O Equador é chamado às urnas pela segunda vez, este domingo, para decidir se quer continuar a Revolución Ciudadana ou mudar de rumo. O JPN falou com estudantes e especialistas acerca do futuro do país.

Foi por pouco que Lenín Moreno não assegurou o lugar da presidência na primeira volta, a 19 de fevereiro. O candidato do Governo obteve 39,36% dos votos contra Lasso, que obteve 28,09%. Mas era preciso chegar aos 40%, e com uma margem de pelo menos dez pontos percentuais de vantagem, para evitar uma segunda votação.

Neste domingo, 12.8 milhões de equatorianos voltam às urnas para escolher entre o atual vice-presidente Lenín Moreno (Alianza País) e o ex-banqueiro Guillermo Lasso (Movimiento CREO).

Moreno representa uma continuidade do projeto da “Revolución Ciudadana” (“Revolução Cidadã”), encetada pelo atual presidente Rafael Correa, que usa como bandeiras de campanha a integração das minorias e erradicação da pobreza. Lasso representa uma mudança à direita.

Alfonso de Ponce, estudante de Direito. Vive em Espanha. Não vai ao Equador desde 2013.

Andrés Malamud, professor no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Investiga sobre a democratização na América Latina.

Santiago Paredes, estudante de Ciência Política. Vive no Equador.

Sebastián Reguero, professor de Ciência Política. Vive no Equador.

Correa: os dois lados da medalha

Para o jovem equatoriano Santiago Paredes, a “Revolución Ciudadana” teve um impacto positivo: “reduziu a pobreza, promoveu o desenvolvimento humano e a inclusão dos grupos minoritários no Equador”.

Andres Malamud, professor do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, concorda: “Independentemente do pendor ideológico, a gestão de Correa conseguiu dar ao Equador o que lhe faltava fazia anos: estabilidade política”.

No entanto, após dez anos de presidência, a popularidade de Rafael Correa está em queda. De acordo com uma sondagem das empresas Cedatos e Gallup, publicada em Dezembro, apenas 35% dos eleitores apoiam o presidente. O socialista perdeu apoio do votantes após escândalos de corrupção e medidas económicas pouco populares.

Sebastián Reguero explica que Correa “impôs salvaguardas, modificou subsídios por decreto executivo e construiu instituições públicas que provavelmente nem são necessárias”. “Após o terramoto [que ocorreu em abril do ano passado], Correa aumentou o IVA de 12% para 14%. Estas ações tocaram os bolsos dos cidadãos vezes sem conta”, explica.

“No Equador, tudo é populismo e personalismo”

“É inevitável que se mencione a corrupção”, acrescenta, ainda, o professor de Ciência Política, relembrando os casos de Odebrecht, Pativideos e CAPAYALeaks. “As autoridades deste Governo estão presumidamente a desviar fundos públicos, a usar a sua influência política para benefício próprio. As pessoas estão fartas de ler, ouvir, especular acerca da existência de corrupção neste país. No Facebook, uma mensagem viral na semana passada continha mais de 100 casos de corrupção a acusar membros do Governo”, conta Sebastián.

Alfonso de Ponce traz outra realidade à discussão: “No Equador, temos uma maneira diferente de ver a política. Tudo é populismo e personalismo. Muitas pessoas estão descontentes com Correa pelo seu modo de fazer coisas e falar”.

O estudante que vive em Pamplona, Espanha, desde 2013 está preocupado com a dívida pública equatoriana: “Tudo que Correa investiu na educação, indústria e saúde deve-se ao investimento chinês. E esse tipo de opções são perigosas para qualquer país da América Latina. É verdade que eliminou quase toda a dívida quando começou o seu primeiro mandato presidencial, mas nos seus anos de trabalho, os gastos públicos cresceram demais”.

Durante a última década, Correa apostou no investimento público e no reforço das prestações sociais, mas a queda do preço do petróleo – que representa metade das exportações – colidiu com os projetos do Governo.

“Não podemos continuar a depender da gasolina, da agricultura e da quantidade absurda de impostos”

Sebastián Reguero revela que o valor da despesa pública triplicou desde que o atual presidente assumiu o cargo: “Correa entrou em funções em 2007 e ofereceu empregos, melhores condições de trabalho e ausência de discriminação para qualquer grupo social. Mas Correa e o seu partido político fizeram com que a economia do Equador se tornasse demasiado dependente da despesa pública”.

