A decisão de mudar as disciplinas teóricas para a Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP) da Licenciatura em Ciências da Comunicação (LCC) e todas as unidades curriculares do Mestrado em Ciências da Comunicação (MCC) está a ser contestada por professores e alunos.
Os diretores das quatro faculdades que partilham os cursos de Ciências da Comunicação tomaram a decisão final numa reunião, no início de maio, na qual esteve presente o reitor Sebastião Feyo de Azevedo. Os que aceitaram falar com o JPN frisam, contudo, que a decisão é da inteira responsabilidade das faculdades que partilham estas formações.
Os docentes do Departamento de Ciências da Comunicação e Informação (DCCI) manifestaram a sua “discordância”, num documento divulgado esta quinta-feira. Os alunos, através dos estudantes que os representam na Comissão de Acompanhamento (CA) da LCC, mostraram “preocupações” numa carta entregue a Fernanda Ribeiro, diretora da Faculdade de Letras, na qual exprimem o desejo de que “voltem a ser ponderados os prós e os contras da mudança”.
Fernanda Ribeiro, diretora da FLUP, informou o Conselho do DCCI das mudanças a 15 de maio. Seguiu-se uma reunião entre Fernanda Ribeiro e os alunos, a 24 de maio, que contou com grande afluência por parte dos estudantes do primeiro e segundo anos da licenciatura, que tem a duração de três anos. A maioria dos presentes manifestou-se contra a mudança de local das aulas teóricas para a FLUP, no Campo Alegre.
O que vai mudar?
O que é sabido é que o Mestrado em Ciências da Comunicação se muda por completo para o edifício-sede da FLUP, bem como as cadeiras mais teóricas da licenciatura. Muito está ainda a ser definido.
Os alunos têm a informação de que “ainda vai ser negociado quais as unidades curriculares que vão e as que ficam”. “Já havia uma lista provisória, mas ainda vai ser tudo negociado”, refere o estudante Filipe Santiago Lopes.
José Paiva, diretor da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto (FBAUP), garante que “os estudantes não são prejudicados. O facto de se terem de deslocar, terem um bloco de aulas num dia, num espaço, e ter outro bloco de dias, noutro espaço, não é problemático”. “Está a ser feito um estudo ao nível da organização de horários”, acrescentou.
Helena Lima, diretora do Mestrado em Ciências da Comunicação, confirma que de momento está a ser feito o levantamento das necessidades técnicas e de apoio técnico para as reportar à direção da FLUP a quem caberá dar a resposta necessária.
Certo é que a mudança vai ocorrer num contexto de reformulação do mestrado, já no próximo ano letivo, reformulação essa que visa reforçar a componente prática: “Todas as áreas de especialização [do mestrado] vão passar a ter aulas laboratoriais”, explica ao JPN a docente.
“O curso funcionará na mesma, o plano de estudos não muda, os docentes são os mesmos”.
Fernanda Ribeiro, diretora da FLUP, optou por não dar uma entrevista. Contudo, num email enviado ao JPN, frisou que se trata “só de uma mudança de instalações pois o curso tem sede na FLUP e a faculdade tem todas as condições para o acolher. O curso funcionará na mesma, o plano de estudos não muda, os docentes são os mesmos”.
“O que também fica garantido”, assegura João Falcão e Cunha, diretor da Faculdade de Engenharia, “é que em termos de apoio tecnológico de infraestruturas que são geridas pelo MIL [Media Innovation Labs, centro de competências na área dos media da Universidade do Porto], esse apoio será continuado” da “mesma forma” ou “até reforçado”, uma vez que se pretende “reforçar a atividade do MIL”.
Na mesma linha, o diretor do MIL, Sérgio Nunes, declarou ao JPN ser “essa a expectativa”. “Não é esperada qualquer alteração” ao nível do apoio que este centro de competências presta aos cursos de Ciências da Comunicação.
Porquê mudar?
