O Comércio Tradicional do Porto
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INTRODUÇÃO

Em cada esquina da cidade do Porto encontramos um pouco de tradição. Ela está na calçada antiga, na fachada dos edifícios e nas histórias de quem ali vive e trabalha.

O Porto é uma cidade de comerciantes e alguns deles dedicam-se há muitos anos a manter a tal tradição dentro de portas. Outros são mais novatos no ramo e, por isso, esforçam-se por manter o tradicional ao mesmo tempo que lhe adicionam uma pitada de modernidade e inovação.

É ver as casas de enchidos, dos queijos, as mercearias, as camisarias, os sapateiros, os alfarrabistas, as casas de parafusos, maçanetas e todas as ferramentas e utensílios cujos nomes já quase ninguém conhece.

No Porto, já foram muitas mais as casas de comércio tradicional, mas também não faltam exemplos de sobrevivência. Alguns constam deste trabalho. Na escolha - e difícil foi escolher! - cingimo-nos ao centro e procuramos alguma diversidade de negócios.

DÉCADA DE MUDANÇA

"Os últimos dez anos foram dez anos de muita transformação do ponto de vista económico e do ponto de vista legislativo", refere Nuno Camilo, presidente da Associação de Comerciantes do Porto (ACP).

Nuno Camilo

As transformações foram a vários níveis e as adaptações necessárias também. Segundo Nuno Camilo, para além das alterações nos âmbitos económico e legislativo, houve ainda mudanças significativas nos hábitos do consumidor, já que há dez ou 15 anos "andávamos todos à superfície", refere o presidente da ACP.

Hoje, o consumidor portuense troca o autocarro, as camionetas e os táxis pelo metro e isso fez com que "o comércio por impulso", em algumas zonas, tenha deixado de existir. "Agora não têm essa tentação porque no metro as únicas coisas que se veem são as publicidades nas estações e o nome das estações, portanto não há esta compra por impulso", acrescenta Nuno Camilo.

Ao nível dos negócios, o também vice-presidente da confederação do comércio e serviços de Portugal, explica que se antes o transporte de mercadorias de bens e serviços só obrigava a guias de transporte manuais, agora as guias de transporte são eletrónicas. Nesse processo de mudança, se "havia empresas que se calhar não tinham computador, passaram a ter que adquirir computador, licenças para utilizar o software e o hardware, portanto tudo isto foram camadas de custos que foram imputados às empresas", refere. A par disso, está a certificação da faturação que obrigou as empresas mais antigas a adquirir software, hardware e a dar formação aos colaboradores, o que acrescentou mais custos. Na mudança, alguns ficaram pelo caminho.

Outra alteração que atingiu o comércio tradicional, de forma muitas vezes fatal, foi a nova Lei do Arrendamento.

AS NOVAS RENDAS

Segundo Nuno Camilo, a Lei do Arrendamento "esteve estagnada no tempo, cristalizou", tendo sido alterada no governo de Pedro Passos Coelho, o que, na opinião do presidente, foi uma "revolução".

"O que aconteceu na verdade é que o legislador quis fazer uma revolução mas esqueceu-se que a revolução tem que ter alguma sustentabilidade em termos de tempo e em termos económicos", considerou o responsável.

Nuno Camilo explica ao JPN que alguns negócios com rendas muito baixas, porque tinham contratos do tempo vinculístico, de um momento para o outro viram essa despesa subir "vertiginosamente". Tal medida representou uma dificuldade para empresas com uma "estrutura de custos estável". Nuno Camilo sublinha que houve um conjunto de empresas que fecharam atividade por causa do aumento das rendas.

"Quando falamos de um setor destes, temos que perceber quais as consequências que as alterações legislativas têm. Isto é como eu jogar xadrez: se eu mexer a rainha, a rainha vai afetar alguma coisa no jogo do meu adversário. E o que aconteceu aqui foi que o legislador não teve a capacidade de perceber qual era o impacto desta medida", diz o presidente da Associação de Comerciantes do Porto.

Despediram-se funcionários aos quais se tiveram de atribuir indemnizações. Houve empresas que receberam cartas de despejo - porque o proprietário queria fazer obras ou aumentar a renda - e nas situações em que não conseguiram chegar a acordo, fecharam a atividade e viram-se obrigadas a indemnizar os trabalhadores com valores incomportáveis para muitos, explica Nuno Camilo. "Havia empresas em que a indemnização que iam receber do senhorio para irem embora não dava para pagar a um colaborador", acrescenta.

Nuno Camilo refere que, enquanto Associação de Comerciantes do Porto, a instituição defende um regime de arrendamento comercial completamente autónomo, capaz de regular as relações entre o comerciante e o seu proprietário do imóvel e dar garantias aos investidores.

