Há quem faça da rua a sua arte. Muitos artistas, de Norte a Sul, atuam das mais diversas formas. O gosto ou a necessidade dita a tendência.
A cultura não se faz apenas nos palcos tradicionais. Há muitos artistas que atuam nas ruas e fazem disso modo de vida. Dançarinos, homens-estátua, pintores, caricaturistas e músicos enchem os centros das cidades de vida e oferecem o seu talento a quem passa. Quem é esta gente? Como veio aqui parar? Os retratos de três street artists: um bailarino da Ribeira do Porto, uma banda portuense em Lisboa e um graffiter de Sesimbra.
“O meu amor pela dança é suficiente”
Cantores, bailarinos, homens-estátuas, pintores, todos eles têm o mesmo em comum, o amor pela arte. Júnior tem 23 anos e é bailarino. Natural de Guimarães, mora no Porto há cinco e atua na maior parte das vezes na Ribeira do Porto, junto ao Hotel Ribeira do Porto com outros dois bailarinos, Anabela, 26 anos e Francisco, 28 anos.
Júnior não fez o ensino superior, mas garante que o seu 12º ano é suficiente para fazer o que mais gosta: dançar. “O meu amor pela dança é suficiente”, garante. Com um estilo muito diversificado, desde o hip hop ao house, passando pelo pop, este bailarino enche as ruas do Porto e de outras cidades por onde já passou, com a emoção que transborda nos pés, nos braços e nas ancas enquanto dança ao som de alguns dos maiores hits.
Muitos artistas são autodidatas e Júnior considera fazer parte desse núcleo dos que nasceram com um dom. Seja através de vídeos do Youtube, seja a ver outros bailarinos a atuaram na rua ou em palcos tradicionais, Júnior veio a acumular e a aprender um pouco com cada um desses artistas.
A rua não é fácil para conseguir pagar contas, mas “neste momento consigo viver da dança. Danço na rua, discotecas, bares, festivais e fui bailarino do cantor Jay Low [um rapper moçambicano]”. Também por isso, Júnior considera-se um bailarino semi-profissional.
Conta também no seu currículo com a participação nos concursos de dança da “SIC” e “TVI”: “Achas que sabes Dançar?” e “Battle Crew”, respetivamente.
“Recebo elogios muito agradáveis e outros nem tanto, mas os elogios menos bons ajudam-me a crescer enquanto pessoa e enquanto bailarino”, garante Júnior, enquanto limpa o suor que lhe escorre pelo rosto.
Apesar de não se sentir discriminado, garante que, para muitos artistas, fazer da rua palco garante olhares de esguelha. “Não percebo porquê, mas é verdade que acontece. Somos todos iguais, e se formos a ver, somos capazes de ganhar mais dinheiro do que uma pessoa que trabalhe oito horas por dia num café”.
O seu maior desejo é tornar-se bailarino profissional e atuar nos maiores palcos do mundo. Entretanto, continua a dançar na Ribeira e a fazer parte da essência das ruas. É também nesse palco que os artistas se tornam eternos.
“Nós não tocamos na rua, nós oferecemos concertos na rua”
Formados em novembro no Porto, os Piratas do Cais reúnem elementos de três bandas: Triciclo Vivo, Bate e Bala e T3KA. Márcio Pinto, percussão, Miguel, bateria, Ricardo, guitarra elétrica, Maurício, tambor, e Celine, bailarina, são todos da Invicta, mas por estes dias decidiram ocupar o muito lisboeta, Terreiro do Paço, para mostrar o seu talento. Misturam o tradicional com as raízes africanas, e já atuaram em inúmeros festivais e salas de espetáculos “um pouco por toda a Europa”, afirma Maurício com um sorriso rasgado. “Adoramos tocar na rua. Porque reforçamos aquela sensação de que a vida é uma aventura”.
Podia ser necessidade, mas não é. Os Piratas do Cais contam já com três álbuns de originais, e preparam-se para lançar mais um disco, “Estamos a preparar o lançamento de mais um álbum, é muito gratificante poder fazer o que mais gostamos”, garante Márcio Pinto, porta-voz da banda, e percussionista. Apesar de alguns dos elementos da banda terem uma licenciatura, tocar na rua é muitas das vezes o plano A, e Márcio garante “é preciso saber para se poder estar na rua”.
