No i3S, teve lugar a RESOLVE techHospital, uma oportunidade para ver as mais recentes inovações tecnológicas na área da saúde.
Teve lugar na sexta-feira a RESOLVE tecHospital, uma mostra com o objetivo de dar a conhecer novos projetos de diferentes áreas da saúde com uma forte componente tecnológica, que estão em vias de passarem para a clínica. Durante uma tarde, no i3S – Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade do Porto, equipas das áreas de oncologia, ortopedia, infeciologia, neurologia, cirurgia, gastroenterologia e infeção hospitalar, puderam demonstrar e explicar em que é que consistem os seus produtos.
Todos os projetos que estiveram em exposição são apoiados, ao nível da gestão, pelo programa RESOLVE, como explica ao JPN Sofia Esteves: “O programa Resolve é um programa que tem como objetivo apoiar projetos na área das ciências da saúde que estejam numa fase não tão de investigação, mas já direcionadas para o mercado”.
Como os produtos já estão virados para o mercado, o objetivo da tecHospital foi o de chamar investidores. “Neste momento, pretendemos com isto mostrar também à comunidade o que é que é o programa Resolve, quantos projetos é que temos, que tipo de tecnologias é que temos, e também fazer a divulgação destes projetos para captar utilizadores finais, para captar mais pessoas conhecedoras das próprias tecnologias e para ajudar os investigadores a desenvolver melhor os seus produtos”, diz Sofia Esteves.
O RESOLVE é um programa de aceleração de tecnologias do i3S, que tem vindo a promover estes projetos entre 2016 e 2017. Atualmente, o projeto RESOLVE está a apoiar 16 projetos (sete da primeira chamada e nove da segunda).
O RESOLVE nasceu em maio de 2016 e abriu a primeira chamada de projetos seis meses depois. Os projetos são apoiados durante 12 meses.
A segunda chamada começou em abril e irá terminar também um ano depois, em abril de 2018.
As equipas que estiveram presentes no i3S estão em “fases muito diferentes da sua maturidade”. “A maioria destas equipas está a ser financiada para aumentar a sua maturidade para chegar mais próximo do mercado ou para entrada em ensaios clínicos”, explica Sofia, que diz ainda que o RESOLVE tem vivido “uma fase em que existe uma dificuldade muito grande de financiamento”.
“Existe uma grande dificuldade em financiar este conhecido ‘vale da morte’, que é precisamente aquela etapa que é preciso ultrapassar para chegar ao mercado. Ou seja, eles já não estão tão próximos da investigação, e ainda não estão tão próximos do mercado. Portanto, este financiamento é muito crucial para alavancarem as suas ideias e chegarem ao mercado”, refere Sofia.
Os projetos foram expostos “com algum trabalho de investigação já bastante desenvolvido”, mas Sofia Esteves diz que para ultrapassarem a etapa que falta para chegarem ao mercado são precisos “testes em ambiente hospitalar, testes de protótipos e testes com as primeiras amostras humanas”.
“Estas equipas estão também em contacto com utilizadores finais da especialidade médica, quer enfermeiros, médicos, e outros profissionais da área da saúde, que têm sempre um feedback mais real e mais próximo do doente, e das necessidades do doente. Assim, tentamos adaptar as tecnologias de modo a que estejam a corresponder exatamente à necessidade do mercado e à necessidade de clínica”, explica Sofia Esteves.
Aqui ficam alguns exemplos dos trabalhos expostos.
Facegram
O Facegram é uma ferramenta que estuda vários pontos da face para ajudar cirurgiões em processos de reabilitação da cara de um paciente, que se justifique por lesões de vária ordem. O Facegram cria um relatório de movimentos dos pontos anatómicos mais relevantes da face, relatório esse que vai ajudar o médico a tomar decisões. Servir-lhe-á tanto para escolher, por exemplo, a técnica cirúrgica a aplicar como ajuda-lo-á a avaliar se a intervenção e o tratamento estão a evoluir favoravelmente.
O projeto nasceu a partir de uma parceria com cirurgiões plásticos do Hospital São João, demorou um ano a ser concetualizado e já está a ser posto em prática. “Neste momento, está a ser usado já por clínicos, que têm usado, por exemplo, para estudar pacientes, antes e após a cirurgia, para ver a eficácia”, constata Paulo Aguiar, um dos dois membros da equipa. A previsão para a chegada do Facegram ao mercado é de, pelo menos, um ano.
