No lugar de um power point, Rosental Alves prometeu “powerfull points”. No seu jeito animado, o brasileiro que há 20 anos dá aulas nos Estados Unidos, veio às instalações do Media Innovation Labs da Universidade do Porto, na Praça Coronel Pacheco, falar de jornalismo empreendedor, ao abrigo do Programa UT Austin Portugal.

Depois de explicar como o digital mudou em definitivo a paisagem mediática, “do deserto do Arizona para a floresta húmida tropical”, do clima da resistência para o da sobreabundância, dos “mass media para o mass of media”, o professor sublinhou aquilo em que há muito acredita: “Temos de criar modelos novos de sustentabilidade, empresas novas, com formatos novos, redações novas”.

Rosental Alves acredita que o transporte da cultura empresarial para prática jornalística é, mais do que necessário, inevitável, sendo já uma realidade em alguns órgãos.

“O fator que pode mudar a cultura das empresas mediáticas é o empreendedorismo, é a inovação”, reforçou.

Para “evitar bagunça ou promiscuidade” as questões éticas ou deontológicas que se levantem devem ser enfrenteadas “uma a uma”, mas o facto não evita a necessidade de “entender e trazer a cultura das startups e da inovação para o jornalismo”, “seja para transformar as empresas jornalísticas em bichos novos, seja para criar um ambiente favorável à inovação, que é absolutamente necessária”.

A necessidade “é auto-evidente”

Nesta matéria, a academia tem um papel a desempenhar. “A ideia é trazer não só o empreendedorismo para as empresas jornalísticas, mas também para o ensino do jornalismo. Ambas foram completamente avessas a qualquer coisa que fosse ligada aos negócios”, partilhou, para à frente acrescentar: “Mas eu acho que é tão auto-evidente a criação dessa disciplina, que as resistências estão diminuindo”.

“Lá nos EUA existem cada vez mais” cursos de jornalismo empreendedor. Rosental criou um em 2011, na Universidade de Austin. Foi, aliás, na Universidade do Porto, numa formação de verão desse ano, que o diretor do Knight Center for Journalism in Americas ensaiou o que a formação que agora lidera viria a ser.

“A minha aula não é muito popular. Eu acho que devia estar fazendo fila na minha aula, modestamente.”

O curso que ministra no Texas tem 15 semanas de duração. Ao fim do primeiro mês, os estudantes são convidados a apresentar uma ideia para uma empresa ou iniciativa no contexto das notícias ou da informação.

Rosental Alves é professor na Universidade do Texas em Austin.

Rosental Alves é professor na Universidade do Texas em Austin. Foto: Patrick Lu/Flickr

Segue-se uma investigação relacionada com a ideia inicial para ajudar a perceber a viabilidade do projeto.

Votadas as ideias principais, são chamados à Escola de Jornalismo de Austin – cidade por muitos considerada como o novo “Sillicon Valley” dos Estados Unidos – empreendedores e startups locais, bem como representantes da escola e outras figuras para avaliarem os protótipos finais e elegerem um vencedor.

“Acho que nos 103 anos da Escola de Jornalismo esse é o primeiro curso que fala de dinheiro, de negócio”, observa.

Rosental Alves confessa que o curso não é “muito popular” se comparado com o de televisão, imprensa ou online, o que ao jornalista parece pouco compreensível no contexto atual.

“Eu acho que devia ter fila na minha aula, modestamente. Não é por mim, é pelo tema! Eu digo para eles: primeiro, porque não estamos na era do ‘memo’, estamos na era do ‘demo’; segundo, ninguém contrata ninguém pelo resumé [currículo], mas pelo que a pessoa fez. Você tem de sair da aula de jornalismo com um monte de coisa para mostrar o que você fez”, sublinhou ainda.

“Você vai ter emprego se você fizer o seu emprego. Nesse novo mundo, abundam histórias de pessoas como Brian Stelter [autor de um blogue sobre a indústria da TV que o levou do “The New York Times” (NYT) para a CNN]”.

“Quem poderia imaginar que o NYT entregaria comida em casa?”

A indústria dos media enfrenta sérios desafios no campo das receitas. Houve a crise de 2007 com todas as suas consequências, mas há sobretudo o fim de uma era onde a venda de publicidade chegava para sustentar o negócio.

