“Ter uma geração mais política” é o desejo de Hugo Carvalho – reeleito em dezembro presidente do Conselho Nacional de Juventude (CNJ) – para 2018. No ano em que Cascais é a Capital Europeia da Juventude, o presidente da plataforma diz ao JPN que é preciso aproveitar a oportunidade para repensar o associativismo.

Depois de, no mandato anterior, ter denunciado a fraude com os estágios do IEFP, Hugo Carvalho promete que vai “continuar a pôr o dedo na ferida” durante os próximos dois anos.

“As ordens profissionais devem  ter os melhores profissionais no setor e não os mais antigos”

A ação das ordens profissionais no acesso dos jovens à profissão preocupa Hugo Carvalho. O dirigente associativo considera injustas as “provas de fogo” às quais os recém-formados têm que se submeter para poderem exercer uma atividade como, por exemplo, a advocacia.

“Os jovens que saem do curso têm outras coisas para dar à profissão, estão habilitados para as novas tecnologias e disponíveis para trabalhar, mas por provas muito difíceis não conseguem aceder à profissão para a qual estudaram. Há uma geração inteira [a mais antiga] que entende que talvez a geração mais bem formada de sempre não seja assim tão boa”, explica o presidente do CNJ.

Hugo Carvalho defende que a situação poderia ser revertida se os exames de acesso à Ordem dos Advogados se realizassem numa lógica de renovação de carteira profissional. “Se de dez em dez anos todos tivessem que renovar as carteiras profissionais, os exames não seriam assim tão difíceis. As ordens profissionais devem ter os melhores profissionais no setor e não os mais antigos”, acrescenta.

Contrato de trabalho: direito ou sonho distante?

O presidente do CNJ é perentório quando sublinha a urgência em “resolver, de uma vez por todas, os vínculos precários” e explica que, hoje em dia, a maioria dos jovens tem duas alternativas depois de concluir o ensino superior: “trabalhar a recibos verdes – muitas vezes, falsos recibos verdes; ou trabalhar em regime de estágio profissional, o que não tem estabilidade a prazo”. Nenhuma das opções satisfaz Hugo Carvalho que defende que a Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) deve ter um papel fiscalizador mais interventivo.

“A ACT diz que não tem nada a ver com estagiários, não resolve problemas a ninguém.”

“A Autoridade para as Condições do Trabalho lava as mãos todas as vezes que um jovem diz que está a ser desrespeitado e que é estagiário. A ACT diz que não tem nada a ver com estagiários, não resolve problemas a ninguém. Ninguém fiscaliza a ação de uma empresa com um jovem estagiário e é a solução mais comum que nós temos”, refere.

Na opinião de Hugo Carvalho é urgente assegurar que os jovens têm os mesmos direitos que as gerações anteriores encontraram quando entraram no mercado de trabalho. “Os direitos que uma geração teve à entrada no mercado de trabalho são direitos que a minha geração quase não vislumbra como, por exemplo, ter um contrato de trabalho de um ano ou até sem termo.”

O acesso à habitação

A criação de uma nova secretaria de Estado para a habitação é uma medida que Hugo Carvalho vê com bons olhos, mas considera-a um pequeno passo num longo caminho. Para o representante do CNJ, iniciativas como o programa de apoio ao arrendamento jovem Porta 65 são insuficientes e de difícil acesso à maioria dos candidatos.

“Os jovens não querem ser candidatos a coisas, querem ser apoiados de facto.”

“O Porta 65 continua a ser um programa que não funciona e que apoia menos de metade dos jovens. A alteração que se fez ao programa em Assembleia da República foi uma coisa do género: aumentar o orçamento de 12  milhões de euros para 18 milhões de euros, mas com isso também aumentaram a elegibilidade. Isto é, há mais pessoas a serem candidatas a um programa que já não apoiava mais de metade dos jovens. Os jovens não querem ser candidatos a coisas, querem ser apoiados de facto.”

Hugo Carvalho tem uma resposta assertiva para o argumento de falta de financiamento para o programa Porta 65: “que se cobre ao alojamento local – como se quer fazer – taxando o alojamento local e as novas plataformas de alojamento temporário.”

Cascais Capital Europeia da Juventude é oportunidade para “repensar o associativismo”

A Assembleia da República terá que aprovar em 2018 as alterações ao Regime Jurídico do Associativismo Jovem. As propostas em cima da mesa trazem, na opinião de Hugo Carvalho, “algumas vitórias”, nomeadamente ao nível fiscal.” Houve um esforço considerável do governo em isentar os jovens dos custos associados à constituição de uma associação”.

