Um folheto dá o mote: “O que é estar dentro e estar fora de uma ilha? Como é viver num espaço onde as janelas se abrem para muros e as vidas se tecem em arquipélagos de corredores estreitos? Que memórias perduram inscritas nas pessoas e nas paredes das casas? Onde nos cruzamos nesta cidade feita nas ilhas – Casa e Ilhas – Pessoas?”

“Ilha” é uma exposição organizada pelo Centro Português de Fotografia e pela Rede Inducar, que se associou ao fotojornalista Paulo Pimenta, a cara da iniciativa.

À conversa com Patrícia Costa, uma das formadoras da Rede, o projeto é desvendado passo a passo: “A Inducar é uma cooperativa na área da educação e formação e desenvolvemos diferentes projetos e iniciativas. Um deles é este, o Retratos das Ilhas, que teve início em janeiro de 2016″.

Financiado pela Fundação Calouste Gulbenkian através da PARTIS (Práticas Artísticas para a Inclusão Social) “este é um projeto de dinamização comunitária que engloba o teatro e a fotografia e tem por objetivo o conhecimento das ilhas: falar sobre as ilhas do Porto, que ainda existem muitas, e sobre o que está nelas a acontecer, quem é que lá vive e o que é que ainda faz mover as ilhas do Porto”. 

Sobre a parceria artística com o fotojornalista, Patrícia Costa sublinha que “a Inducar é uma associação que trabalha na área da Educação, não tendo qualquer experiência na área artística”. “Portanto, tínhamos que nos ligar a quem podia efetivamente fazer este trabalho e o Paulo Pimenta e a PELE – cada um nas suas áreas [teatro e fotografia, respetivamente] – seriam as pessoas e as entidades fundamentais para depois desenvolvermos o projeto em conjunto”, refere Patrícia Costa.

Paulo Pimenta, fotojornalista do Público há cerca de 20 anos, aceitou o convite em 2016, quando o projeto começou a ser construído em parceria com a Inducar e a ser talhado para os mais novos e os mais velhos – visto que barreiras etárias não existem neste âmbito.

“O saber esperar. O saber esperar, porque hoje em dia as pessoas não esperam.”

“De um momento para o outro estavas à frente de 20 putos, todos eles tendo de ser organizados e disciplinados, porque nem todos têm a máquina, porque o rolo tem que ser dividido e porque era só para fotografar cinco momentos: portanto o rolo tinha que dar para quatro miúdos”, explica Paulo Pimenta que durante meses foi tutor não só de crianças mas também de adultos.

“O objetivo principal era mesmo o foco e a disciplina, porque vivemos numa era em que se vive ao segundo: toda a gente dispara, e vê-se mais pelo telemóvel do que se vê ao natural. E o analógico – a película – era um desafio para te obrigar também a pensar antes de disparares, porque sabias que só tinhas cinco momentos. E o saber esperar. O saber esperar, porque hoje em dia as pessoas não esperam”, observa. Isto tudo com crianças de idades compreendidas entre os sete e os 16 anos.

Os cinco disparos de cada pequeno-fotógrafo foram posteriormente revelados em papel 10×15. Cada um podia escolher uma e sobre ela teve de escrever uma pequena memória. “Há histórias fantásticas das imagens que eles escolheram. Há uma que é: ‘eu fotografei a minha melhor amiga na porta, no sítio onde ela mora, porque de facto o mais importante para mim é ter o registo da minha melhor amiga’. Ou com os seniores, como aconteceu com uma senhora, que escolheu a imagem de uma praia, uma coisa que em 50 anos nunca fotografou. Uma das imagens mais emblemáticas para ela é a praia onde vai há 50 anos, onde já vai com a filha e depois vai com os netos – e regista isso. São coisas fantásticas e mágicas”.

Depois de seniores e crianças selecionarem as suas fotografias, o passo seguinte passava por escreverem uma breve memória descritiva acerca da mesma. Foto: Miguel Ângelo Afonso

De tons cinzas com pretos e brancos a contrastar, o tom e as cores das fotografias foram pensados para provocar, uma vez que na idade do digital os tons neutros têm vida difícil: “é um bocado trabalhar isso: uns já viveram na altura do preto e branco, e depois há este lado dos miúdos viverem um mundo a preto e branco quando se vive todos os dias a cores com o telemóvel ou com outras coisas quaisquer”.
A exposição reúne, assim, o trabalho do fotojornalista e o de muitos outros habitantes das ilhas do Porto, juntamente com vídeo e cenas de uma peça de teatro criada também no âmbito do projeto.
“Há imagens que eu fico assim: ‘fogo, eu não fiz esta imagem’, mas estava lá a direcionar. Não há uma grande diferença, está tudo equilibrado: o meu trabalho, o trabalho dos miúdos e o dos seniores… E isso é muito bonito, porque de facto é sinal que a mensagem passou”, sublinha Paulo Pimenta. 

