Regressada há quatro anos à Invicta, é Diretora de Informação do maior canal regional com cobertura nacional do país há três, depois de passar por redações em vários pontos do território.

Ana Guedes Rodrigues, que se formou em Ciências da Comunicação na Universidade do Porto, recebeu o JPN na redação principal da sede do Porto Canal, em Matosinhos. Num registo descontraído, a jornalista falou-nos do desafio que é dirigir pessoas, do projeto de modernização do canal portuense e do que é ser jornalista.

JPN: Esteve em Lisboa, no Algarve e regressou, há três anos, à sua terra natal para dirigir a informação do Porto Canal, cuja fundação foi por si acompanhada. Que novos desafios trouxe este cargo?
Ana Guedes Rodrigues: Do ponto de vista pessoal, desafios gigantes. Eu sempre disse toda a minha vida que não queria cargos de direção, não queria nunca mandar em pessoas e achei que iria ser uma nódoa nesta tarefa. Mas às vezes a vida prega-nos partidas e surpresas, umas mais agradáveis, outras nem tanto, umas que são desafios muito grandes, outras que são mais fáceis. Encarei esta missão como um grande desafio, que só aceitei porque me foi lançado pelo Júlio Magalhães que é o meu padrinho de profissão, a pessoa que sempre apostou nas minhas capacidades e, portanto, não podia dizer que não. Tem sido uma aprendizagem constante, todos os dias.

Do ponto de vista pessoal, é muito difícil, porque implica uma grande dedicação, um grande empenho. Este é um cargo que, se por um lado nos permite gerir o nosso tempo, porque não temos um horário certo, por outro lado não dá para desligar… É um cargo exigente. Do ponto de vista profissional, é uma aprendizagem constante, porque um canal de televisão não é estanque, está sempre a evoluir sem parar no tempo. Temos de estar sempre preparados para evoluir também e aceitar os desafios do futuro – e o futuro acontece todos os dias. O outro desafio ainda maior é gerir pessoas. Acho que esse é o maior desafio de qualquer diretor, o gerir pessoas: sentimentos, frustrações, egos… E acho que, para isso, nunca ninguém está preparado.

Em 2013 aceitou, então, o convite de Júlio Magalhães para reintegrar a equipa do canal nortenho. Sente que, no fundo, a sua casa sempre foi o Porto Canal?
O Porto, cidade, sempre foi a minha casa, por isso soube-me muito bem regressar ao Porto. Fiquei muito contente de saber que o Porto Canal ainda estava de portas abertas para mim porque quando saí daqui, ao fim de três anos de trabalho, não saí com qualquer tipo de ressentimento. Acabou por ser, sim, um regresso a casa porque reencontrei velhos amigos que estavam cá desde o início e porque me sinto muito confortável aqui: tratamo-nos todos por “tu”, é uma casa que conheço bem… É um regresso a casa, mas senti mais isso por ter voltado à minha cidade.

“Acho que esse é o maior desafio de qualquer diretor, o gerir pessoas: sentimentos, frustrações, egos…”

Como é, efetivamente, ser diretora de informação de um canal como o Porto Canal? Quantos profissionais tem ao seu dispor?
Aqui, na sede do Porto Canal, temos cerca de 15 jornalistas, e outros tantos repórteres de imagem, diariamente. Depois, temos sete delegações, portanto, ao todo, já temos uma equipa de trinta a quarenta pessoas. Não é, efetivamente, uma equipa pequena, mas acaba por ser em relação à quantidade de coisas que temos todos os dias para fazer. É uma equipa muito jovem, cheia de sangue na guelra, cheia de ideias novas, ainda com muita paixão pelo jornalismo.

Essas são as grandes vantagens de trabalhar com uma equipa jovem, mas depois há um lado não tão vantajoso, porque é uma equipa que ainda está a aprender, a evoluir e, por isso, implica que esteja mais atenta ao seu trabalho, sobretudo em reportagens mais complicadas, que implicam maior cuidado na linguagem. Sendo uma equipa muito jovem, é uma equipa com mais propensão para falhar. Mas, curiosamente, falham muito pouco. É jovem, mas muito responsável e com muito brio. Facilitam muito o meu trabalho sendo pessoas tão empenhadas.

Está à frente da área da informação do maior canal regional com cobertura nacional do país. O que diferencia o Porto Canal dos restantes, nomeadamente a nível informativo?
Praticamente tudo. O Porto Canal, sendo um canal por cabo sem concorrência direta, não trabalha para as audiências. Portanto, não sentimos essa pressão de dar às pessoas aquilo que mais vende: sangue, crime, sexo… Damos às pessoas aquilo que sentimos que efetivamente faz diferença e fazemos serviço público todos os dias. Diferenciamo-nos pela nossa forma de cobertura: todos os outros canais são feitos de Lisboa para o país, focando-se essencialmente sobre temas de Lisboa, vendo o resto do país como acessório. O Porto Canal é feito no Porto, para todo o país e para todo o mundo.