Se em algumas questões há consensos, outras propostas estão longe de reunir unanimidade no meio associativo. “A proposta do governo tem alterações importantes como é, por exemplo, o facto de obrigar que quem lidera a associação juvenil tenha menos de 30 anos. É uma revisão da lei que tem alguma controvérsia dentro do setor”, adianta Hugo Carvalho.

“Continuamos a apoiar muito mais rapidamente a feira do sarrabulho que alguma organização de juventude criou há 20 anos do que um projeto virado para os direitos humanos.”

A limitação de idades dos dirigentes associativos vai ao encontro dos valores do Conselho Nacional de Juventude que entende que o país deve aproveitar a oportunidade de ter Cascais como Capital Europeia da Juventude em 2018 para “repensar o associativismo” e alterar a forma como se avaliam os resultados de um projeto.

“O Instituto Português do Desporto e Juventude continua a avaliar o desempenho das atividades com números e não com o impacto que as atividades têm. Continuamos a apoiar muito mais rapidamente a feira do sarrabulho que alguma organização de juventude criou há 20 anos do que um projeto virado para os direitos humanos.”

Estudantes com “expectativas frustradas” no acesso à linha de crédito de garantia mútua do Estado

Os estudantes do ensino superior ainda não podem pedir empréstimos através da Linha de Crédito estatal, situação que o CNJ acompanha com “preocupação”. O governo garantiu que a linha, inativa desde 2015, seria reaberta no ano letivo 2016/2017, mas a promessa não se cumpriu. Em outubro de 2017 o ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Manuel Heitor, assegurou que estaria a “trabalhar para, até ao final do ano [2017]” reativar o sistema de empréstimos, contudo os estudantes ainda não têm respostas.

“É preciso que os serviços académicos acompanhem também estes jovens que, não só por esta questão, abandonam o ensino superior”

“Havia pessoas que estavam a contar com este apoio, que fizeram as suas candidaturas, ingressaram no ensino superior, planearam as suas vidas e depois se veem a braços sem muitas alternativas, com as expectativas frustradas”, lamenta Hugo Carvalho e avança que nesta matéria o CNJ não tomou ainda uma posição oficial.

Para o dirigente, a prioridade é acompanhar os jovens que contavam com o apoio estatal, situação que deve ser supervisionada pelas instituições de ensino superior. “É preciso que os serviços académicos acompanhem também estes jovens que, não só por esta questão, abandonam o ensino superior. Nós ficamos sem saber muito bem o porquê dessa decisão, porque não há o acompanhamento necessário dos serviços académicos”, frisa.

Orçamento Participativo Jovem: uma boa iniciativa com arestas por limar

Os resultados do Orçamento Participativo Jovem (OPJ) são apresentados na próxima segunda-feira. Trata-se de um processo de participação democrática no qual jovens dos 14 aos 30 anos podem apresentar e decidir projetos de investimento público no valor total de 300 mil euros. Hugo Carvalho considera a iniciativa “uma forma de aproximar os cidadãos à política”, no entanto tece críticas a algumas das regras do regulamento da primeira edição.

“Não podemos fazer coisas como dizer nas regras que qualquer ideia que seja apresentada tem que ser implementada pelo Estado ou que uma ideia mesmo sendo a mais votada, mas que vá contra o programa do governo, não pode ser aplicada”, ressalva.

Os motivos que levaram à criação de regras mais apertadas em relação à execução do OPJ são compreensíveis para Hugo Carvalho apesar de defender que “quem dá a ideia para um projeto deve também poder vir a implementá-lo.”

Jovens portugueses ou jovens europeus?

“Eu acho que nós nos sentimos mais europeus do que as gerações anteriores”, afirma Hugo Carvalho que defende que a Europa deve ser não só estudada como experimentada: “A Europa não é uma coisa sobre a qual se possa ler ou ver vídeos no youtube, tem que se experimentar”.

“Multiplicar o financiamento que se dá ao programa Erasmus é o maior investimento que a Europa faz em si própria.”

É nesse sentido que o presidente do CNJ defende um maior financiamento de iniciativas como o programa Erasmus que passou de um “simples programa de mobilidade” para “um programa que tem financiamento disponível para que os jovens possam fazer reformas positivas nos seus países”.

O caminho, garante o presidente do Conselho Nacional de Juventude é investir em linhas de financiamento para projetos com impacto. “Multiplicar o financiamento que se dá ao programa Erasmus é o maior investimento que a Europa faz em si própria”, remata.