Há 50 anos que os antigos orfeonistas da Universidade do Porto se juntaram. São de várias gerações e não é pouco usual descobrir o avô, o pai e o filho no mesmo grupo. Une-os o trajeto pela universidade, que “permanece para o resto da vida”.

A Associação de Antigos Orfeonistas da Universidade do Porto (AAOUP) nasceu a 17 de março de 1967, num jantar comemorativo do jubileu do Maestro Afonso Valentim. O desafio de continuar os laços criados entre os membros do grupo e dar apoio ao Orfeão Universitário do Porto foi feito e aceite. Cinquenta anos depois, a maior parte dos criadores, conta Miguel Lello, presidente da direção, “ainda anda nestes corredores”.

Aqui o palco tem espaço para todo o tipo de atividades: coro clássico, orquestra de tangos, grupo de fados, grupo de danças, grupo de pauliteiros, tuna veterana do Porto, SESSENTUNA e o grupo de jograis. O JPN assistiu ao ensaio de dois destes grupos.

“É uma autêntica festa que levamos aos sítios onde nos deslocamos”, assegura o presidente da AAOUP, que estudou na Faculdade de Economia da Universidade do Porto e tem um filho que “entrou este ano para o orfeão universitário do Porto”. Ao grupo, costumam chamar de “família orfeonista”.

Não há limite de idade e o que interessa é trazer sempre na mala a vontade e o espírito de orfeonista. Muitas vezes essa vontade costuma surgir “18 ou 20 anos depois de se ter deixado de ser estudante”. Se antes era com menos responsabilidades, agora alguns “vêm com os filhos mais pequenos”, que também assistem aos ensaios.

Um dos grupos da associação é o coro clássico, o segundo coro universitário mais antigo do país e onde se encontram muitos dos membros da AAOUP. No ensaio desta terça-feira estavam cerca de 70 pessoas, acompanhadas de três solistas. Todos eles representam grande parte da oferta formativa da Universidade do Porto.

As notas são cantadas e repetidas ao detalhe. Aquecer a voz é essencial, mas o maestro Paulo Nunes começa pela respiração. Pede descontração e silêncio. “Este exercício não permite falar, é para descontrair”, avisa, para que toda a gente se mantenha atenta.

Ao som do piano, treinam-se as primeiras notas. Uns chegam facilmente aos sons mais agudos, outros preferem os mais graves. O coro treina as músicas para a celebração dos 50 anos da associação, dia 29 de abril na Igreja do Foco. No reportório trazem a Missa da Coroação de Mozartuma das suas obras mais apreciadas.

Se não sair bem à primeira, o maestro aponta os erros e pede para tentarem de novo. Tudo para que “no dia isto esteja perfeito”. Cada vez que uma atividade do coro se aproxima, os ensaios são mais intensos e trabalhados ao detalhe.

“Para muita gente vir cantar às terças ou às quintas é reencontrar os amigos, para além de também ter o gosto de cantar e os anos de vida que o canto coral permite e dá”, sublinha Miguel Lello.

“O orfeonista atua por uma boa ceia”

As atuações da Associação de Antigos Orfeonistas são quase sempre gratuitas e beneficiam uma causa solidária. “Nós temos um rol imenso de ações solidárias que vimos fazendo ao longo dos anos e ainda hoje nos vão procurando exatamente pelas mesmas razões: para ajudar na recolha de fundos, para ajudar uma instituição, para conseguir realizar um objetivo social”, acrescenta Miguel Lello.

Desde concertos solidários para sem-abrigo a espetáculos para ajudar as obras da Igreja de Oliveira do Bairro, o grupo atua para ajudar quem mais precisa. Para o presidente as questões solidárias hoje em dia estão na moda, “mas na AAOUP não são novidade nenhuma”. “Como sempre ouvi desde que entrei nestas portas, o orfeonista atua por uma boa ceia e é um bocado esse o princípio que nós temos vindo a conservar”, sublinha.

80 anos, o mesmo tango

Do coro para o tango. Géneros diferentes que ensaiam no mesmo espaço. A Orquestra de Tangos, outro dos grupos integrantes da AAOUP, existe há mais tempo que a própria associação: 80 anos. Ao piano, junta-se o acordeão, o violino, a flauta, as guitarras, o violoncelo e duas vozes.

Também aqui há que afinar os instrumentos e treinar as músicas que com o tempo precisam de ser lembradas.  “Eu tive um professor que quando eu fazia um exercício e dizia que o resultado não estava nas soluções ele dizia-me: ‘corrige as soluções’. E agora também estou igual: corrige a música”, brinca o violinista quando se apercebe que as notas da pauta precisam de ser melhoradas.

Manuela Souto Moura é a única mulher na orquestra e vê o grupo como uma família. Enquanto observa o ensaio do primeiro cantor, comenta que cantar tango não é fácil e exige sentir a música. Quando chega à sua vez, interpreta “Duelo Criollo”, de Carlos Gardel. “Cada um canta um tango da primeira atuação e eu escolhi este para mim”, conta a cantoraO concerto de comemoração dos 80 anos vai ter como prioridade os tangos da primeira atuação que fizeram como grupo.

A orquestra de tangos já atuou na Argentina, no Uruguai e em França, mas é no Porto que vai comemorar o seu 80º aniversário. Manuela confessa gostar mais de cantar tango, mas a sua dança de eleição é a valsa. E acrescenta: “É impossível cantar uma música que não se goste”.

A ligação da associação com a universidade, o espírito e a tradição são elos a que o grupo dá muito valor. Muitas vezes são “o fio condutor de emoções ao longo dos 100 anos da universidade”. Muitos passaram por cá, outros ainda cá estão e outros ainda vão entrar. Para Miguel Lello, é importante perceber que “a universidade tem história” e essa história “tem que ter mais coisas que não só os livros, os professores, o entrar e sair das salas”.

Aprender com o passado para pensar o futuro

Também no mesmo espaço ensaia a Tuna de Veteranos da Universidade do Porto. Não são “tunos de 40 anos”, mas sim “rapazes de 20 com 20 e mais anos de experiência”. Reúnem-se às sextas-feiras, de 15 em 15 dias.

Luís Silva foi um dos primeiros convidados a integrar o grupo no início da sua formação, em 1999. Tem uma caixa repleta de memórias, mas não esquece o primeiro festival de tunas em que participou, em Múrcia, Espanha. “Foi, sem dúvida, um momento histórico porque foi o primeiro de muitas edições e depois acabamos por desenvolver uma relação muito especial com ele”, esclarece. Para ele e para outros tunos da sua geração “foi uma das fases mais inesquecíveis da tuna”. Agora, o grupo “vai religiosamente” ao festival, para participar e para revisitar amigos que têm daquele lado.

As viagens ao passado e “um saudosismo” são algo que Luís considera impossível de contornar. Pelas pessoas que conheceu e pelos momentos que passou. Mas avisa: o importante é “tratar do presente e pensar no futuro”. “O passado para nós é apenas a justificação da nossa associação existir e boa parte daquilo que nós hoje somos capazes de fazer é pela aprendizagem que nos proporcionou no passado. Devemos encarar o nosso papel de hoje na associação como aquilo para que ela existe atualmente”, conta o tuno.

E porque antes da história e do talento a fundação “é sempre baseada nas pessoas”, o grupo tenta agora chamar mais elementos e renovar a associação, para continuar a cultivar música, dança e os valores culturais que regem o Orfeão. Para Luís, é necessário “servir como referência para os orfeonistas para eles não pensarem que quando acabar o orfeão acaba tudo. Não, antes pelo contrário”.

Artigo editado por Filipa Silva