A internet é praticamente universal, sempre presente e parte da vida de todos os seres humanos, de uma forma ou outra. Quem é que controla a internet? Quem decide o que está ou deve estar na internet e quem a regula? Devem ser todos os utilizadores em conjunto? Deve ser um grupo de pessoas? Deve ser um orgão público? Devem ser orgãos privados?

Toda a informação na Internet deve ser tratada igualmente, sem discriminação, restrição ou interferência, independentemente do emissor, intermediário e recetor. É assim que o Organismo de Reguladores Europeus das Comunicações Eletrónicas (BEREC, na sigla inglesa) define o que é a net neutrality.

Para muitos, a maior fonte de informação do mundo deve manter a sua integridade e não ceder a pressões de empresas privadas, governos ou de qualquer indivíduo. Deve ser neutra e servir de base para qualquer pessoa que procure saber mais, no princípio de que pode aceder a tudo, como quiser e quando quiser.

A questão está na ordem do dia por causa de uma votação agendada para quinta-feira, dia 14 de dezembro, nos Estados Unidos. A votação tem como objetivo central determinar se a atual legislação da neutralidade da internet deve ou não ser revertida.

Ajit Pai, presidente da Federal Communications Comission (FCC) – agência norte-americana que gere o setor das comunicações – justifica a proposta que vai levar a votos com a “falta de incentivo” de que estarão a ser vítimas as grandes empresas de telecomunicações.

Na declaração que tornou pública, o responsável considerou “um erro” a legislação aprovada em 2015 pela FCC, durante a administração Obama, e quer agora vê-la revogada. Depois de 20 anos de enorme crescimento, argumenta, durante os quais estima terem sido investidos cerca 1.5 biliões de dólares nas comunicações, o setor está “deprimido” no que toca à construção e expansão da banda larga e a inovação está a ser travada. A FCC conta agora com uma maioria do Partido Republicano na sua composição.

Apenas as democratas Jessica Rosenworcel e Mignon Clyburn, antiga presidente interina da FCC, mantiveram o seu mandato na comissão federal. Tendo em conta esta maioria republicana, espera-se que votação resulte em 3-2 a favor da reversão da lei. A votação que determinou a atual lei também contou com três votos a favor e dois contra, quando os democratas representavam a maioria da FCC.

A FCC acredita que as vantagens que advêm de se manter a neutralidade da internet são menores do que as desvantagens económicas que esta acarreta. Sendo esta medida aprovada e a lei revertida, a Federal Trade Comission ficaria encarregue de regular as políticas das operadoras. Estas seriam obrigadas a manter uma política de transparência para com os clientes e várias já prometeram não concretizar aquilo que muitos norte-americanos temem: uma divisão do conteúdo em faixas “rápidas” ou “lentas”. Os serviços incluídos em determinados pacotes mais “rápidos” serem acedidos a uma velocidade mais alta e com menos dificuldades enquanto que os que circulariam na faixa “lenta” serem mais difíceis de aceder. A Comcast, uma das maiores operadoras dos Estados Unidos, prometeu não o fazer mas pode, a qualquer altura, voltar atrás com a sua palavra.

A história da net neutrality na Europa

Nos Estados Unidos, restam poucas dúvidas sobre o sentido de votação na FCC. Falta saber que repercussão isso terá na Europa. O BEREC aprovou em 2015, no mesmo ano da aprovação da legislação norte-americana em vigor, as regras da neutralidade da internet atualmente em vigor no velho Continente.

A discussão é anterior: a neutralidade da rede é um termo que cresce em popularidade na Europa por volta de 2011, depois da Deutsche Telekom decidir bloquear o Skype na Alemanha e da BT Broadband travar a velocidade de serviços como o YouTube na Inglaterra.

Apesar de não estar na agenda do BEREC qualquer votação no sentido daquela que vai decorrer nos EUA, há já questões que ocupam as entidades reguladoras europeias. O zero-rating é a principal preocupação de defensores da neutralidade. O zero-rating assenta na oferta de tráfegos ilimitados a determinadas aplicações em detrimento de outras, nos tarifários móveis. Nos Estados Unidos, Ajit Pai concluiu que não viola as atuais leis americanas. Porém, na Europa, a mesma situação está ainda a ser investigada pela Comissão Europeia. O movimento SaveTheInternet celebrou, em 2015, a aprovação da legislação europeia atual. Agora, mostram-se preocupados em relação à prática do zero-rating, afirmando que é o “único problema por resolver” em espaço europeu. Referem ainda o caso da Holanda, onde o zero-rating foi estritamente proibido e onde as empresas de telecomunicações se viram obrigadas a aumentar o tráfego de todos os tarifários móveis.

Portugal entrou recentemente na discussão graças a uma imagem dos atuais tarifários de internet móvel da operadora MEO partilhada no Twitter por Ro Khanna. O congressista norte-americano apontou este exemplo como uma das primeiras demonstrações do contorno das leis da net neutrality. Na verdade estes tarifários existem há vários anos em Portugal e já foram reportados pela Autoridade Nacional de Comunicações (ANACOM) ao Governo há vários meses. A entidade, contactada pelo JPN, confirmou que ainda não obteve resposta.