Inês Caramelo é estudante do ensino superior. Está deslocada da zona onde está recenseada mas não quis deixar de exercer o direito ao voto nas eleições autárquicas deste ano.
Natural do Montijo, a jovem, que integra o mestrado em Bioquímica na Universidade de Aveiro (UA), admite que o processo, por apresentar algumas dificuldades burocráticas, pode potenciar a abstenção, embora acredite que existe um desinteresse generalizado para com o ato eleitoral.

A estudante considera que a informação disponível sobre o voto antecipado é veiculada de forma deficitária pelas câmaras municipais e juntas de freguesias, pelos órgãos de comunicação social locais e nacionais, bem como pelas próprias universidades. “Acho que isso não está nada divulgado. Há pessoas que gostariam de votar e que não o fazem porque não têm essa informação”, observa Inês.

Também Diogo Silva pediu, pela primeira vez, para votar antecipadamente. Natural do Caniço, na Madeira, o estudante de Solicitadoria no Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Coimbra (ISCAC) concorda que é preciso algum esforço para chegar à informação. “Não acho que haja uma divulgação muito informativa, ou seja, que chame a atenção”, afirma.

Natacha estuda no Porto e queria ter votado para a sua câmara, na Madeira.

Natacha estuda no Porto e queria ter votado para a sua câmara, na Madeira. Foto: Bruna Sousa

Já Natacha Rebeca, estudante de Ciências da Comunicação da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, também natural da Madeira, soube através da página de Facebook de outra câmara municipal que não a sua que podia usufruir do voto antecipado.

Motivada por uma forte convicção política no movimento que foi eleito pela primeira vez em 2013 para a Câmara Municipal de Santa Cruz, de onde é natural, Natacha sentiu que não podia faltar com o seu voto.

Mas todo o processo não foi fácil. A estudante diz ter enviado dentro do prazo o requerimento e a documentação necessária – cópia do cartão de cidadão, cópia do cartão de eleitor e um documento comprovativo de que é estudante na FLUP – para a câmara municipal de residência.

Já a resposta – três boletins de voto (para a Assembleia Municipal, Câmara Municipal e Junta de Freguesia) e dois envelopes, além da documentação enviada – devia ter chegado até dia 14 de setembro, mas segundo a estudante veio depois, fora do prazo estabelecido por lei.

De acordo com o calendário estipulado, o preenchimento dos boletins devia ter sido feito entre 18 e 21 de setembro, na FLUP, na presença do presidente da câmara da sua área de residência ou de um seu representante. Mas tal nunca chegou a acontecer. “Pelo que eu sei, tinha de estar presente uma pessoa da câmara municipal, mas eu não soube de nada. Não fui contactada e avisada para nada.”

Ainda assim, enviou o voto para a Câmara Municipal de Santa Cruz por correio. Como não foi lacrado nem assinado pelo eleitor e pelo representante da câmara, o expectável é que não seja validado.

Pela lei, é dever do presidente da câmara ou de quem o substitua entregar ao eleitor um recibo comprovativo do exercício do direito de voto e caber-lhe-ia enviar o envelope azul, pelo seguro do correio, à mesa da assembleia de voto do eleitor, ao cuidado da respetiva junta de freguesia, até 27 de setembro, o que não chegou a acontecer.

O namorado de Natacha também estuda no continente mas, ao contrário dela, não pediu para votar antecipadamente, nem mesmo “com um tio na política”, como nos conta. “Dá-nos muito trabalho. É desnecessário. Depois há estes problemas. Não é prático”, afiança.

Já Diogo Silva partilha a casa, em Coimbra, com outros madeirenses, que também não tiveram a “preocupação” de votar antecipadamente porque, explica, desconheciam ser possível fazê-lo. Apesar de não ter tido problemas com todo o processo, os amigos não tiveram a mesma sorte. Quando tomaram conhecimento de que o poderiam fazer, já os prazos haviam terminado.

A duração dos prazos para pedir o voto antecipado são, aliás, uma das críticas apontadas pelos jovens como justificação para não aderir à participação democrática. Diogo diz que as datas são “restritas” e “que os prazos que estão a dar são muito curtos”: “Nós precisamos de apresentar um documento comprovativo de que estamos matriculados e o resultado das colocações sai muito tarde e em cima da hora. Eu, por acaso, fiz tudo a correr para ter acesso ao voto antecipado”, conta.

Prazos apertados ou impossíveis

Segundo o Portal do Eleitor, o estudante precisava de requerer, via postal ou eletronicamente, a documentação necessária para votar até ao dia 11 de setembro. Caso esta fosse a primeira vez do estudante no ensino superior, e tendo a divulgação dos resultados da primeira fase de acesso lugar a 10 de setembro, o requerente só teria a hipótese de fazê-lo um dia antes do término do prazo.

Para os estudante que tenham entrado na segunda fase de acesso ao ensino superior o voto antecipado é mesmo um impossibilidade uma vez que os resultados só sairam a 28 de setembro.

Apesar da “burocracia”, Inês considera que o modelo de voto antecipado em vigor funciona bem, mas sugere alternativas para simplificar o processo, como a criação de um endereço de correio eletrónico para o efeito. Também Natacha defende a criação de um “sítio online” onde fosse possível efetuar a votação, para que não haja a possibilidade, por exemplo, do “voto ser extraviado.”

E vai mais longe. “Eles [as universidades] sabem quais são os estudantes que são na Madeira, dos Açores, seja onde for. É pegar numa hora ou duas e contactar os estudantes e explicar qual é o processo para votar. Ou então fazer algo mais geral, através dos meios de comunicação, porque isso não foi divulgado na televisão. Eu, pelo menos, não vi, e eu vejo sempre as notícias”, conclui.

Para além dos estudantes, a legislação portuguesa contempla a possibilidade de voto antecipado aos doentes internados, presos não privados de direitos políticos e outros eleitores que por motivos profissionais não possam votar no dia das eleições.

Segundo um relatório divulgado na semana passada pela Comissão Nacional de Eleições (CNE), até ao dia 21 de setembro foram registados 442 pedidos de informação referentes ao voto antecipado.

O que também tentamos saber foi quantos estudantes usaram o voto antecipado em anteriores eleições. Como o processo é gerido por diferentes entidades consoante o grupo – no caso do voto dos estudantes os dados são das câmaras municipais; no caso da população prisional está com os estabelecimentos prisionais – nem a Comissão Nacional de Eleições, nem a Direção-Geral da Administração Interna têm números nacionais para dar sobre a matéria.

Mas os números são certamente baixos. Na Câmara Municipal do Porto, a título de exemplo, apenas 26 estudantes solicitaram o voto antecipado no ano passado para a eleição do Presidente da República. Em 2015, 33 estudantes fizeram o mesmo nas Legislativas. Em 2014, 30 estudantes votaram de forma antecipada para o Parlamento Europeu, tantos quantos os que votaram no ano anterior, em 2013, nas últimas Autárquicas.

O JPN tentou contactar a secretária de Estado adjunta e da Administração Interna, Isabel Oneto, para perceber se o Governo considera que o modelo atual de voto antecipado é o mais adequado ou se podia ser melhorado mas, até ao momento, não obteve resposta.

Artigo editado por Filipa Silva