A imigração tem dominado a discussão sobre a saída do Reino Unido da União Europeia. O JPN falou com cinco portugueses. Quatro residem em solo britânico, outro está a caminho. Em todos os casos, partilham a incerteza do que aí vem.
São portugueses e mudaram-se para o Reino Unido para trabalhar ou estudar. Levaram na bagagem a esperança de oportunidades que Portugal não lhes oferecia. Agora, temem que o Brexit mude a sua vida no país que os acolheu.
A entrega da carta formal para a saída do Reino Unido da União Europeia (UE) foi feita esta quarta-feira, depois de 52% dos britânicos votarem pelo “Leave”, no referendo de junho de 2016. As negociações vão ser feitas nos próximos dois anos. Na mão de quem as discute, pode estar o destino de muitos imigrantes europeus. Para os portugueses que residem em terras de sua majestade, a incerteza do que vai acontecer a seguir é um desafio.
Mónica Isabel, 29 anos, foi para Londres em 2010, depois de terminar o curso de enfermagem. O processo de mudança “foi relativamente fácil”, com a ajuda de agências especializadas em recrutar profissionais de saúde para o estrangeiro. Para os que têm planos de se mudar no futuro, o procedimento pode vir a ser mais complicado.
As consequências da saída do Reino Unido do espaço comunitário, algo que muitos não acreditavam que fosse acontecer, são “uma incerteza que se vai manter” até o processo estar concluído. “Ainda não está claro para mim o que vai acontecer a nível de economia, política e imigração”, explica a enfermeira ao JPN.
Mónica não pretende sair do Reino Unido, mas há quem já pondere essa opção. Para Gualter Macedo, 50 anos, residente em Bedford há uma década, voltar a Portugal é uma questão que está em cima da mesa. “Estou em negociações. Se a empresa aceitar, regressarei para os escritórios no Porto”, conta. Natural de Vila do Conde, este analista de sistemas informáticos confessa que o triunfo do “Leave” trouxe responsabilidades acrescidas. “Estou mais atento às notícias. Quase todas as empresas que têm funcionários europeus estão a trabalhar em conjunto com eles, para confirmar que nenhum será afetado pela saída”, refere.
Gualter fala também em “laivos de racismo”, como a primeira consequência que se sentiu depois dos britânicos quererem abandonar a UE. Segundo o Ministério da Administração Interna britânico, os crimes de ódio no Reino Unido verificaram uma subida depois do referendo. Os cidadãos europeus foram um dos alvos. “Chauvinismo, euroceticismo, racismo, tudo em ismo. Para eles, só eles os são. Creio que todos os europeus perdem com isso, e com o tempo todos os ingleses também. O pior ainda está para vir”, acrescenta.
“Um claro tiro no escuro de gente que não sabe para onde vai”.
A vitória da saída do espaço comunitário, afirma Mónica, aconteceu por três motivos: a falta de informação sobre os benefícios de ficar na União Europeia, a opinião da população inglesa sobre os imigrantes e as falsas notícias sobre a quantidade de dinheiro que estava a ser paga à UE, que “poderia ser investida nos sistemas públicos”.
Já Gualter considera o Brexit como “um claro tiro no escuro de gente que não sabe para onde vai”. O que pode acontecer com a saída? “Estes que cá estão [trabalhadores estrangeiros] trouxeram a indústria automóvel, e provavelmente vão sair com ela. Os próximos simplesmente não virão, o desemprego vai enviar muita gente de volta para a Europa, e fazer com que muitos não se atrevam a vir”, considera.
Carlos Eduardo, 20 anos, aterrou em solo britânico há três. Vê a decisão como uma consequência “da política de cariz ultraliberal que tem sido implementada por todos os estados-membros” e do estigma em relação à livre circulação de pessoas. O estudante do Imperial College London fala numa “leviandade e falta de rigor que se fez sentir em muita da discussão acerca do Brexit”. E acredita que os impactos vindouros dependem muito do espírito negocial entre Bruxelas e Londres.
Nevoeiro pouco atrativo
O Reino Unido sempre foi uma porta de entrada para investigadores de todo o mundo, tendo a maior percentagem – 38% – de licenciados entre os principais destinos de emigração na Europa. Com o Brexit, o medo é que se transforme numa porta de saída.