Mas durante o processo, houve algumas dificuldades: “Sendo um projeto multidisciplinar, tivemos que sincronizar linguagens entre os clínicos, entre nós próprios”, acrescenta. “Depois, há algumas dificuldades tecnológicas que têm a ver com a nossa solução: a maneira como são obtidos os dados, como é que têm de ser tratados os dados”, exemplifica ainda.
Proregen
O objetivo da equipa do Proregen é fazer com que o axónio, prolongamento do neurónio que estabelece a ligação com o neurónio subsequente, cresça e regenere através da utilização da proteína profilina-1 in vivo.
“[O axónio] É uma estrutura que cresce muito bem durante o desenvolvimento embrionário, mas depois, na fase adulta, quando temos uma lesão ou quando há uma doença neurodegenerativa, o axónio não vai ser capaz de voltar a crescer. Nós sabemos que lesões no sistema nervoso central ou doenças neurodegenerativas são uma grande preocupação médica, porque não há nada a oferecer a estes doentes”, observa Mónica Sousa, que faz parte da dupla do Proregen e é diretora de um grupo de investigação no i3S.
A profilina-1 tem uma “grande capacidade, in vitro, ou seja, em sistemas celulares, de aumentar o crescimento axonal”, como explica Mónica. Os testes agora vão ser feitos in vivo.
“Vamos fazer a entrega desta proteína em ratos, após lesão medular. Portanto, aquilo que fazemos é uma lesão na medula espinal destes animais e vamos ver se conseguimos fazer com que a medula espinal destes animais passe a regenerar”, adianta.
A concetualização do projeto levou três anos e foi um dos escolhidos da RESOLVE para ser feita “a prova do conceito in vivo”.
Mónica não sabe precisar quando é que a proteína vai estar no mercado. “Ainda vai ser testada em animais, que é que o vamos fazer no próximo ano. Agora, vamos imaginar que o teste em animais corre bem. O que é que nós vamos precisar? Precisamos de licenciar este tipo de know how. Depois teria que ser testado em primatas, e só depois em humanos”, diz.
SurgeonMate
Quanto estagiou na África do Sul, Nuno Muralha, cirurgião de profissão, viu “coisas [em termos clínicos] que não se vê na Europa” , então começou a idealizar um dispositivo que lhe permitisse gravar e mostrar aos seus colegas aquilo que viu quando tratou de pacientes.
O mercado já oferecia coisas como o Google Glasses, mas Nuno Muralha entendeu “que era preciso um dispositivo novo, era preciso uma coisa de raiz”. “Em 2015, começámos a levantar as necessidades, o conceito. 2016, a aprimorar”, conta.
Do trabalho com a equipa que entretanto montou nasceu o SurgeonMate, uns óculos (SurgeonMate Vision) que permitem ao cirurgião gravar toda a cirurgia e guardá-la numa biblioteca (SurgeonMate Library).
“Nós queremos que os óculos sejam uma sombra. Ou seja, o cirurgião está a operar e não se apercebe que tem os óculos. No fim, consegue gravar tudo aquilo que precisa para poder, mais tarde, ver a sua cirurgia e aprender com ela”. O cirurgião considera que se aprende com todas: “O bom e o mau é sempre subjetivo. No fim, se nós aprendermos, é sempre muito bom, qualquer que seja o resultado”, diz.
Durante a operação, como é que o cirurgião poderá mexer com o SurgeonMate? “Algumas das características que diferenciam o SurgeonMate é o facto de ter uma câmara com um ângulo de gravação estável e que responde a comandos de voz. O cirurgião dá as instruções ao SurgeonMate Vision, que reconhece em offline. Não precisa minimamente de estar ligado à internet. Conhece a instrução, adapta a câmara e vai poder fazer todas as funções que ele pretender: ligar luz, baixar a câmara. Tudo o que quiser, ele poderá fazer”, responde Nuno.
O SurgeonMate tem um chip de 60 GB de memória e uma bateria com a duração máxima de 12 horas, mas já estão a ser desenvolvidos add-ons para alargar o tempo.
“Associado a isto, a ergonomia não é uma brincadeira, é uma coisa real. Eu já usei os óculos. Uso os óculos para trabalhar, e ao fim de horas, se não forem ergonómicos, a pessoa manda aquilo fora. Têm que ser óculos que sejam infalíveis, mas fantasmas”, constata Nuno Muralha.
Desde o início, uma das preocupações da equipa de três pessoas que criou o projeto foi a questão da privacidade de dados dos pacientes, para que estes não fossem capturados por terceiros.