É aqui no Norte do país que está a nossa região de trabalho por excelência. Portanto, é sobre o Norte, e agora também sobre o centro, que nos debruçamos especialmente. E damos muita voz aos agentes políticos e económicos do norte do país, aqueles que, à partida, não têm voz nos outros canais. Levou quase 10 anos para as pessoas perceberem isto e agora esse trabalho já está consolidado, já se percebeu que, se há pessoas que querem ter uma voz que não é ouvida nos habituais veículos de transmissão, essa voz é ouvida no Porto Canal. Hoje temos um canal credível, de referência, que já é muito bem aceite por todo o país, sobretudo por pessoas do Norte, que se veem reconhecidas aqui.

Sente que o projeto editorial do Porto Canal se adequa às necessidades que o jornalismo hoje em dia exige?
Esse esforço é feito por nós diariamente e nunca o conseguimos atingir todos os dias da forma que gostaríamos, daí ser um desafio. Por exemplo, os canais de televisão do futuro têm de estar muito virados para as redes sociais e nós ainda estamos a dar os primeiros passos nesse sentido. Portanto, se há áreas nas quais já estamos muito confortáveis e maduros, há outras onde ainda estamos muito incipientes.

Mas temos dado passos importantes no sentido da modernização e da evolução tecnológica. Por exemplo, dotamos todas as delegações de meios de direto, algo que ambicionávamos há muito e só agora conseguimos fazer. Por isso, para além de estarmos em mais sítios e termos uma área mais abrangente, também já temos capacidade para fazer direto a qualquer momento a partir desses mesmos sítios, que não tínhamos.

As televisões estão a dar grandes passos nesse sentido, até porque há cerca de dez anos fazer um direto era algo que tinha de ser muito ponderado por ser muito caro. Era preciso mandar um carro satélite para o local, fazer a triangulação com o satélite, custava muito dinheiro por minuto. Hoje nós fazemos direto porque queremos mostrar que estamos lá e muitas vezes só para pontuar, para mostrar que estamos a fazer acompanhamento ao minuto daquele acontecimento. Portanto, essa aposta no reforço dos meios de direto foi muito importante para nós, porque vai no sentido da questão da adaptação do Porto Canal ao futuro.

“Quando o Futebol Clube do Porto comprou o Porto Canal, ficou definido que queriam um canal com clube e não um canal do clube.”

No início de 2016, o Futebol Clube do Porto adquiriu o Porto Canal na sua totalidade. Como se gere a influência do clube a nível da informação? Sente liberdade nas escolhas que realiza a nível conteudístico?
É óbvio que acabamos por estar um pouco condicionados, como qualquer órgão de comunicação social. Acho que um dos grandes desafios da comunicação no futuro tem precisamente a ver com a concentração de grandes grupos económicos. Isto vem acontecendo há dez, 15 anos e será cada vez mais notório. Veja-se, por exemplo, a tentativa de compra da TVI pela Altice. O facto da generalidade dos órgãos de comunicação social estarem nas mãos de grandes grupos económicos coloca sempre em cima da mesa o perigo da garantia da independência, porque dificilmente um órgão que é detido por um grupo que controla grande parte da economia nacional vai atacar esse grupo ainda que isso seja notícia.

No caso do Porto Canal, este é o perigo, mas tentamos garantir essa independência editorial todos os dias. E porque é que é relativamente fácil para nós consegui-lo? Quando o Futebol Clube do Porto comprou o Porto Canal, ficou definido que queriam um canal com clube e não um canal do clube. Portanto, nós somos, efetivamente, propriedade do FC Porto, mas não somos um canal que transmite apenas conteúdos sobre o clube. Temos espaços, devidamente identificados com separadores, que identificam que, a partir daquele minuto a determinado minuto, aquele espaço é dedicado exclusivamente ao Futebol Clube do Porto e aí não há independência possível, porque esse conteúdo em específico é do Futebol Clube do Porto.

Fora esses espaços balizados, temos conteúdos perfeitamente generalistas, aliás, estamos inscritos na ERC como um canal generalista. Portanto, os nossos blocos noticiosos são gerais, em que damos notícias de política, economia, sociedade, crime e deporto, com todos os clubes envolvidos – se o Benfica ganhar, é notícia nacional e damos a notícia de que o Benfica ganhou. Obviamente, sendo nós propriedade do FC Porto, não vamos atacar o clube que nos detém. Mas essa independência está garantida.

