Sara Silva e Diana Amaral, são as criadoras da mais recente Companhia de Dança de Matosinhos. “A Bailarina Espe(ta)cular” é a primeira produção da companhia, que estreou esta quinta-feira, no Teatro Municipal de Matosinhos – Constantino Nery.

O projeto pedagógico da companhia que subiu a palco no Dia da Criança esteve em cena três vezes nesta quinta-feira, 1 de junho. A bailarina Sara Silva e um objeto cénico criado pelo coletivo de arquitetos Moradavaga deram corpo à coreografia do encenador Manuel Tur, que escolheu um texto de Regina Guimarães, lido por Sara Pinto Pereira.

A peça pensada para crianças juntou o teatro à dança, “duas artes muito próximas mas completamente diferentes”, disse Manuel Tur.

Ao contrário dos espetáculos habituais para crianças, “A Bailarina Espe(ta)cular” não tem cenário. Em palco estão apenas uma bailarina e uma caixa “da qual vemos sair tudo o que não pudemos supor, nem soubemos imaginar”, como diz o texto da apresentação da coreografia.

Num jogo de espelhos “uma menina-mulher bailarina pouco certeira, inseparável da sua caixa” aprende a distinguir a direita da esquerda. A caixa foi desenhada pela Morada Vaga, um coletivo de artistas do Porto que desenvolve trabalhos em arte pública.

O primeiro projeto reuniu artistas da cidade e Diana Amaral diz que um dos próximos objetivos da companhia que dirige é “contribuir para a empregabilidade nacional na área da dança”.

A nova companhia de Matosinhos vem contrariar a tendência do país, onde há mais companhias de dança a fechar do que a abrir. “Os nossos bailarinos têm poucos sítios para poder trabalhar, o objetivo é dar-lhes um”, diz Diana Amaral. As duas bailarinas começaram a lançar o projeto há um ano, altura em que conseguiram concretizar esta “loucura”.

“Eu acho que sem boas loucuras não se faz nada e portanto há que tentar”, ri-se Diana Amaral.

Além do serviço educativo, a companhia está a desenvolver outra iniciativa artística — “Tripalium” –, que tem como missão criar “projetos que reflitam questões fraturantes na sociedade”, explica uma das diretoras.

Diana Amaral diz que os espetáculos não vão contar uma história, como o público português está habituado, mas antes promover uma reflexão “através da boa dança”.

A coreógrafa defende que o grupo contradiz a inclinação nacional, tanto de audiências como de artistas, para “uma estratégia coreográfica ligada à performance” e vem trazer aos palcos “a dança pela dança”.

Esta é a principal razão para apesar de quererem aumentar a empregabilidade nacional na área da dança: três das quatro bailarinas da companhia serem estrangeiras. Sara Silva, também diretora do projeto, é a única bailarina portuguesa a fazer parte da iniciativa “Tripalium”.

Quando fizeram audições acabaram por ter maioritariamente bailarinos internacionais. Ao todo, receberam 90 candidaturas de dançarinos de todo o mundo. Apareceram 40 nos testes e foram seleccionadas três, duas belgas e uma franco-americana.

Agora estão na fase seguinte do projeto artístico e “eventualmente vão tentar aumentar o número de bailarinos portugueses” bem como arranjar coreógrafos nacionais. O primeiro coreógrafo é brasileiro, Gustavo Oliveira, mas já está naturalizado em Portugal, onde trabalha há vários anos.

O programa artístico reflete sobre a questão do trabalho e da “servidão moderna”, já que “Tripalium” significa trabalho em latim e é em simultâneo o nome de um objeto de tortura. Ainda não há datas para a apresentação do primeiro trabalho, só se sabe que será apresentado este ano.

Dançar em Portugal “é uma constante luta”

No que diz respeito a apoios, a companhia não foge à norma. “É uma constante luta”, desabafa Sara Silva. Além do crowdfounding, têm o apoio da Câmara Municipal de Matosinhos e da Academia de Dança de Matosinhos onde ensaiam.

O próximo objetivo é levar “A Bailarina Espe(ta)cular” às escolas e festivais do país com o intuito de educar as crianças para o espetáculo e para o teatro e criar novos públicos. A peça é portátil e foi desenvolvida com “autonomia completa”.

A Companhia Profissional de Dança Contemporânea terá sempre dois projetos, explica Sara Silva. O projeto artístico dirigido a um público mais adulto e o projeto pedagógico pensado para um público infanto-juvenil.

Apesar do texto complexo, o encenador Manuel Tur acredita que o público desta quinta-feira, constituído maioritariamente por crianças dos quatro aos sete anos, percebeu a mensagem. “Alguns diziam de manhã que as palavras são difíceis mas [que o espetáculo] também é bom para aprender palavras difíceis”, explica.

Diana Amaral concorda com o encenador e defende que não se deveriam apenas fazer espetáculos infantis “leves com linguagem muito básica e uma parte plástica sempre muito virada para coisas muito coloridas e muito floridas”.

Por este motivo, optaram apenas por usar uma caixa: um objeto simples que “tem um encanto estético brutal e que não entra minimamente naquilo que era o expectável para faixas etárias deste género”, explicam os artistas.

A Companhia de Dança de Matosinhos garante que apesar da fase complicada pela qual o país está a passar na área da dança, não vão desistir do projeto.

Artigo editado por Rita Neves Costa