Alfonso diz, ainda, que é preciso mudar o sistema económico: “Não podemos continuar a depender da gasolina, da agricultura e da quantidade absurda de impostos. É verdade que o atual governo lançou uma enorme campanha pró-turismo ‘All You Need Is Ecuador’, mas não foi suficiente”.

O vice-presidente do Equador Lenín Moreno (à esquerda) e o atual presidente Rafael Correa (à direita). Foto: Presidencia de la República del Ecuador/Flickr

Para Santiago, o maior problema do país é o desemprego: “Devido aos elevados salários mínimos – o Equador tem um dos mais elevados salários mínimos na região latino-americana – os proprietários das empresas estão a demitir funcionários. Agora é mais difícil conseguir um emprego”, explica.

No entanto, Andrés Malamud não acha que 35% seja uma percentagem “assim tão baixa na América Latina, onde todos os presidentes estão sob pressão”. O professor do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa acredita, aliás, que “depois de dez anos de gestão e uma grande crise económica, até é [uma percentagem] bastante boa”.

Moreno ou Lasso: continuidade ou mudança

Entre os quatro entrevistados, a opinião é unânime: se Moreno vencer, pouco vai mudar. “Vai continuar com a mesma estratégia de comunicação política de Correa e manter um nível alto de investimento social”, explica o professor Sebástian. “A ‘Revolución Ciudadana’ continuará pelo mesmo caminho iniciado por Correa. É como Nicolás Maduro [presidente da Venezuela] e o chavismo”, conta Alfonso.

Por outro lado, Lasso promete reduzir os impostos, fomentar a criação de emprego, reduzir gastos governamentais e deixar de dar abrigo ao fundador do Wikileaks, Julian Assange, na embaixada do Equador, em Londres.

Caso o candidato conservador vença, a estabilidade política estará comprometida, explica Santiago: “A Alianza País tem mais de 70 assentos na Assembleia Nacional e o CREO, o partido do Lasso, tem cerca de 30 assentos. Isso significa que Lasso teria que trabalhar com decretos executivos e o processo de negociação na assembeleia seria muito difícil para o presidente e para o seu partido”. O estudante compara a situação à de Mauricio Macri, como presidente da Argentina.

Guillermo Lasso é fundador e presidente do partido liberal democrata “Movimento CREO”. É a segunda vez que concorre à presidência equatoriana. Foto: Guillermo Lasso/Flickr

A possibilidade de Lasso se tornar presidente preocupa Alfonso: “Durante vários anos, os habitantes mais desfavorecidos foram esquecidos pelos governos. Todo o dinheiro desapareceu e agora – com Correa – conquistamos muitos direitos esquecidos, como educação gratuita, saúde e talvez um pouco de cultura. Antes, nós estávamos a viver na merda”.

“Se Guillermo Lasso ganhar, vai reduzir o tamanho do Governo, alimentar investimento estrangeiro e dedicar muita mais atenção ao setor privado do que ao público. Vai produzir mudanças reais nas políticas do Equador, nem todas positivas. Seguramente, o seu gabinete vai ser contra as mudanças impostas ao nível de inclusão social – uma das conquistas dos dez anos de  Rafael Correa no poder”, acrescenta o professor equatoriano.

E o Assange?

A expulsão de Julian Assange da embaixada do Equador em Londres é uma das bandeiras de campanha de Lasso. “É um argumento muito utilizado pela oposição para criticar o Governo”, explica Alfonso. O futuro do fundador da Wikileaks pode estar comprometido, tendo em conta o resultado das eleições deste domingo.

No entanto, Sebastián desconfia: “Pode ser contraproducente se Lasso não examinar muito bem as restrições internacionais. Ele prometeu, por diversas vezes, que quando ele tomar funções, vai remover Julian Assange da embaixada do país no Reino Unido. No entanto, quando atingir o poder, Lasso talvez mude de perspetiva. É fácil fazer promessas em campanha, mas uma vez no poder, o processo de tomada de decisões muda”.

A América Latina caminha para a direita?

“Para mim, mais do que uma tendência da América Latina, é uma tendência mundial”, explica Sabastián acerca da viragem política que tem ocorrido em países como Argentina e Brasil. “Se analisarmos as políticas da região: o Equador será o quarto país a mudar da esqurda para a direita; talvez o Chile seja o quinto. Na região, estamos a ver que os governos de direita estão a ganhar, mas não como os anteriores governos de esquerda que tinham o poder todo nas suas mãos”.

“Estas mudanças não são necessariamente boas. Conseguem copiar o Governo de Macri: todas as decisões difíceis tomadas por decreto executivo!”, conclui o professor de Ciência Política.

Artigo editado por Rita Neves Costa