Considera o fator da detenção do canal nortenho pelo FC Porto influenciador da imagem que o público tem do canal? A influência clubística valoriza ou prejudica a marca aos olhos dos espetadores?
Há sempre alguma subjetividade nessa análise. Obviamente, para um adepto de outro clube, o Porto Canal é um canal do Futebol Clube do Porto. Se houver clubismo – ou clubite, chamemos-lhe assim –, essa pessoa não irá ver o Porto Canal, pois irá sempre associar o canal à marca FC Porto. No entanto, para as pessoas que veem o futebol como um desporto saudável, conseguem ter a capacidade de abrangência que lhes permite compreender que o Porto Canal oferece, sim, conteúdos do clube, mas também muitos outros conteúdos. A questão de se a marca nos prejudica é muito relativa, depende de quem responde.

Tendo exercido jornalismo em diversos locais do país, sente que existem diferenças marcadas no ambiente de redação em cada um deles?
Sim, mas não tem a ver com o facto de se trabalhar em diferentes partes do país. Tem a ver, penso eu, com trabalhar na sede de uma televisão, onde são tomadas todas as decisões, ou numa delegação. Acho que as diferenças nas redações têm sobretudo a ver com isso, porque trabalhar na sede do Porto Canal aqui na Senhora da Hora ou na sede da TVI em Lisboa é igual, o ambiente é semelhante. Tem a ver com uma questão de escala, porque o Porto Canal é mais pequeno, não estamos divididos em editorias, aqui toda a gente faz tudo. Já em Lisboa, na SIC ou na TVI, não é assim, existe essa separação.

Mas, fora a escala, a forma como se trabalha é igual. Já é um pouco diferente no caso das delegações, porque o trabalho de um jornalista numa sede é muito diferente do trabalho numa delegação, porque o centro de decisão não está lá, alguém decide e a delegação cumpre. Quem trabalha numa delegação está habituado a editar peças no carro, num café… São essas as peculiaridades de trabalhar numa delegação, até porque cobre uma área de abrangência muito maior.

A direção de informação nos canais nacionais é, normalmente, liderada por homens, sendo poucas as mulheres nos cargos de chefia no jornalismo.
Não conheço ninguém… [risos]

Que considerações tem acerca desta situação?
Gostava de acreditar que é pura coincidência, mas não é. Acho tem a ver com o facto de vivermos num país onde ainda estamos a lutar muito contra isso. Temos feito grandes progressos nos últimos 40 anos, mas a discriminação de género é ainda uma realidade muito presente nas empresas portuguesas, mesmo naquelas que já conseguem dar cargos de direção a mulheres.

Ou seja, construímos uma sociedade em que ainda é difícil para uma empresa colocar uma mulher num cargo de direção porque quem toma essa decisão vai pensar “e se ela engravida?”, “e se ela tem de faltar muito para cuidar dos filhos?”. São estas as questões que quem está lá em cima coloca e considera que faz mais sentido colocar um homem nesse cargo, pois vai ter menos condicionantes familiares.

A culpa não é de quem toma essa decisão, porque essa pessoa está a gerir um negócio e quer que a empresa funcione, mas sim da nossa construção social. Nós somos os responsáveis por mudar isso aos poucos, por educar os nossos filhos que as funções associadas à mulher são na realidade de ambos. É esta a sociedade que devemos construir, e estamos a tentar, mas ainda estamos muito longe.

 “Quem pensa que abre um canal de televisão hoje e daqui a dois anos está a funcionar perfeitamente, engana-se.”

O jornalismo está em constante mutação. Hoje em dia, as plataformas digitais acabam por se sobrepor aos media tradicionais. Como é que o Porto Canal se adapta a esta nova realidade?

Aos pouquinhos… É difícil, até porque a equipa dedicada ao nosso departamento online é muito curta. Quando o Porto Canal arrancou tivemos de definir prioridades, pois queríamos estar no cabo e ter emissões em direto 24 horas por dia. Essa foi a aposta, a de um canal de televisão, e levou muitos anos a ficar consolidada. Quem pensa que abre um canal de televisão hoje e daqui a dois anos está a funcionar perfeitamente, engana-se. É muito caro, difícil, é uma máquina onde a engrenagem demora, e nós demoramos estes dez anos a consolidar-nos.

