Nesta sexta-feira, o PCP e o BE vão propôr, em reunião plenária, a extinção do regime fundacional já implementado em diversas instituições de ensino superior. Atualmente, são quatro as universidades portuguesas que se regem sob este modelo: Aveiro, ISCTE-IUL, Porto, Minho e Nova de Lisboa. A Universidade do Porto foi, aliás, uma das primeiras a passar a fundação, a abril de 2009.

O regime fundacional foi introduzido nesse mesmo ano por Mariano Gago, que liderava o ministério do Ensino Superior. Manuel Heitor era, na altura, secretário de Estado do mesmo ministério. No presente mandato, já como ministro, uma das primeiras medidas de Heitor passou pela aprovação da passagem da Universidade do Minho ao modelo fundacional, em dezembro de 2015.

PCP e BE querem revogação do regime

O Partido Comunista argumenta que a passagem para o regime fundacional colocou as instituições públicas de ensino superior “na dependência de interesses que lhes são alheios” e “sujeitas à exploração económica e ao lucro privado”, privilegiando “a participação de entidades externas à instituição”, como o Conselho de Curadores, e menorizando “o papel de estudantes e funcionários”.

A proposta prevê, assim, a revogação do modelo e enquadra outras medidas como “a eliminação de limitação da contratação de pessoal docente e não docente”, “a eliminação das propinas”, “o alargamento dos apoios a nível de ação social escolar” e a “a possibilidade do ensino superior politécnico conferir o grau de doutor”.

O Bloco de Esquerda também fala na limitação da “participação dos estudantes e não docentes” imposta pelo regime fundacional. Na proposta, o partido afirma que é nas instituições de ensino superior, que adotaram o modelo, onde a precariedade mais “prolifera” e dá conta da falta de cumprimento do Estado, que introduziu “incentivos financeiros, que nunca foram transferidos para as instituições do ensino superior” que passaram a fundação.

Para além da eliminação do regime, o BE propõe, entre outras medidas, “a recuperação do princípio da paridade entre estudantes e professores na composição dos órgãos”, “a instituição do princípio da paridade na composição das listas candidatas ao Conselho Geral e ao Senado, nos termos do que a lei define, isto é, um mínimo de 33,3% de cada um dos géneros” e “que a eleição do reitor passe a ser feita por um colégio eleitoral, reforçando a participação democrática nesta escolha”.

O JPN tentou entrar em contacto com o Partido Socialista (PS) e o Partido Social Democrata (PSD), de modo a perceber qual será a orientação de voto dos partidos, mas não obteve qualquer resposta.

A “Universidade-Fundação” do Porto: Prós e contras

Num relatório de avaliação dos cinco anos de regime fundacional, a comissão conjunta do Conselho de Curadores e do Conselho Geral da Universidade do Porto concluiu que o balanço foi positivo em parâmetros como o “acréscimo de autonomia obtido” e a “simplificação das normas de funcionamento”.

Ao nível da gestão dos recursos humanos, o relatório expõe que “as contratações pelo direito privado revelaram-se muito mais simples de concretizar”. No entanto, no mesmo documento, a comissão conjunta culpabilizou o Estado por “ter alterado normas acordadas” e por “não ter entregado as verbas suplementares a que se tinha comprometido”.

A comissão criticou o papel que o Governo teve na “sujeição da U. Porto ao Código dos Contratos Públicos a partir de agosto de 2012”, e no facto da instituição passar “a ter o seu orçamento anual inscrito no Orçamento do Estado” estando, por isso, “sujeita à disciplina imposta nomeadamente para as requisições de fundos e alterações orçamentais” e “às regras da administração pública no que diz respeito à gestão financeira”.

“Deve ser garantido que a U. Porto se rege efetivamente pelo direito privado”, recomendou a comissão no relatório.

