Divorciados com os golos e encaixados numa luta sôfrega por pontos, Vitória SC e Boavista, duas das principais revelações de 2016/17, não arrancaram bem a temporada. Vários escorregões motivaram contratações cirúrgicas nas derradeiras horas do mercado. Os vitorianos foram buscar mais artilharia e socorreram-se dela para voltar a festejar no campeonato.

Louros para Sebastián Rincón. O dianteiro colombiano coroou os primeiros minutos pelos vitorianos com um desvio subtil na pequena área, já dentro da meia hora final, no encontro que opôs as duas equipas este domingo. Três pontos para os vimaranenses, duas vitórias caseiras e uma moral renovada antes das lutas europeias. Para já, Guimarães pôde encher o peito e levantar voo na classificação nacional. Tudo às custas de um Boavista que teima em preferir o espaço sobre a bola.

Sem mobilidade é difícil assustar

Por norma, este é um dos clássicos mais efervescentes do futebol português. A postura agressiva dentro das quatro linhas costuma salientar emoções e inflamar bancadas. Desta vez, saiu tudo ao contrário. Vitorianos e axadrezados, cada um à sua maneira, não justificaram grandes elogios ao longo da partida.

Perante uma pantera hirta cá atrás, o conjunto de Guimarães foi convidado a quebrar a rigidez lá na frente. Só que construção rasteira não teve eficácia, fruto das mudanças sem fim no alinhamento de Pedro Martins – só sobreviveram quatro ao nulo em Paços de Ferreira, por entre as estreias dos reforços Victor García, Wakaso e Rincón.

Ora, os médios raramente conseguiram pôr a bola a circular. Safou-se a clarividência repentina de Kiko. Alguns metros adiante, Sturgeon namorava os centrais boavisteiros e Raphinha não encontrava espaço para explodir. O fraco entrosamento coletivo afetou a criatividade individual, sem que Vagner desse por nada.

Ironia do destino, foi o Boavista a gerar os primeiros calafrios no anfiteatro do rei. Perto do quarto de hora, só faltou força na cabeça de Sparagna para agitar o marcador. 15 minutos depois, Talocha obrigou Douglas a misturar agilidade com reflexos, numa jogada nascida no trote de Kuca pela esquerda.

Mas com criativos tudo simplifica

À falta de magia, responde-se com rasgo. Pedro Martins percebeu a máxima ao intervalo e colocou Hurtado nas costas de Rafael Martins. Mesmo sem brilhantismo, foi outra loiça. O Vitória ganhou mais velocidade no passe e capacidade para desequilibrar entre linhas, tendo no internacional peruano um definidor de ritmos. Kiko ainda experimentou a meia distância, antes de Renato Santos obrigar a nova estirada de Douglas. Mas foi à boleia dos sul-americanos de tração ofensiva que os vimaranenses iriam festejar.

Aos 65’, Seba Rincón deu um pontapé na monotonia. Uma série de triangulações pela esquerda deixou a bola nos pés de Rapinha, que leu a desmarcação do colombiano e tirou uma assistência rasteira na medida certa. Um misto de rapidez intelectual e velocidade de pernas, que deixou Vagner sem reação. Estreia em cheio para o ex-atleta do Tigre argentino, filho de Freddy Rincón, uma das maiores figuras do futebol colombiano. Três jogos depois, a equipa de Guimarães voltava a faturar.

O Boavista respondeu com mais coração que outro condimento. Apostou as fichas todas nas bolas paradas, mas nunca conseguiu fazer a diferença no último reduto vitoriano. Gilson, principal novidade no onze de Miguel Leal, decaiu de produção. E nem o arejo de homens atacantes nos últimos instantes mudou o figurino.

Por momentos, os sorrisos voltam ao castelo. Os vimaranenses não ganhavam desde a primeira jornada, mas lá saíram do clássico com os três pontos no bolso e uma injeção de confiança para a série que se avizinha: duelo europeu frente ao Red Bull Salzburgo, antes do dérbi minhoto com o Sporting de Braga.

Perder diante de um rival tem impactos redobrados. O Boavista caminha em terrenos perigosos. Saiu da Taça da Liga à primeira oportunidade e já esbanjou os créditos adquiridos na jornada anterior frente ao Desportivo das Aves. Segue-se a receção ao Benfica.

“Quem tiver medo da pressão, compra uma panela”

Miguel Leal saiu mais uma vez derrotado, mas convicto de que a pantera vai reencontrar o trilho dos pontos. “Ninguém fica contente por perder, mas a equipa ficou mais próxima do que quero para fazer um campeonato tranquilo. É este o caminho, temos de pensar como é que podemos arranjar soluções”, avaliou na sala de imprensa.

Sobre o jogo, o técnico axadrezado lamentou as falhas que têm abalado a sua defesa. “Conseguimos dar consistência no meio-campo e ter as linhas mais juntas. Fomos fazendo bem o nosso papel e aqui e ali destabilizando o adversário. Se calhar o Vitória não teve oportunidades antes do golo. Estávamos a controlar o jogo, mas infelizmente estamos numa fase em que sempre cometemos um erro sofremos um golo”.

Mesmo com três pontos conquistados em quinze possíveis, Miguel Leal acredita que é demasiado cedo para deitar a toalha ao chão. “Neste jogo quem fizesse um golo ganhava. Não tivemos sorte, mas são fases e isto vai passar. Quem tiver medo da pressão, compra uma panela. Sei o trabalho que faço e para onde quero ir”, afirmou.

“Fizemos um jogo muito inteligente, fomos pacientes”

Já Pedro Martins considerou que o triunfo valoriza a produção vimaranense ao longo da partida. “Fizemos um jogo muito inteligente, fomos pacientes. O adversário quis jogar com o nosso estado anímico, mas nunca perdemos o controlo. Acho que é uma vitória justa, inteligente e de acordo com o que se nos apresentava. A equipa esteve unida. Hoje foi a demonstração que há compromisso e estamos no rumo certo. [Os jogadores] Fizeram na perfeição o que era pedido”, apontou em conferência de imprensa o técnico do Vitória SC, sublinhando o peso do duelo com os axadrezados.

“Não há jogos fáceis. Vejam o que aconteceu com os candidatos ao título [Benfica e Sporting suaram para vencer nesta ronda]. Ainda para mais este era um jogo com circunstâncias especiais, também pelo que vínhamos a passar. Sabíamos o quanto era importante vencer este jogo. O público também foi importante. Perceberam o momento que atravessamos, as circunstâncias do jogo, mas foi paciente e ajudou”, disse.

Questionado sobre as diversas mudanças no alinhamento inicial, Pedro Martins preferiu destacar a evolução dos comportamentos coletivos da sua equipa. “Temos um campeonato longo pela frente, muitas competições e toda a gente vai estar a um bom nível para servir este clube. A equipa está a tornar-se cada vez mais forte. Achei que estes eram os 14 mais importantes para este jogo, no próximo jogo poderão ser outros. Todos têm qualidade e estão a lutar pelo lugar”, terminou.