“Num dia destes, se quiser memórias de determinadas coisas só tenho as fachadas.”

Sobre as ilhas do Porto, Paulo Pimenta relembra que noutra altura já tinha feito um  outro trabalho relacionado com “situações de pobreza no limite” nestes espaços: “foi uma atitude de alerta, de denúncia, de usar a fotografia como mensagem para não se mudar o mundo, mas se calhar mudar uma vírgula – o que faz toda a diferença”.

O objetivo da exposição “Ilha” passa então por discutir a questão na “praça pública”, uma vez que o assunto não diz só respeito aos moradores destes complexos habitacionais: “é um alerta geral para a cidade”, remata.
“Num dia destes, se quiser memórias de determinadas coisas só tenho as fachadas. Quando vou de férias a países, eu também gosto de ver as raízes e os sítios históricos que existem, não transformados em ‘gourmets’ ou em vendas de recordações, mas ir as sítios e beber um café num estabelecimento que ainda continua desde o início do século XX ou XIX. E isso aqui está-se a transformar cada vez mais: está a desaparecer essa história que temos no Porto e em Lisboa”, comenta o fotojornalista.

Patrícia Costa adiciona ainda que no momento em que o projeto Inducar fez a sua candidatura à PARTIS, um estudo da Câmara do Porto indicava a existência de cerca de 957 ilhas, onde mais de 10 mil pessoas habitavam. Agora, refere que se o estudo voltasse a ser feito os “números seriam completamente diferentes, porque poderão existir o mesmo número de ilhas, mas talvez habitadas por turistas ou estrangeiros que vêm para o Porto”.

“O fotojornalismo tem esta parte que é informar, denunciar, trabalhar e estar atento às coisas que estão a acontecer.”

Sobre o que ficou, Paulo Pimenta diz que as histórias o marcam sempre: “perceberes que com simples gestos, com simples atitudes, tu podes aprender e fazer com que os outros aprendam e vivam as coisas de um maneira diferente daquela que até ali tinham vivido – e vice-versa”.
O fotojornalista assume a sua ligação emocional com as pessoas que todos os dias cruzam a sua lente: “fotografar é o que eu mais gosto de fazer e o que respiro”. “Dá-me essa coisa de ainda ter uma ferramenta que me faça utilizar ao máximo… Porque de facto nestas situações – principalmente nesta parte mais social – é óbvio que me ligo muito às pessoas, porque também estou ali a viver e porque estou ali a tentar ver se posso fazer alguma coisa por elas e por mim próprio.”
“O fotojornalismo tem esta parte que é informar, denunciar, trabalhar e estar atento às coisas que estão a acontecer. E não é o fotojornalismo: são os fotógrafos, os jornalistas que têm a obrigação de estar atentos – é essa a minha obrigação: estar atento comigo próprio, com a sociedade, com aquilo que me incomoda, com aquilo que está a acontecer. Porque estás nesse meio – da notícia, do jornalismo -, e tens de continuar a lutar para que a tua utilidade seja importante em todos os casos, em todas as ocasiões. Estás a dar a notícia, está a fazer a reportagem, está a viver, a sentir… Tens a obrigação de mostrar”, conclui o fotojornalista.

A exposição de fotografia, feita em “trabalho direto” com a associação O Meu Lugar no Mundo e o Centro Social do Bonfim (cada uma dedicada a duas faixas etárias diferentes), abriu ao público no sábado e está patente até 25 de março do próximo ano. Pode ser visitada de forma gratuita consoante o horário disponibilizado pelo Centro Português de Fotografia.

Artigo editado por Filipa Silva

Artigo corrigido às 13h50. A exposição reúne fotografias do fotojornalista Paulo Pimenta e ainda de crianças da associação O Meu Lugar no Mundo e de seniores do Centro de Dia do Senhor do Bonfim e não por moradores de ilhas como, em sentido amplo, se referia no lead.