“Nós percebemos que a privacidade de dados quer-se tanto no momento da aquisição como também a trabalhar esses dados, e para isso desenvolvemos o SurgeonMate Library, com segurança reforçada e com uma proteção de dados muito robusta, utilizando tecnologia vanguardista, que fez com que nós consigamos introduzir no computador dados numa plataforma offline, que depois só aquela pessoa que criou aquela informação é que pode ter acesso”, explica o cirurgião.
O SurgeonMate não foi fácil de construir, e o seu engenheiro, Rúben Marques, explica porquê: “Estas tecnologias que nós estamos a utilizar existem isoladamente mas nunca foram postas a trabalhar em conjunto. Estamos a trabalhar com hardware que é off the shelf e com alguma prototipagem de placas de circuito integrado. No que toca à programação, estamos a desenvolver software dedicado”.
Durante a construção do projeto, uma das dificuldades foi a questão do reconhecimento de voz, sobretudo offline. O projeto, que é financiado pelo dinheiro dos próprios investigadores, está a ser visto “com muita recetividade” pela comunidade médica e já recebeu alguns prémios. É pretendido que o SurgeonMate seja comercializado em novembro ou em dezembro de 2017.
VRCare
O VRCare adiciona a componente de realidade virtual ao tratamento de fobias. Trata-se de uma ferramenta que expõe o paciente a uma variada gama de fobias, “nomeadamente a fobia de voo”, explica Tiago Craveiro, que faz parte do projeto. O engenheiro industrial constata ainda que em Portugal uma em três pessoas “tem medo de voar ou tem alguma ansiedade quando voa”.
“Basicamente, o que nós queremos é trazer uma nova ferramenta que permita aos psicólogos e aos psiquiatras tratar uma doença que neste momento não é possível ser tratada. Os tratamentos que existem são muito caros. Existem poucos profissionais que são capazes de o fazer”, refere Tiago.
O paciente coloca uns óculos de realidade virtual (VR, na sigla inglesa) com visão 360 e fica imerso num cenário que simula o interior de um avião.
O produto foi desenvolvido e financiado pelos investigadores. Em agosto, vai ser realizado um pré-piloto e a ideia é fazer um ensaio clínico no início de 2018.
Mas como é que uns óculos virtuais podem ajudar uma pessoa a controlar as suas fobias? Tem a ver com a “desconstrução do medo”, como explica Tiago. “O que o terapeuta faz é expor a pessoa ao medo e ajudar a pessoa a desconstruir esse medo. Alguma ajuda a explicar por que é que um avião é assim, qual é a manutenção que tem. Existe uma parte racional à volta do medo”.
Se esta fobia conseguir ser controlada pelo VRCare, o mesmo poderá ser dito em relação a “qualquer outra perturbação de ansiedade que tenha a mesma base de cura, que é a exposição”.
O cenário no teste virtual adapta-se às fobias e evolui com as pessoas, ao longo das sessões. Se uma pessoa sentir mais fobia antes da descolagem, por exemplo, os testes vão incidir mais sobre essa parte.
O VRCare está a ser trabalhado desde 2015. A previsão é que em outubro se iniciem os tratamentos com o público.
Adapttech
A missão da Adapttech é, através das tecnologias, proporcionar às pessoas com limitações físicas uma melhor qualidade de vida. Um dos seus projetos é um scanner que faz uma prótese para membros inferiores que pode ser adaptada em tempo real.
“O que nós temos é um scanner que faz um modelo 3D do encaixe da prótese. Nós colocámos uma superfície sensorizada de forma a que o técnico, quando está a fazer a adaptação, possa fazê-la em tempo real. O paciente está a andar e [o técnico está] a ver como é que a pressão está a distribuir-se sobre a superfície do encaixe”, diz Sofia Assis, bioengenheira da Adapttech.
O que se pretende com este dispositivo é combater o modelo atual de tentativa e erro no encaixe das próteses. “O processo tradicional de fazer um encaixe é: analisa-se o paciente, tira-se umas medidas, faz-se um molde inicial e depois a pessoa amputada vai experimentar o encaixe. O paciente dá feedback, e com base neste feedback que o paciente dá, o técnico que está a fazer a adaptação vai lixando a superfície, vai percebendo onde é que tem de ser alterada a superfície da prótese”, explica Sofia.
O projeto teve uma grande recetividade e está a ser financiado pela Albion Capital. Em breve, serão realizados ensaios clínicos, e a sua entrada para o mercado está projetada para 2018.
Artigo editado por Filipa Silva