Se no quadro masculino Portugal é campeão europeu de futebol, no feminino a situação inverte-se. 2017 marcou a primeira presença lusa feminina na maior prova de seleções do Velho Continente. O culminar de tal feito encontra a sua génese nas camadas mais jovens e o futebol universitário é um dos culpados.
As comitivas femininas em prova deram as mãos às Universidades de Évora e Católica Portuguesa-Centro Regional do Porto no salto para os quartos-de-final. Se a Universidade do Porto (UP) foi campeã do Europeu Universitário de 2015, na Croácia, o plantel do Instituto Politécnico do Porto (IPP) suja as chuteiras pela primeira vez em competições internacionais. A fase de grupos chegou a assustar, mas a sorte e o engenho sorriu às jogadoras. Os pés estiveram assentes nos relvados, mesmo se ao longo do ano correm entre exames, estágios e vida social.

“Temos a raça que os portugueses sempre têm”

Atuais campeãs nacionais de futebol feminino universitário, Sofia Rios é a capitã de uma tripulação em busca de metal precioso. Sem esconder a ambição do grupo, a líder da equipa da UP aponta ao pódio na 12ª edição do Campeonato Europeu Universitário de futebol: “Nós gostávamos de alcançar uma medalha. Já fomos campeãs da Europa, foi um ano que correu muito bem, mas antes disso tínhamos resultados do meio da tabela. Por isso, este ano, se conseguíssemos uma medalha era muito bom”. Depois de uma derrota inicial com a Norwegian School of Economics, a goleada frente à Universidade de Berna deu o bilhete de passagem à fase seguinte da competição, na qual se desenha um embate com a Universidade de Toulouse. Apesar do poder físico reinar nas adversárias, Sofia sublinha a capacidade técnica do conjunto portuense, movido pela “raça que os portugueses sempre têm”.

Plantel: Alexa Cordero, Marisa Figueiredo, Fátima Rocha, Sofia Rios, Inês Carvalho, Catarina Silva, Maria Cardoso, Orlanda Sousa, Cláudia Calçada, Márcia Ferreira, Margarida Machado e Joana Moreira

O embarque nesta viagem, apesar do bom vento, conheceu algumas tormentas. Sofia corrobora a dificuldade em conciliar estudos com o futebol, principalmente em épocas de exame. “Em janeiro é complicado gerir tudo, porque além de exames e treinos temos vida social”. Assim concorda o responsável pela equipa, Carlos Nascimento: “A dificuldade pode ser sempre, em primeiro lugar, a vida pessoal das atletas, num momento em que algumas ainda estão a trabalhar. Principalmente a nível de horários de treino e jogos. Às vezes é muito complicado: muitas trabalham e fazem o esforço de agilizar os seus horários nas empresas; outras, em período letivo, não podem faltar às aulas”.

Ambos acabam por salientar a vontade como o motor essencial na ultrapassagem destes obstáculos, mas há limitações que não podem ser contornadas. Rute Costa, guardiã da UP e atleta federada pelo Sporting de Braga, é uma das baixas. Essencialmente pelos melhores motivos: é a terceira escolha de Francisco Neto para a baliza da seleção nacional feminina, que por estes dias escreve história nos Países Baixos. “Duas das nossas atletas estavam na convocatória. Uma delas é guarda-redes, a outra joga no meio-campo. Entretanto, infelizmente, sofreu uma lesão no estágio e teve que regressar a Portugal. Com certeza que são baixas importantes na equipa [da UP]”, constata a capitã.

Para Carlos Nascimento, o desporto universitário português tem originado “grandes progressos”. Foto: Pedro Valente Lima

Apesar destas dificuldades, Sofia Rios garante que a Universidade do Porto tem dado apoio ao projeto da equipa feminina. O estatuto estudante-atleta confere às jogadoras condições extraordinárias, como a possibilidade de realizar exames em épocas especiais. Tudo para aumentar o foco com a bola nos pés. “Cada vez mais as universidades percebem perfeitamente a importância do desporto universitário. No caso dos alunos da UP conseguem ainda mais facilitar esse processo”, confirma o dirigente da comitiva que representa a maior faculdade do país.

Sofia Rios espreita o olhar à conquista de medalhas no Europeu Universitário. Foto: Pedro Valente Lima

A modalidade navega para bom porto, mas ainda existem tormentas a desmistificar. Sofia aponta o dedo às díspares apostas nos quadros masculino e feminino: “Os clubes grandes que já existem não disponibilizam os apoios que dão ao [setor] masculino. Qualquer clube distrital ou sénior da terceira [divisão] nacional recebe ajudas de custo. Na maior parte deles, as raparigas jogam por amor à camisola, excetuando alguns casos ou algumas equipas que recebem mais”, destaca. A jogadora disputa futebol federado há sete anos e reivindica uma maior valorização da variante feminina, que ainda devaneia pelas marés da precariedade: “Financeiramente, é preciso apostas. Começa a haver muita gente com formação, mas acaba por sair da área, porque não consegue viver disto”.