"Quando falamos em proteger o património imaterial e material das lojas, vulgo lojas históricas, nós não o conseguimos fazer de uma forma justa porque não temos nenhum mecanismo legal que possa regular e acima de tudo quantificar o valor patrimonial material e imaterial dessas lojas", entende o presidente da ACP. Segundo o dirigente, atualmente existem lojas no Porto que pagam 3 mil euros de renda por 100 metros quadrados.

"E agora nós vamos dividir estes 3 mil euros por cada metro quadrado e dizemos assim: "nem o McDonald’s paga isto no centro de Nova Iorque". Parece brincadeira, mas é assim. Face ao regime que temos, se não tivermos rapidamente uma alteração substantiva da legislação, vamos continuar a estrangular as empresas", alerta Nuno Camilo.

Segundo o presidente da Associação de Comerciantes, não é "aprazível" as empresas terem muitos custos voláteis" e que sendo o setor de atividade que emprega mais trabalhadores e que não teve grandes oscilações com o desemprego - "enquanto nós tivemos no setor da indústria taxas de emprego superiores a 15, 20% no setor do comércio não tivemos" -, o Governo e o poder legislativo deviam estar um "bocadinho mais atentos e [serem] mais cuidadosos" em relação a estes assuntos.. "Nós, de uma vez por todas, temos que perceber que o setor do comércio em Portugal emprega nada mais nada menos que aproximadamente 700 mil pessoas. Portanto, não estamos a falar de um setor qualquer, estamos a falar do maior setor em termos de contribuição para a segurança social", sublinha Nuno Camilo.

Nuno Camilo alerta que, ao contrário do setor do turismo que cresce por si, o setor do comércio precisa de mais incentivo e que a regulação é uma necessidade real.

"Regular no sentido de criar aqui algum equilíbrio. Incentivar a abertura de empresas do setor do comércio e não apoiar o investimento no turismo porque ele está a crescer organicamente, por si, enquanto o comércio tem aqui alguma dificuldade. E vemos hoje lojas na cidade do Porto em que as rendas subiram consideravelmente e, para ocupar esse espaço, só a restauração é que tem margens de lucro capaz de conseguir fazer face a esse tipo de arrendamento no que diz respeito ao seu volume de negócios", refere o presidente.

António Frias, presidente da Associação Nacional de Proprietários acredita que a crise do comércio tradicional se deve a "fatores sociais e económicos". "Portugal foi invadido por grandes cadeias de distribuição internacionais a que realmente nós não conseguimos resistir".

A crise das lojas mais tradicionais, que foram fechando um pouco por toda a cidade, deve-se "à lei da oferta e da procura". Para o presidente, as dificuldades que estes negócios enfrentam "não têm nada a ver com as leis das rendas".

AS PORTAS QUE FECHARAM

O fecho de muitas casas de comércio tradicional não se prendeu apenas com as transformações ou mudanças que este setor sofreu. Nuno Camilo indica que muitas casas fecharam porque, apesar de rentáveis, não tinham sucessores. Em certos casos, os filhos foram estudar para fora ou tiraram o curso numa área distinta do negócio da família ou simplesmente não quiseram seguir a atividade do comércio.

Outras "não foram capazes de ter uma lista de clientes com SMS, ter e-mails, de ter um atendimento personalizado, um produto que fosse suficientemente apelativo", refere Nuno Camilo.

Na opinião do dirigente, há lojas que se conseguem manter apenas, "como o aluno mediano, nunca passa de 10, safa-se, mas não é o aluno brilhante que teve 14, 15 ou 16. Claro que há muitas empresas no Porto que têm uma lógica de sobrevivência, infelizmente, não deram o salto, não tiveram a visão estratégica de conseguir subir e conseguir ir para mercados novos."

O dirigente alerta que atualmente no Porto existe um conjunto de novas empresas que abriram e que essas estão a "puxar aquelas que já estavam no mercado para, acima de tudo, darem o seu salto em termos de qualidade".

Através da constante resposta às necessidades do mercado ou da capacidade de inovação, existem lojas que sobrevivem e que continuam a lutar contra o tempo. Mas nem todas da mesma forma.

A tradição de alguns negócios torna-os uma forte referência na cidade e, consequentemente, "têm o seu segmento, a sua referência", diz Nuno Camilo. Para Nuno Camilo, no caso do comércio tradicional fora da baixa do Porto, este "tem respondido às necessidades, porque há um conjunto de lojas que estão a abrir fora do Porto centro".

O presidente não deixa de admitir que existe um "foco de pressão" no centro, que se verifica, por exemplo, pelo custo dos arrendamentos, mas que se começam a criar "centralidades novas".

TENDÊNCIA ATUAL

Depois de uns anos "cinzentos" para a cidade, com empresas fechadas e ruas abandonadas, o Porto "conseguiu reinventar-se". Com o turismo a "abrir uma nova janela de oportunidade", o número de postos de trabalho subiu, e com ele cresceu o número de filiados da Associação de Comerciantes.