Com uma licenciatura em Música Clássica, e prestes a terminar um Mestrado em Jazz, Márcio é um exemplo de como tocar na rua é, muitas das vezes, apenas uma opção e um gosto, “O contacto que temos com as pessoas não é o mesmo que temos num festival ou numa sala de espetáculos”, garante com um ar de satisfação. “Podia dar aulas de música, mas prefiro tocar aqui”.
Vendem alguns dos seus discos a quem passa, além de angariarem moedas, e isso ajuda-os a terem orgulho no ofício. “Nós não tocamos na rua, nós oferecemos concertos na rua”, conclui.
“Estou a conseguir viver da arte”
João Cruz, natural de Sesimbra, é um artista autodidata de 31 anos, que em conjunto com outros onze pintores requalificam as paredes de prédios velhos da vila piscatória de Sesimbra. Diz que, para ele, arte “é tudo o que me faz sentir qualquer coisa, tipo uma música, um filme, um vídeo, uma dança, é o que faz mexer comigo. Pode ser bom ou mau, mas tem sempre de mexer comigo e agradar-me visualmente, ou que me choque. Tem é de me causar uma sensação”.
Agora está a acabar um mural com uma mulher a segurar dois peixes, sobre a fachada de um edifício devoluto. É simultaneamente agradável e chocante. Arte, em suma.
Faz da rua a sua tela e o seu modo de vida. Licenciado em Pintura na Escola Superior das Belas Artes, João diz que começou quando era miúdo nos graffitis. “Lembro-me de ir com a minha avó a Lisboa e admirar as paredes e pinturas, desenhar sempre foi uma coisa que fez parte de mim”.
Neste momento, consegue viver exclusivamente do seu trabalho, o das paredes e o das telas. “Parece que em Portugal não há aquele interesse tão grande pelas artes e mesmo assim estou a conseguir viver da arte, não só com a pintura, mas também a fazer decorações de barcos e restaurantes, sempre numa onda mais artística”.
As encomendas chegam um pouco de todo o lado. “Faço imensas para montras em lojas ligadas ao surf, e estou assim envolvido em vários projetos com marcas ligadas também ao surf.” De vez em quando aparecem concursos camarários, como o que está a fazer neste momento. Ele e outros dez street artists portugueses estão a dar nova vida às paredes cinzentas e tristes de alguns prédios da Vila de Sesimbra.
A iniciativa da autarquia surgiu há quatro anos, no âmbito do concurso “Sesimbra é Peixe e Arte na Rua”, e visa a requalificação de zonas mais degradadas, acrescentando-lhes diversidade. Os artistas têm liberdade criativa, mas a maior parte opta por temas alusivos ao mar e aos pescadores. “As pessoas têm gostado imenso porque de repente está tudo pintado, mais alegre e com cor. É melhor do que estar tudo degradado ou branco”.
Os melhores elogios que recebeu até hoje começaram sempre com uma pergunta — “Onde é que vais buscar essas ideias?” João garante que essa é a “parte em que me sinto mais elogiado”. Prefere fazer pinturas muito realistas e parecidas com o original.
Também pinta a óleo em tela ou acrílico, utiliza diversos sprays, mas também gosta de tintas de parede. É um artista multifacetado, mas é na rua que se sente em casa. E lembra-se de um dos seus trabalhos preferidos demorou 15 horas a estar terminado. “Foi feita com um material usado na pesca chamado de «Star Light». É uma luz que tem uma duração de 15 horas e eu colei-a na parede”.
N.d.r. Este artigo foi escrito por estudantes do 1º ano do curso de Ciências da Comunicação e Cultura, da Universidade Lusófona de Lisboa. Trata-se do trabalho final para a cadeira de “Géneros Jornalísticos”, um trabalho iniciado em Lisboa e terminado na redação do JPN, ao abrigo da iniciativa “Alfa Pendular”.