Os “media” americanos contratacam

“Nunca como hoje tantas pessoas consumiram tantas notícias” e, no entanto, os media debatem-se para angariar receita. Os meios norte-americanos decidiram seguir na linha do que se vem fazendo na Europa e passaram ao ataque. Queixando-se de que o domínio do “duopólio” Google e Facebook nas receitas da publicidade online podem pôr em causa a liberdade de imprensa “mais do que qualquer coisa que o presidente Trump possa escrever no Twitter”, a News Media Alliance, que representa mais de duas mil organizações de media dos EUA e Canadá, pediu ao Congresso americano que autorize uma exceção às leias anti-trust que permita aos órgãos de comunicação negociar, em bloco, com as duas plataformas. “Se eles [os media] abrirem uma frente unida para negociar com o Google e o Facebook forçando maior proteção da propriedade intelectual, mais apoio aos modelos de subscrição e uma distribuição mais justa da receita e dos dados, eles conseguirão construir um futuro mais sustentável para o negócio das notícias”, lê-se no artigo publicado no Wall Street Journal. De acordo com a NMA, as duas plataformas juntas ficam com 70% dos 73 mil milhões de dólares gastos anualmente em publicidade digital.

Nos EUA, os jornais faturavam entre 62 a 66 mil milhões no início deste século. “Há três ou quatro anos, o último de que há dados, esse valor estava nos 17 mil milhões!”, aponta Rosental Alves, que estima que o valor atual ronde os 11 milhões.

A solução mais imediata foi a de cortar a direito. “Ser administrador de jornal virou administrador de encolhimento”, notou o palestrante.

O problema de um modelo de negócio baseado no corte “é que ele é finito”, pelo que as organizações têm hoje de encontrar novas formas de fazer dinheiro [ver caixa].

“Quem poderia imaginar que o NYT entregaria comida em casa?”, exemplifica Rosental Alves. “Quem poderia imaginar que o NYT faria cursos?”. “Quem diria que o NYT seria uma grande agência de viagens e que pediria aos seus jornalistas para viajar junto com os seus leitores?”, questionou ainda.

Neste ponto, o jornal com mais Prémios Pulitzer do planeta e que em 2014 apresentou um relatório sobre inovação que virou referência, tem dado que falar.

O “Around the World by Private Jet” propõe uma volta ao mundo aos leitores do jornal na companhia de jornalistas premiados do Times. O custo da aventura? 135 mil dólares, ou cerca de 120 mil euros. O arrojo da oferta já mereceu crítica na concorrência mais direta.

Produtos destes estão, assim, longe de ser consensuais. Mas não há volta a dar no ecossistema: é preciso encontrar novas forma de arrecadar receita, gerir o orçamento, envolver os leitores.

E são vários os exemplos que têm surgido nos últimos anos. Alguns estiveram a apresentar-se em abril no International Symposium on Online Journalism (ISOJ), organizado anualmente em Austin, evento de que Rosental Alves é o principal responsável.

Nesse painel, só para dar alguns exemplos, Jim Brady apresentou a Spirited Media, ao passo que Juan Luis Sánchez explicou o sucesso do “El Diário” aqui ao lado.

Há vários outros que aqui se podiam mencionar. O Buzzfeed, o Politico, o Axios ou o Poder360 são outros. Do lado dos modelos sem fins de lucro, a ProPublica será das mais conhecidas, mas o exemplo favorito de Rosental é outro, até por ser ter envolvido no projeto.

Chama-se Texas Tribune e o brasileiro contou a história da sua fundação. Quando ao modelo de negócio, assenta em cinco linhas de financiamento: grandes doações – “se o Texas fosse um país era o 12º mais rico do Mundo”; membership; eventos; corporate sponsorship e publicidade. “Em quatro anos, é um sucesso financeiro”, diz.

“Nesse mundo todo há esperança e ela passa pelo empreendedorismo e pela inovação”, acredita.

Nada se fará, contudo, sem uma sólida relação de confiança entre os meios e as pessoas. A este propósito, e recorrendo de novo ao ISOJ deste ano, valerá a pena rever as palestras dos três keynote speakers do evento.

A visão otimista de Jim VandeHei, que esteve na fundação do Politico e se lançou recentemente no Axios; a visão ambiciosa de Lydia Polgreen que substituiu Arianna Huffington no Huff Post; e a visão terrena, a mais aplaudida da conferência, de Melissa Bell da Vox.com.