Do Airbnb aos Tuc-tuc, do alojamento local à restauração, as novas realidades criadas no setor trouxeram com elas mais postos de trabalho e, consequentemente, maior poder de compra na cidade, na opinião de Nuno Camilo. "Houve um conjunto de pessoas que antes não tinham atividade e que passaram a ter ocupação", acrescenta.

A Invicta tem agora "um pulmão forte de um jovem", apesar de ainda ter muita margem para crescer. Nuno Camilo dá um exemplo: o turismo da saúde. Na opinião do presidente, o reconhecimento internacional na área da medicina coloca o Porto em vantagem face a alternativas no estrangeiro, colocando-se uma oportunidade de alcançar ainda mais visibilidade.

O segredo está em "partilhar sinergias com as outras regiões", tornando possível fazer do turismo um "património mundial".

O FUTURO

Nuno Camilo considera que a cidade do Porto "só tem sinais positivos e de esperança" para o comércio tradicional, no entanto, admite que do ponto de vista económico os problemas estruturais ainda continuam a existir.

"O setor do comércio tem uma particularidade muito grande: consegue adaptar-se uma vez que as empresas muitas vezes são familiares, consegue adaptar-se à realidade. Nas empresas familiares não há obrigatoriedade de chegar ao fim do mês e pagar os vencimentos na totalidade. Consegue-se dizer ao filho, à nora, a um funcionário que já trabalha lá há 20 anos ‘eu vou-me atrasar dois dias ou três, mas toma lá algum adiantado’". Isto é um misto de fraqueza, do ponto de vista económico das empresas, mas do ponto de vista da sua sobrevivência é uma força porque faz com que elas consigam estas subidas e descidas do mercado", explica Nuno Camilo. O presidente da Associação de Comerciantes do Porto acredita que hoje as pessoas voltaram a ter o hábito de fazer compras no Porto e que a cidade vai continuar a crescer.

PORTO DE TRADIÇÃO

Tal como acontece em Lisboa, o Porto passou, a partir deste ano, a ter um programa que tem por objetivo proteger "estabelecimentos históricos que sofrem com a pressão turística e a própria pressão da cidade", como explicou ao JPN o vereador Manuel Aranha, que tutela justamente as duas pastas: Comércio e Turismo.

Manuel Aranha

Numa fase inicial, a autarquia criou um grupo de trabalho multidisciplinar com a missão de definir e identificar critérios de seleção dos estabelecimentos. Foram consideradas nessa fase somente lojas com mais de 50 anos e contemplados um total de 83 estabelecimentos.

Desse primeiro lote já são conhecidas as primeiras 37 lojas escolhidas para receberem o selo do "Porto com Tradição" - das excluídas houve algumas que o foram por não apresentaram documentação outras que preferiram não entrar no programa.

O programa está em discussão pública até agosto, tendo em vista a receção de contribuições da sociedade civil e de outros interessados, para depois se proceder à elaboração do regulamento final, o qual ainda será votado pelo Executivo Camarário. Depois de aprovado esse regulamento, todas as lojas da cidade que considerem reunir as condições definidas pelo regulamento, podem candidatar-se ao programa.

O principal benefício de integrar o "Porto com Tradição" para estas lojas passa pela divulgação dos estabelecimentos. "A palavra tem muito poder naquilo que é a reação das pessoas a certos fenómenos", garante o vereador.

As 37 lojas contempladas nesta primeira fase foram: A Favorita do Bolhão, A Sementeira, Alcino Ourives, Arcádia, Armazém dos Linhos, Armazém Cunha, Bazar Paris, Bernardino Francisco Guimarães, Café Guarany, Café Piolho, Casa Aleixo, Casa Alvão, Casa Coração de Jesus, Casa Crocodilo, Casa dos Forros, Casa Hortícola, Casa Januário, Drogaria Louzada, Escovaria de Belomonte, Farmácia Lemos, Farmácia Vitália, Livraria Académica, Livraria Lello, LMR Lda - Fábrica das Velas, London Style, Machado Joalheiros, Majestic Café, Mármores e Granitos Felisberto, Marmorista Indusrial, O Cafézeiro, Ourivesaria Coutinho, Ourivesaria Eduardo Carneiro, Ourivesaria Luís Ferreira, Padaria Ribeiro, Papelaria Modelo, Restaurante Regaleira e Vidraria Fonseca.


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Créditos

Reportagem

Beatriz Carneiro
Teresa Cunha Pinto
Inês Viana
Mariana Calisto
Vanda Pinto

Produção Multimédia

Pedro Candeias
Ana Reis

Coordenação Editorial

Filipa Silva
Rita Neves Costa

Coordenação Geral

Isabel Reis

Apoio

U.Porto Media Innovation Labs