O JPN procurou saber as razões que estiveram na base da tomada de decisão junto dos quatro diretores das faculdades que gerem o curso – Belas Artes, Economia, Engenharia e Letras.
João Falcão e Cunha, diretor da Faculdade de Engenharia, declarou que as faculdades entenderam que seria melhor “para a universidade e para os cursos” estarem a funcionar “maioritariamente na Faculdade de Letras, que é a faculdade que faz a gestão administrativa dos cursos”. A isto, o responsável da FEUP junta o “sentimento de pertença que os cursos teriam com a Faculdade de Letras” e ainda a “possibilidade dos estudantes estarem imersos numa unidade orgânica com mais valências”.
“O curso de Ciências da Comunicação nasceu com um equívoco: se era um curso destas quatro faculdades ou se era um curso que pairava no ar de uma instância desconhecida”
O diretor da FEUP frisa ainda o facto desta não ser uma discussão nova para as unidades orgânicas envolvidas: “A decisão foi sendo tomada. A decisão foi tomada todos os anos. Só que a até aqui a decisão foi para manter [os cursos a funcionarem onde foram criados]”.
José Paiva, da FBAUP, por sua parte, considera que “o curso de Ciências da Comunicação nasceu com um equívoco: se era um curso destas quatro faculdades ou se era um curso que pairava no ar de uma instância desconhecida”. O professor considera por isso que havia a necessidade de clarificar “o enquadramento institucional do curso”. “O lugar onde o curso estava [está], é um espaço que está a ser gerido pelo MIL, que é uma entidade que tem um programa próprio”, além de direção própria e “responsabilidades administrativas próprias”. A necessidade de clarificar a situação era “imperiosa” na opinião do responsável.
Haverá ainda razões económicas envolvidas. Mas para o Conselho do DCCI, “a contenção de custos apresentada como justificação central para a decisão suscita ao DCCI diversas dúvidas uma vez que, simultaneamente, se manifesta a intenção de a prazo replicar no edifício-sede da FLUP investimentos em recursos que a UP já dispõe no polo da Praça Coronel Pacheco [onde os cursos funcionam desde a sua criação, datando a licenciatura de 2000/2001]”.
Também os alunos têm dúvidas sobre este aspeto. André Ferrão, um dos dois representantes dos estudantes na Comissão de Acompanhamento da licenciatura, atira: “o argumento primário que foi utilizado [para a decisão] é irrefutável, que é: não há dinheiro para pagar [a permanência no edifício de Coronel Pacheco]”, concluindo que é difícil argumentar sem “ter acesso a contas”. Os detalhes da tesouraria de cada faculdade não são públicos.
Professores e alunos descontentes
André Ferrão e Filipe Santiago Lopes, membros da Comissão de Acompanhamento da LCC, entendem que “falta informação” e queixam-se de não terem sido envolvidos no processo.
Sobre a reunião em que a diretora da FLUP se deslocou ao polo de Ciências da Comunicação para informar os alunos da mudança de instalações, André Ferrão comenta que “a diretora foi lá para comunicar uma decisão, não foi uma reunião para se decidir se os alunos queriam ou não ficar”.
Os dois alunos “consideram de enorme importância a consulta dos estudantes e participação dos mesmos relativamente a decisões com grande impacto na comunidade académica”. Foi essa uma das ideias transmitidas por carta à diretora da FLUP.
Numa sondagem online promovida pelos estudantes da CA, 114 de 131 alunos da licenciatura [no ano letivo 2015/2016 estavam inscritos 295 alunos em LCC] declaram estar contra a mudança, 11 estão a favor e seis manifestam indiferença. São na maioria estudantes do primeiro e segundo ano.
Pela sua parte, Fernanda Ribeiro considera que “a decisão foi tomada por quem de direito e por quem tem competência para tal”. “Todas as pessoas que vão ser implicadas na mudança tiveram a informação, prestada por mim, da forma mais natural e normal, numa reunião. Os docentes foram informados, os estudantes também”.