“Não nos podemos comparar com algumas equipas que aqui estão”

Marcela Gomes é a guia de um grupo que ainda se está a conhecer. Nada que impeça a capitã do IPP de assegurar que a equipa está preparada para os desafios nunca antes experimentados das competições europeias. “Começámos a treinar há um mês atrás. Vamos ver o que podemos fazer. A verdade é que estamos com espírito de equipa, unidas, e queremos levar isto a sério e honrar a camisola e a instituição”, aponta.
Anthony Silva alcançou o objetivo de “passar à próxima fase”. O treinador da segunda classificada do Campeonato Nacional Universitário de futebol feminino pretende “mostrar a qualidade” das suas jogadoras. Com um empate frente à Universidade de Bochum e uma goleada sofrida frente aos gauleses do Montpellier, a diferença de golos acabou por resgatar a comitiva lusa. A qualidade das equipas estrangeiras, porém, é motivação para chegar mais longe na prova: “Temos jogadoras de futsal e futebol, algumas em clubes de bom nível da primeira divisão nacional. Não nos podemos comparar com algumas equipas que aqui estão, que têm jogadoras profissionais, com contratos profissionais a jogar em ligas profissionais. Mas temos um grupo coeso, com um espírito de união muito forte e espírito de entreajuda muito grande e, só por aí, a equipa pode surpreender”, aferiu o treinador.
Dos campeonatos nacionais para cá, muita coisa mudou. “Houve uma reestruturação da metodologia de treino que não existia anteriormente. Foram estruturados três treinos semanais e jogos de preparação, tanto nos complexos desportivos do IPP como da UP, junto da sua equipa. Nem sempre foi possível fazê-los todos, mas fomos crescendo a nível de ambição e de jogo”, revela o técnico.
Plantel: Sofia Martins, Ivone Calado, Sara Pinheiro, Leandra Pereira, Rita Lima, Ângela Vaz, Jénifer Costa, Ana Rita Alves, Marcela Gomes, Bruna Pereira, Mafalda Oliveira, Raquel Gomes e Diana Alves
Contudo, a um mês do início da competição, o plantel do Instituto Politécnico do Porto mostrava mais inseguranças que certezas. De acordo com a capitã, a época de avaliações impedia sucessivos treinos na máxima força. “Muitas jogadoras, como ainda estávamos em tempo de faculdade, tinham exames e, portanto, não conseguíamos ter o plantel completo nos treinos. Quando terminou essa fase, nós juntámo-nos e a partir daí saiu tudo bem”, conta Marcela.
Dores de cabeça ao conciliar arte e engenho, futebol e estudos. Problemas que Anthony teve de suplantar, na seleção das atletas e na construção de um “grupo que estivesse pronto a disputar uma competição destas”. Bruno Nunes, delegado da equipa, exemplifica: “Algumas atletas tiveram que desistir da competição devido aos trabalhos. Era difícil conciliar com o campeonato. Bastava um ou dois dias para não ser possível estarem aqui a semana completa. Outras pediram licença de estágio ou estão de férias escolares”, lamenta.

Bruno Nunes, Marcela Gomes e Anthony Silva são o rosto do anfitrião do torneio feminino do Europeu Universitário. Foto: Ricardo T. Ferreira

Marcela começou a dar os primeiros toques na bola com cerca de 15 anos, no clube da escola, em Gervide, Vila Nova de Gaia. Do futsal transitou para os relvados, envergando camisolas de Salgueiros, Boavista e Leixões. Retornou às quadras, antes de ingressar na equipa universitária e partilhar o balneário com atletas federadas. Perante tanto contacto feito no mundo da bola, a lista telefónica acabou por ser salva-vidas da ambição do plantel portuense. Na falta de atletas, o mecanismo de chamadas entrava em ação, para colmatar lacunas em determinadas posições. “As atletas conheciam outras jogadoras que podiam treinar connosco e juntar-se à equipa. Tornaram-se uma mais-valia”, lembra Bruno.
Seja como for, o futebol universitário precisa de uma rampa de lançamento. Anthony confere os lugares de topo às equipas russas, alemãs e francesas, “as que mais se destacam no futebol universitário e talvez as que mais se destacam a nível europeu”. Já Bruno Nunes enfatiza uma possível desvalorização da modalidade pelas universidades portuguesas. O delegado elogia o exemplo do IPP, o qual “dá dispensas e ajudas para participar nos jogos”, mas tal não perfaz a norma do quadro universitário português. “Se todas contribuíssem nesse âmbito, ajudaria a evoluir”, conclui.
Aos poucos, o futebol feminino vai caminhando de braço dado com o desporto universitário. As atletas, face a uma modalidade ainda a fazer os seus primeiros voos, enxergam o futebol universitário como uma forma de progredir nos estudos e expandir os horizontes e ambições do projeto de futebol feminino português. Universidade do Porto e Instituto Politécnico são exemplo de todos os esforços realizados no casamento entre os percursos académico e desportivo. Por agora, ambas desfrutam de um dia descanso, antes de medirem forças com as francesas de Toulouse e as espanholas de Valência.