Entre os custos diretos e adicionais no ensino superior público, um aluno gasta, por ano, cerca de 6.445 euros. O estudo, referente ao ano de 2015/2016, de Luísa Cerdeira, analisou uma amostra de 1.087 indivíduos do ensino público e privado. A investigação estabeleceu uma relação entre aquilo que um estudante gasta com as propinas (custos diretos) e com a alimentação, alojamento e transportes (custos adicionais).

Segundo a autora, para os estudantes do ensino superior que vivem longe do agregado familiar os custos adicionais são acrescidos e acabam por se revelar superiores aos encargos diretos. “Hoje em dia, é um encargo representativo quando o estudante está deslocado e, de facto, os custos de vida são superiores aos da educação”, frisou a especialista.

De acordo com o estudo, 27% dos custos (1.718 euros) são relativos a custos com a educação (propinas, taxas, livros, equipamento e material). A parcela para os custos de vida sobe consideravelmente, representando 73% do total (4.727 euros).

Para a investigadora, é preciso salientar que as políticas de atribuição de bolsas de estudo devem ter em conta não só se o aluno é elegível, mas se o valor da bolsa cobre as despesas do estudante. “Não é apenas a forma como o regulamento de bolsas diz se o aluno é ou não bolseiro, é também se o valor da bolsa, por comparação com o que são os custos médios que os estudantes têm, é suficiente”, explicou.Uma das propostas apresentadas pela autora centra-se na revisão das políticas de ação social. “Há que ter em atenção, no que diz respeito à ação social, as políticas públicas devem ser revistas e atualizadas. O objetivo é abranger os estratos mais desfavorecidos, não só de classes de rendimentos mais baixos e até de rendimentos médios, que são também muito baixos em Portugal”, lembrou Luísa Cerdeira.

Propina Zero, uma opção?

No último ano, tem ganho nova força a velha reclamação de um ensino superior gratuito. O movimento “Propina Zero”, que junta três dezenas de estruturas estudantis, é disso um exemplo. No entanto, os responsáveis pelas instituições de ensino superior são claros a defender que a medida é impraticável no atual quadro de dotações orçamentais. O JPN questionou a investigadora se esta seria uma hipótese na atual conjuntura de Portugal.

Luísa Cerdeira explicou que cerca de 58% do orçamento das instituições de ensino público vem do orçamento geral do Estado. O restante rendimento é obtido através do pagamento de propinas e outras receitas que as instituições conseguem gerar.

“O que neste momento, talvez, pudéssemos pensar é no congelamento de propinas durante algum tempo. Ou seja, manter um valor de propinas através da sua fixação”, propôs a especialista.

Por outro lado, a investigadora notou a qualidade do ensino nas universidades e politécnicos portugueses, mesmo com os cortes orçamentais dos últimos cinco anos. “A pior das situações seria alterar a qualidade que existe no ensino superior. O melhor cartão de um diplomado é o valor do seu grau académico”, acrescentou.

Para Luísa Cerdeira, a solução para os encargos com que os estudantes universitários se deparam hoje em dia passa por “haver uma contenção no limite do aumento das propinas e, sobretudo, uma revisão das políticas de ação social para apoiar os que estão com mais dificuldades”.

A evolução

Em 20 anos de investigação sobre os custos com o ensino superior, a especialista em Economia da Educação caracteriza a evolução como positiva. Por um lado, houve uma abertura do ensino superior às classes com níveis de rendimentos mais baixos. Por outro, manteve-se a tendência de haver uma predominância da classe média no ensino superior.

“Há cada vez mais, ainda que em menor número, alunos com rendimentos de baixo nível. A evolução é positiva, mas os estudantes ainda provêm, maioritariamente, de agregados familiares com rendimento médio ou médio-alto”, referiu.

A investigadora lembra que existe “um certo elitismo” no ensino superior. Também no que diz respeito às habilitações académicas isso se verifica.

Contributo no futuro

A especialista admite que o estudo pode não mudar a realidade atual no ensino superior, mas que o objetivo é dar a conhecer os encargos que um estudante do ensino superior tem. “Eu tenho lutado para que pelo menos os números sejam conhecidos. Acredito que a existência de dados é o caminho para que possam ser definidas boas políticas públicas”, frisou.

O estudo vai ser apresentado esta terça-feira (30) e conta com o apoio único da Fundação Calouste Gulbenkian.

Além da apresentação desta terça-feira, a autora pretende, ainda, realizar dois seminários em setembro, um deles no Porto. Luísa Cerdeira contou ao JPN que já estabeleceu contacto com a presidente da Federação Académica do Porto (FAP), Ana Luísa Pereira, no sentido de realizar esse mesmo seminário, também direcionado para o politécnico. “O instituto politécnico tem sido muito importante para abrir o sistema de ensino às camadas desfavorecidas da população”, explicou.

Artigo editado por Filipa Silva