Em comunicado oficial, o presidente da República do Brasil, Michel Temer (PMDB) declarou, esta quinta-feira, que não pretende renunciar ao poder. O chefe do Executivo é acusado de apoiar um esquema de compra de silêncio do ex-deputado Eduardo Cunha, preso no âmbito da operação Lava Jato e considerado uma peça fundamental das investigações.

“Não renunciarei, sei o que fiz e sei da correção dos meus atos. Exijo investigação plena e muito rápida para esclarecimentos ao povo brasileiro”, afirmou o presidente. Nesta tarde, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin, relator da Java Jato na Corte, autorizou a abertura de um inquérito para a investigação da Procuradoria-Geral da República sobre as ações do presidente.

O STF foi mais longe tendo divulgado à imprensa na noite desta quinta-feira o áudio gravado pelo dono da JBS, Joesley Batista, em que o presidente Michel Temer apoia o esquema de compra de silêncio. O sigilo sobre o arquivo foi retirado e uma cópia foi encaminhada ao Palácio do Planalto, conforme solicitado por Michel Temer.

No meio do caos político em Brasília, Temer vê o poder escapar pelas mãos. Parlamentares da base e da oposição, veículos de imprensa e analistas do mercado financeiro consideram que governo chegou ao fim. Enquanto isso, o povo brasileiro assiste à rutura do segundo presidente como se estivesse presenciando um desagradável dejá vu. Só que desta vez, ele é ainda mais amargo: se Temer cair, a sucessão presidencial é incerta.

Cenários possíveis

A queda de Michel Temer é possível em diversos cenários, sendo a renúncia o mais rápido e prático. Apesar de não querer abdicar, a pressão exponencial das investigações (e eventual liberação dos áudios em que Temer aprovará obstruir a justiça) pode fazer o presidente mudar de ideias. A decisão de se manter no poder na atual conjuntura pode levar à paralisia do governo, que incapacitado de apagar o incêndio causado pela denúncia explosiva, não conseguirá aprovar nenhuma medida pelo Parlamento.

Outra situação possível e em andamento é o afastamento de Temer por meio de um processo de impeachment por crime de responsabilidade, semelhante ao que ocorreu com Dilma Rousseff (PT) no ano passado. Pelo menos dois pedidos contra o presidente foram protocolados na Câmara dos Deputados desde a divulgação das denúncias e outros estão a caminho.

Por se tratar de um processo mais político que jurídico, a chance de Temer se salvar dependeria da sua influência na Casa. Uma vez protocolado, o pedido precisaria ser aceite por Rodrigo Maia, presidente da Câmara e aliado de Temer. Além disto, um processo de impeachment é politicamente custoso e demorado: o de Dilma Rousseff durou dez meses enquanto o de Collor, em 94, três. Em ambos os casos, os presidentes ficaram acusados e com capacidades mínimas de governança.

O julgamento da chapa [candidatura] Michel Temer e Dilma Rousseff, adiado em abril para o próximo 6 de junho, também pode levar à queda do presidente se Temer resistir até lá. Antes do escândalo, era previsto que a maioria dos ministros votariam pela absolvição da chapa, mas com as denúncias em evidência, é provável que os votos troquem de lado e favoreçam uma condenação.

O quê, como e quem vem depois?

O desagradável dejá vu brasileiro em relação à presidência do país tem um gosto mais amargo com a queda de Michel Temer. A incerteza paira em o que viria depois, como seria eleito o novo Executivo e, principalmente, como e quem poderia assumir o cargo.

A Constituição Federal brasileira dita que após a queda de Temer, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (PMDB), assuma interinamente a presidência e convoque eleições indiretas no país em até 30 dias após a vacância do cargo.

A dúvida recai em como e quem poderia se candidatar neste escrutínio. Não há regulamentação clara para eleições indiretas, visto que desde 1988 – data em que foi elaborada a Constituição – nunca antes um presidente e um vice-presidente eleitos foram afastados do cargo no mesmo mandato.

A lei mais clara sobre o assunto data de 1964 (n° 4.321/64) e estipula que o Congresso Nacional seja convocado com 48 horas de antecedência para as eleições. O pleito seria secreto e fatiado – os parlamentares votariam para o cargo de Presidente e, em seguida, para o Vice. O novos presidente e vice-presidente cumprirão mandato até o dezembro de 2018.

Apesar de especificar o processo, a lei não deixa claro quem poderia se candidatar ao cargo e se existe alguma forma de impedimento de candidaturas. Dada a incerteza, existe a possibilidade do Supremo Tribunal Federal (STF) ditar o curso do processo, assim como fez durante o impeachment de Dilma Rousseff, no ano passado.

Proposta de eleições diretas é considerada urgente

Em tramitação na Câmara dos Deputados desde o ano passado, a Proposta de Emenda à Constituição que prevê eleições diretas após vacância da presidência recebeu caráter de urgência. O texto do deputado Miro Teixeira (Rede) será votado na próxima terça-feira (23) na Comissão de Constituição e Justiça.

A proposta, no entanto, pode sofrer com interesses políticos. Ao permitir uma eleição presidencial direta fora do prazo, os partidos que ainda não se prepararam ou não definiram suas estratégias para 2018 podem ficar para trás no cenário eleitoral. Além disso, figuras conhecidas podem aproveitar-se do momento e levar os votos necessários para a eleição.

O cenário atual, apontado pela pesquisa Datafolha de abril deste ano, indica a liderança do ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva (PT) em todos os cenários possíveis com 30% dos votos. Em segundo lugar, por empate técnico, figuram a ex-senadora e ambientalista Marina Silva (Rede) e o deputado de extrema direita Jair Bolsonaro (PSC), com 13% a 16% das intenções. Outros candidatos que já sinalizaram a possibilidade de candidatura, como o prefeito de São Paulo João Doria (PSDB) e o advogado Ciro Gomes (PDT) figuram no fim da lista, com 9% e 6% dos votos.

Insegurança paira sobre país e Governo não decide próximos passos

A incerteza sobre o futuro do Brasil afetou a agenda política e económica do país. Os parlamentares afirmam que as reformas trabalhista e de previdência previstas por Michel Temer não devem voltar ao plenário tão cedo. Nesta manhã, a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) registrou uma queda de 10% e precisou travar negócios pela primeira vez desde 2008.

Antes do pronunciamento oficial desta quinta-feira (18), Michel Temer cancelou diversos compromissos e ficou enclausurado com ministros e aliados. Informações desencontradas de bastidores políticos indicavam que o presidente estaria considerando renunciar e, por isso, o atraso de uma resposta. Ao fim da tarde, Temer anunciou que permanecerá na presidência.

 

Paulo Roberto Netto foi estudante de mobilidade internacional da Universidade do Porto nos cursos de Ciências da Comunicação e Línguas e Relações Internacionais. Atualmente, é jornalista graduado pela Universidade Federal de Minas Gerais e reside em Belo Horizonte (Brasil).