“A mudança não deveria acontecer sem os equipamentos e condições assegurados” na FLUP
Uma das grandes preocupações dos estudantes relaciona-se com o acesso aos equipamentos indispensáveis à realização de trabalhos escolares e extra-curriculares – gravadores, câmaras de filmar, de fotografar, ilhas de rádio, estúdios de rádio e televisão -, a computadores e software adequado.
“A mudança não deveria acontecer sem os equipamentos (não só os programas de computador mas também os estúdios de rádio e televisão, assim como os laboratórios e serviços prestados pelo MIL) e condições do Polo de Ciências da Comunicação estarem assegurados” na FLUP, vincam os estudantes por escrito, defendendo que “o investimento deve anteceder a mudança e não o contrário”.
“A diretora da FLUP disse que equipamentos como computadores estariam à disposição dos alunos lá, e que iam estudar com os professores que software e quais as necessidades que temos para trabalhar, para que os alunos nos tempos mortos possam trabalhar”, explica André Ferrão ao JPN.
“Nós explicamos que não se pode comprometer o trabalho extra dos alunos, que é uma das grandes valências que o curso tem”, aponta o estudante.
Por agora, está a ser ponderada uma ação de protesto. A data, a hora e a forma que a manifestação revestirá não está ainda definida.
Descontentes estão também os professores. O Conselho do DCCI – formado por 14 docentes de Ciências da Comunicação e Ciências da Informação – aprovou esta quarta-feira uma posição desfavorável à forma como a decisão foi tomada. A posição foi aprovada com oito votos a favor e duas abstenções. Quatro professores estiveram ausentes.
No documento é manifestada “profunda preocupação” pela forma como o processo decorreu. São evocadas, entre outras razões, a ausência de uma consulta prévia, o momento da tomada de decisão – a duas semanas do final das aulas – e ainda “a inexistência de um estudo prévio detalhado sobre as implicações da decisão, nomeadamente nos custos para a UP, para a FLUP e para a comunidade académica envolvida, a curto e a longo prazos (horários letivos, mobilidade de docentes e estudantes, atratividade das propostas formativas, resultados académicos, questões pedagógicas).”
“Tudo o que seja trabalho voluntário, aquilo que nós vamos estimulando [nos alunos], vai cair a pique”
“Estar a criar este problema nesta altura [de exames], acho que é terrível”, considerou Fernando Zamith, diretor do DCCI, em declarações ao JPN. “São factos: a FLUP não tem estúdio de televisão, não tem estúdio de rádio. É evidente que neste momento não tem objetivamente condições para receber todas as unidades curriculares dos dois cursos”, afirma.
A isto, o docente acrescenta a preocupação face ao impacto que a mudança poderá ter ao nível dos trabalhos extra-curriculares dos alunos: “Parece-me que os estudantes vão passar a ser muito pragmáticos relativamente ao trabalho, à prática voluntária. Tudo o que seja trabalho voluntário, aquilo que nós vamos estimulando [nos alunos], vai cair a pique. Espero que não desapareça por completo”.
No terreno, os diretores dos cursos de licenciatura e mestrado avançam com os preparativos para o próximo ano letivo. “Estamos a fazer aquilo que nos foi pedido. Não temos funções decisórias”, sublinhou Helena Lima, diretora do mestrado.
“É importante é garantir que vai correr bem. Vai-se trabalhar no sentido em que as pessoas que estão insatisfeitas vão ficar satisfeitas”, conclui João Falcão e Cunha, diretor da Faculdade de Engenharia. A indefinição quanto ao futuro fica expressa pelas palavras de Helena Lima que remata: “Ninguém, verdadeiramente ninguém, sabe o que vai ser”.
O JPN contactou o diretor da licenciatura, Helder Bastos, e o diretor da Faculdade de Economia, José Manuel Varejão. Ambos não quiseram fazer comentários.
O JPN é o jornal digital dos cursos de Ciências Comunicação da Universidade do Porto.
Artigo editado por Filipa Silva e Rita Neves Costa