Na presidência por um fio, Michel Temer (PMDB) partiu para o ataque no último fim de semana. Numa declaração à imprensa no sábado (20), o presidente do Brasil anunciou um pedido ao Supremo Tribunal Federal (STF) para suspender o inquérito aberto contra ele e clama que o áudio que prova obstrução judicial foi “manipulado”.
“Essa gravação clandestina foi manipulada e adulterada com objetivos nitidamente subterrâneos”, disse Temer. “Incluída no inquérito sem a devida e adequada averiguação, levou muitas pessoas ao engano, induzido e trouxe grave crise ao Brasil”, declarou.
As gravações já estão na posse da Polícia Federal, que realizará uma perícia para constatar se houve ou não edições. O delator Joesley Batista nega ter feito qualquer alteração e garante que entregou na íntegra a conversa. Peritos contratados pelos jornais “Folha de São Paulo” e “Estado de São Paulo”, por sua vez, afirmam ter encontrado cortes nos áudios.
Ainda na imprensa, a emissora CBN afirma que é impossível ter havido edição. A programação da emissora estava sintonizada no rádio do carro de Joesley. Nos momentos iniciais da gravação, o “Jornal da CBN” informava o horário de Brasília, 22h32, momento em que o carro do empresário entrava no Palácio do Jaburu. Na saída de Joesley, a CBN continuava sintonizada no veículo e transmitia o programa “Nos Acréscimos”, que, segundo os arquivos da emissora, começou às 23h08.
“Com isso, é possível determinar que o tempo de gravação é de 38 minutos, o tempo da conversa entre Joesley chegar e sair da casa do presidente foi de 38 minutos, e esse tempo é a íntegra do áudio divulgado na quinta-feira e que comprova que o material não teve nenhuma edição”, afirmou o locutor e jornalista da emissora Milton Jung.
A margem de dúvida sobre o áudio motivou Michel Temer a enviar uma petição ao STF exigindo a suspensão do inquérito contra ele. A ação foi enfatizada no discurso e teve como objetivo impedir, por ora, a sangria na base aliada. O Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) e o Democratas (DEM), principais bases de suporte do governo, decidiram adiar a decisão de romper com Temer até à decisão da Suprema Corte. O tribunal julga a petição na próxima quarta-feira (24).
Ordem dos Advogados decide abrir pedido de impeachment
Pela segunda vez em pouco mais de um ano, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) levará ao Congresso Nacional um pedido de impeachment de um presidente. No ano passado, a organização protocolou um processo contra Dilma Rousseff e, nesta semana, fará o mesmo contra Michel Temer. A decisão foi tomada após reunião com representantes estaduais da Ordem, que votaram por 25 a 1 pela moção de impedimento.
Segundo a comissão especial da OAB, Michel Temer cometeu crime de responsabilidade independente do áudio ter sido ou não manipulado. Ao ter consciência de ações ilícitas citadas por Joesley Batista, o presidente falhou ao não informar as autoridades, cometendo o crime de prevaricação (Artigo 319 do Código Penal Brasileiro). Além disto, Temer faltou com o decoro do cargo ao se reunir com um empresário sem registro na agenda, violando a lei 12.813/13, e prometendo favores particulares.
Durante o seu pronunciamento, Temer afirmou que as acusações não são “nada demais”.
“Confesso que o ouvi [Joesley Batista, o delator] à noite como ouço muitos políticos, trabalhadores, intelectuais. Trabalho rotineiramente até meia-noite, ou mais, e falo até com pessoas da imprensa. Muitos sabem disso porque falavam comigo por telefone ou pessoalmente. Nada demais há nisso”, disse o presidente.
Sobre as acusações de ter sido anuente com as ilegalidades ditas por Joesley, Temer falou que “não acreditou na narrativa do empresário” e, por isso, não acionou as autoridades. “Ele é um conhecido falastrão [fala-barato] exagerado”, disse.
O pedido de impeachment da OAB será protocolado pelo presidente da entidade, Cláudio Lamachia, nesta semana e se juntará a vários outros redigidos por líderes políticos do Congresso Nacional. Para se tornar uma efetiva ameaça, o pedido deverá ser aceite pelo presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (PMDB), um dos principais aliados de Temer no parlamento.
Delator viaja para Nova York e Temer acusa: “cometeu o crime perfeito”
Desde a divulgação dos áudios e do conteúdo da delação premiada que colocou a presidência de Temer em xeque, o empresário Joesley Batista viajou para Nova York com familiares. O delator afirma que enfrenta ameaças de morte à sua família e seu paradeiro atual não será revelado, conforme informa as autoridades. Durante o pronunciamento, o presidente do Brasil atacou a postura e disse que se tratou do “crime perfeito”.
“O autor do grampo está livre e solto, passeando pelas ruas de Nova York. Ele não passou um dia na cadeia, não foi preso, não foi julgado e pelo jeito não será”, criticou Temer. “Cometeu assim o ‘crime perfeito’”.
Temer também denunciou a manobra da JBS de comprar mil milhões de dólares americanos pouco antes da divulgação da denúncia que levou a um caos cambial entre o Real e a moeda americana. Além disso, a empresa também vendeu ações na Bolsa de Valores antes da explosão da delação, prevendo que as mesmas iriam desvalorizar. As duas ações, acusa Temer, trouxeram lucro à empresa apesar do escândalo.
Paulo Roberto Netto foi estudante de mobilidade internacional da Universidade do Porto nos cursos de Ciências da Comunicação e Línguas e Relações Internacionais. Atualmente, é jornalista graduado pela Universidade Federal de Minas Gerais e reside em Belo Horizonte (Brasil).