa.

A conselheira da Representação da Comissão Europeia em Portugal defende que foi feito um esforço para reduzir o número de recomendações em 2016 face ao ano anterior, de modo a dar espaço aos Estados para se concentrarem em preocupações económicas e sociais mais urgentes. Houve menos recomendações e, mesmo assim, menos cumprimento. “Há pouca vontade de reformular na Europa”, alerta Dantas Machado.

Artigo editado por Filipa Silva