Existiu todo um processo de avanços e recuos, com a compra do FC Porto pelo meio, que nos fez estar muito focados naquela prioridade. Agora que temos essa parte consolidada, aos poucos estamos a pensar nas apostas do futuro: apostar no digital, nas redes sociais… Estamos agora a virar-nos para isso. Precisávamos de uma equipa um pouco maior para trabalhar nisso, porque, de facto, a internet não para, 24 horas por dia, e isso implica muita gente a trabalhar nessas atualizações. Espero que essa seja uma aposta forte do futuro do Porto Canal, até porque não dá para escapar. Temos, também, muito a aprender com as novas gerações de jornalistas – eles chegam aqui a saber muito mais que nós, mais velhos. É o sangue fervilhante das novas gerações.

Estando tudo em constante mutação, notamos que, realmente, todos estes meios estão a tomar cada vez mais protagonismo e a ofuscar, de certa forma, os meios tradicionais…
Mas há um lado muito perigoso nisso, que tem a ver com a confirmação das fontes. Temos tantos canais que dão notícias 24 horas por dia que têm de ser constantemente alimentados e é muito tentador irmos buscar conteúdo às redes sociais. A tentação de colocar aquilo no ar é tão grande que quase nos esquecemos de confirmar se é verdade, se é notícia, se vale a pena pôr no ar.

Também temos o perigo das imagens, como aconteceu nos atentados das Ramblas, em Barcelona. A rapidez com que começaram a circular imagens na internet fez com que as televisões se socorressem muito mais depressa do Facebook e do Instagram do que das agências de notícias como a Reuters, a France-Presse, e quase não houve filtro. As primeiras imagens que foram para o ar, em todas as televisões, por todo o mundo, foram vídeos e fotografias amadores de extrema violência. Nós queríamos dar a notícia, pôr algo no ar e aquele ímpeto de mostrar primeiro quase não nos fez parar para pensar no que estávamos a fazer. Só estávamos a pôr no ar fotografias altamente chocantes que não contribuem em nada do ponto de vista noticioso, só estávamos a alarmar e a desrespeitar as famílias que estavam a saber por nós a notícia da morte dos seus familiares. Mea culpa, porque também as pusemos no ar, mas tem de ser pensado. Este imediatismo que as redes sociais nos trouxeram é bom por um lado, mas por outro nem tanto. Todos os cidadãos hoje podem ser repórteres e nós, como jornalistas, temos de ter a obrigação moral de confirmar e pensar estas situações.

“Vemos muitos jovens iludidos com o jornalismo, que na realidade nunca o quiseram e procuram apenas alguns minutos de fama.”

Licenciou-se no curso de Ciências da Comunicação da Faculdade de Letras da Universidade do Porto. O que não sabia à saída da faculdade que desejava na altura saber?
Fui da primeira fornada! [risos] Essa é uma boa pergunta, confesso que nunca tinha pensado nisso… Eu acho que não sabia muito sobre jornalismo, essa é a verdade. [risos] Os meus primeiros meses de estágio na TVI foram tempos de descoberta total. Tive a sorte de já estar num curso bastante prático: tínhamos ateliers de rádio, de televisão, o JPN. Mas, na verdade, eu não sabia muito bem como funcionava uma redação, por isso acho que teria sido positivo ter passado por um estágio de observação, nem que fossem 15 dias, a meio do curso, só mesmo para perceber se era jornalista que queria ser, porque acabei o curso sem ter a certeza que era aquilo que queria fazer. Acho que o meu estágio serviu, sobretudo, para limpar caminhos. Por isso, gostava de ter saído da faculdade com uma melhor noção do que era o mercado de trabalho, do que me esperava numa redação.

Ao nível da formação, que conselhos daria aos estudantes de jornalismo? O que considera que podia ser melhor trabalhado na preparação de novos profissionais na área?
O que acabei de referir, precisamente. Devíamos estar mais focados em ensinar pessoas a fazer jornalismo. Acho que, por exemplo, o JPN é um excelente projeto, mas não devia ser só focado no último ano, o que já mudou um pouco porque no meu ano não era assim. Acho que os jornalistas deviam ter a oportunidade de passar por várias redações, nem que por dias, para perceberem se é realmente aquilo que querem fazer. Vemos muitos jovens iludidos com o jornalismo, que na realidade nunca o quiseram e procuram apenas alguns minutos de fama. O mal não está em ter esta aspiração, mas não se pode confundir as coisas, porque o jornalismo é uma profissão de paixão. É uma profissão mal remunerada – toda a gente sabe – e, se as pessoas têm de abdicar de tanto para ser jornalistas, têm de ter alguma paixão pelo que fazem, senão não vão aguentar muito tempo. Levantamo-nos a ouvir más notícias, deitamo-nos a ouvir más notícias – é uma profissão de muita dedicação, que “vai para casa” connosco. Esse é o conselho que dou aos jovens jornalistas: tentem perceber se têm paixão por esta área, porque se não tiverem acho que não vale a pena.

Artigo editado por Filipa Silva