“As universidades precisam de poder contratar pessoas e, com o modelo fundacional, têm muito mais flexibilidade”

As verbas são outra questão. Em setembro de 2009, o Estado e a U. Porto celebraram um “contrato-programa plurianual para financiamento complementar da Fundação Universidade do Porto”. Este contrato tinha uma vigência de cinco anos e previa um financiamento de cem milhões de euros. A Universidade do Porto nunca recebeu este valor.

António Cunha, presidente do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas, explica ao JPN, no entanto, que estes contratos “eram adicionais ao financiamento normal que as universidades têm. Portanto, eram só uma grande vantagem adicional para as fundações, porque as fundações têm o mesmo financiamento que têm as outras universidades”.

José Carlos Marques dos Santos acredita que o “regime fundacional tem sido muito positivo para a Universidade do Porto”. O ex-reitor e atual membro do Conselho de Curadores contraria a ideia de que as universidades com regime fundacional se tenham tornado “empresas” e argumenta que estas até “estão em melhores condições para resistir ao ‘apelo’ do mercado, pela flexibilidade de gestão que têm o que permitirá gerir melhor os seus recursos e angariar mais receitas próprias”.

Em entrevista ao JPN, o professor contraria a ideia avançada pelo BE, acerca da proliferação da precariedade nestes regimes: “Um estudo feito muito recentemente para as três universidades portuguesas com regime fundacional demonstram, pelo contrário, que diminuiu a precariedade do pessoal docente e não docente”.

Regime fundacional: O que é?

Desde 2009 que o Regime Jurídico das Instituições do Ensino Superior (RJIES) prevê a possibilidade de uma instituição do ensino superior se transformar numa fundação pública com regime de direito privado. O objetivo? Conferir maior autonomia e flexibilidade às instituições públicas, aproximando a gestão das universidades à das instituições privadas.

A mudança nos órgãos de gestão das instituições é uma das alterações do regime. Na “chefia” passa a existir um Conselho de Curadores, constituído por cinco personalidades externas à universidade nomeadas pelo Governo sob proposta da instituição. Destes pode depender a última palavra em estratégias de financiamento, planos científicos ou novas contratações.

Para além disso, a gestão de recursos humanos também sofre transformações. No regime fundacional, as universidades passam a poder contratar ao abrigo do Código de Trabalho, de direito privado, e não apenas de acordo com a Lei Geral de Trabalho em Funções Públicas.

O presidente do Conselho de Reitores diz estar “totalmente de acordo” com o modelo fundacional, que mantém a “dimensão pública” da instituição, mas que lhe dá “mais autonomia para cumprir a sua missão”: “As universidades precisam de poder contratar pessoas e, com o modelo fundacional, têm muito mais flexibilidade. As contratações passam a ser processos muito mais céleres”.

António Cunha afirma que a lógica que as universidades encontram para “estarem atentas e responderem ou não a necessidades do mercado é exatamente a mesma, quer estejam no regime fundacional ou não”. “É algo a que todas as universidades estão sujeitas”, refere o presidente.

Várias repúblicas da cidade de Coimbra já se manifestaram, através das suas fachadas, contra a passagem a Fundação. Foto: Facebook da Guilhotina.info

Coimbra levantou-se contra a fundação

Em outubro do ano passado, o Conselho Geral da Universidade de Coimbra decidiu, sob proposta do Reitor, abrir o debate e iniciar uma reflexão acerca do regime fundacional.

Meses depois, a discussão continuou acesa, com a Associação Académica de Coimbra a anunciar que iria lançar uma campanha de mobilização dos estudantes contra a eventual passagem da universidade a fundação, iniciativa que decorre ainda neste mês.

O presidente da associação, Alexandre Amado, disse à Agência Lusa que o maior perigo da adoção do regime fundacional passa pela “retirada de espaço democrático”, com o cinco personalidades externas – Conselho de Curadores – a ganhar poder na tomada de decisões.

Artigo editado por Rita Neves Costa