Os estudantes têm no Queimódromo os momentos de maior euforia. Mas a festa começa antes de chegarem ao recinto. Nos autocarros vaivém, os motoristas falam em viagens de excessos, com álcool e vandalismo.

A fila para apanhar o autocarro 502 enche as paragens da Trindade, no Porto. Há pessoas amontoadas. Algumas chegam a esperar na berma do passeio. Levam com o peso da chuva, mas não se importam. Só querem garantir a entrada no autocarro vaivém da STCP, uma alternativa gratuita para chegar ao Queimódromo, em Matosinhos.

Muitos estudantes aguardam à chuva só para conseguirem um lugar no autocarro. Foto: João Pedro Sousa

O clima é de euforia. Contam-se todos os minutos para a chegada do próximo autocarro. O relógio marca as onze e meia da noite. Aproxima-se o vaivém e começa a corrida aos lugares vazios. Os empurrões assinalam a entrada na viatura, assim que as portas abrem.

Autocarro cheio, o motorista leva o pé ao acelerador. A viagem começa aos solavancos. “Às vezes venho esmagado contra o vidro”, diz Luís Rodrigues, estudante na Escola Superior de Saúde do Instituto Politécnico do Porto (IPP). Já conhece bem a imagem do percurso até ao Queimódromo.

Os empurrões marcam a entrada no vaivém. Foto: João Pedro Sousa

Há garrafas de álcool a passar de boca em boca. Outros acendem os cigarros. Nascem as primeiras nuvens de fumo. E ouvem-se os cânticos de vários cursos por todo o autocarro. Uns juntam-se à folia, outros esperam e desesperam pela chegada.

No horizonte surgem as imediações do Queimódromo. O autocarro pára e deixa os estudantes no local aguardado. Saem de rompante e despejam a cerveja enquanto correm para o recinto. Está feita mais uma entrega.

Autocarros são as vítimas da folia

O motorista prepara-se para transportar a próxima fornada de estudantes. Ao volante do autocarro 502 está Carlos Pereira. Vai estar em serviço durante a noite inteira, mas paciência não falta. Gosta do ânimo e da festa característicos da época. “Ninguém é obrigado a vir. Estou cá porque quero”, assegura.

“O convívio do pessoal é engraçado. Há situações complicadas, mas uma pessoa já vem psicologicamente preparada”, explica, antes de soltar uma gargalhada.

A experiência é boa e gratificante, adianta Carlos. Mas o motorista da STCP reconhece como, entre toda a azáfama, quem paga é o autocarro. “O pessoal vem para se divertir, só que alguns, com os seus exageros, estragam as viaturas”.

E o cenário não engana quando o veículo esvazia. O piso do autocarro enfeita-se com garrafas de vidro e cigarros. Carlos vê-se obrigado a apanhar o lixo antes de iniciar a marcha de volta para a Trindade.

“Alguns entram quase em coma alcoólico.”

Na linha 205, entre o Hospital de São João e o Queimódromo, a situação não é melhor. A meio da viagem, o condutor tenta “fazer ouvidos moucos” à gritaria. Também está ao serviço da STCP e denuncia o problema ao JPN. Mas prefere não ser identificado. Teme possíveis castigos por parte da empresa onde trabalha.

“Eu gostaria mais do serviço se houvesse bom comportamento. Eles batem aí nos vidros, forte e feio, fumam droga, embebedam-se e têm vocabulário impróprio. Alguns chegam quase em coma alcoólico. É isto a vida académica? Isto é terrível”, desabafa.

A viagem está a ser atribulada. O condutor limita-se a ver e calar. É o melhor a fazer para evitar conflitos com os estudantes. “É beber até morrer”, cantam numa só voz. Um dos jovens vomita o álcool ingerido durante o percurso. “Isto faz parte”, diz Ricardo Pinto.

Para o estudante de Gestão e Internacionalização de Empresas, “é preciso encarar a Queima com espírito de festa”. E o percurso até ao Queimódromo “é só o aquecimento”.

É também no clima de festa, que as viagens no vaivém fazem correr muita tinta nas redes sociais. Os internautas trazem o assunto à baila com humor. Chegam os famosos “memes”.

Dignidade dos estudantes em causa?

Já Sara Costa encara o evento académico com mais seriedade. A estudante de Economia rejeita a ideia de que “na Queima vale tudo”. “Há algo que tem de ser sempre respeitado. A dignidade dos estudantes. E isso não está a funcionar”, diz. Sara entrou no autocarro para “aproveitar o custo zero”. “É normal que isso aconteça para uma estudante de Economia”, ironiza.

“Somos sardinhas enlatadas.”

Mas o “custo zero” tem preço. Os autocarros abarrotam. “Somos sardinhas enlatadas”, refere Sara Costa. O motorista da linha 205 confirma. A forte adesão à Queima das Fitas vem complicar o trabalho. “Há muita gente para o número de autocarros que existem”, refere.

Muita procura, pouca oferta

Por noite, são mobilizados quatro autocarros para a linha 502 e outros quatro para a 205. São o reforço da STCP para dar resposta à elevada procura nas noites da Semana Académica. Circulam num vaivém constante. E, para manter a rapidez, são criados trajetos especiais. A possibilidade de os motoristas utilizarem a VCI é a solução encontrada.

As paragens enchem-se de estudantes em minutos. Fonte da STCP diz que, na zona do Hospital São João, a estrada já chegou a ficar obstruída. Em causa esteve o grande número de pessoas à espera dos veículos. Outra fonte da mesma instituição estima que, por hora, circulem entre os dois e os três mil estudantes nos autocarros. A maior afluência verifica-se entre a meia noite e as duas da manhã.

As viaturas têm capacidade para transportar um número que rondará as cem pessoas. Mas entram sempre mais. Ao JPN, a presidente da Federação Académica do Porto, Ana Luísa Pereira,  refere que “aumentar o número de autocarros é uma hipótese ainda a avaliar”.

A situação só estabiliza a meio da madrugada. A partir das três e meia, começam as viagens de regresso a partir de Matosinhos. Poder-se-iam imaginar viagens serenas, com o sono a pesar nos estudantes. Mas não. Muitos continuam cheios de vitamina. Estão prontos para mais uma dose de Queima das Fitas.

Artigo editado por Rita Neves Costa