Carlos afirma nunca ter sentido que não era bem-vindo. Até porque reside na capital, onde “a maioria votou pela permanência do Reino Unido na União Europeia”. De facto, Londres foi a única região do território inglês a votar “Remain”, com 59,9% dos votos. Todos as outras (East Midlands, East of England, North West, North East, South West, South East, Yorkshire and the Humber e West Midlands) escolheram sair, acentuando as diferenças entre o centro e a periferia.
Mesmo assim, o jovem de 20 anos tem receios partilhados com muitos dos estudantes estrangeiros no Reino Unido. “Até ao momento, estudantes oriundos de uma região integrante da União Europeia, sempre beneficiaram de propinas de um valor igual a estudantes britânicos. Há uma preocupação acerca do valor a ser implementado, após a consagração do Brexit”, sustenta.
A apreensão é partilhada pela Portuguese Association of Researchers and Students in The UK (PARSUK). “A possível falta de financiamento europeu e alteração do valor das propinas depois da saída do Reino Unido são causas de preocupação, para além das possíveis ramificações legais”, resume. Em declarações ao JPN, a instituição explica que o direito à permanência no país pode ser afetado, “implicando a saída de muitos cidadãos portugueses e das suas famílias”.
Na iminência está a queda do volume e qualidade da investigação científica das universidades britânicas, antevê a PARSUK. Por isso, algumas universidades e centros de investigação já criaram grupos para discutir as possíveis consequências da saída do Reino Unido, bem como gabinetes de apoio e aconselhamento para os trabalhadores e estudantes.
Afonso Rebelo vive há cinco anos em Londres. Está atualmente a fazer o doutoramento, também no Imperial College London e fala de uma “menor atratividade do país para investidores e agentes económicos”. Os postos de trabalho poderão ser deslocalizados para outros países da União Europeia e o próprio projeto europeu pode ser redimensionado. Tudo isto são consequências possíveis, no meio do nevoeiro que paira em terras britânicas.
Para o estudante, há uma “camada importante da população britânica” que se sente ignorada pelos centros de poder, devido à falta de respostas às condições que os centros de produção industrial oferecem. Há uma preocupação da “working class britânica” sobre o futuro e a falta de estabilidade. “Esta genuína ansiedade aliou-se a um discurso populista crescente que culpa os imigrantes pela pressão laboral e por custos excessivos no estado social”, acrescenta.
“Foi sempre o meu país de eleição. Esta decisão poderia alterar os meus planos”
A dúvida e o medo estão também nos que planeiam ir viver para o Reino Unido nos próximos anos. Segundo os dados do Observatório da Emigração (OE), em 2015 estavam registados cerca de 140 mil portugueses emigrados no Reino Unido, o terceiro país da Europa onde residem mais portugueses. O número tem aumentado consecutivamente desde 2010, embora o número de entradas tenha baixado no ano do referendo.
Andreia Manarte, 21 anos, licenciou-se em Línguas, Literaturas e Culturas na Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP). Parte para o Reino Unido no próximo mês, para trabalhar no país, carregada com mais dúvidas que certezas. À distância, é difícil enumerar as consequências que o Brexit lhe pode trazer. Arrisca, no entanto, sugerir que “as pequenas coisas serão as mais afetadas e, muito provavelmente, aquelas em que se irá notar uma diferença quase imediata”.
A mudança para as ilhas britânicas tinha tudo para ser tranquila. Só que a saída do Reino Unido apressou o processo e criou dúvidas onde jamais seriam expectáveis. “O Reino Unido foi sempre o meu país de eleição para viver e esta decisão poderia alterar os meus planos”, assume a jovem gaiense.
Acima de tudo, o que preocupa Andreia é “ser considerada apenas mais uma imigrante que optou por se ‘infiltrar’ no país enquanto ainda podia”. Em terras de sua majestade, a desconfiança é o prato do dia. As desigualdades entre nativos ingleses e cidadãos estrangeiros prometem ser apenas o começo de uma ementa algo incerta.
Artigo editado por Filipa Silva