Primeiro o contexto: Os primeiros passos para a legalização da cannabis para uso terapêutico já foram dados. O Bloco de Esquerda e o PAN- Pessoas Animais e Natureza apresentaram dois projetos de lei (a consultar aqui e aqui) que defendem a legalização da utilização e do autocultivo da planta para fins medicinais. A discussão chegou à Assembleia da República, mas as propostas não foram votadas e acabaram por descer à especialidade.
O Partido Social Democrata comprometeu-se a apresentar uma nova proposta que permita a utilização da cannabis para questões de saúde, mas que impeça o autocultivo da planta.
Depois a conversa: “Ativista anti-proibicionista e apartidário”. É assim que João Carvalho, organizador da Feira Internacional de Cânhamo do Porto- Cannadouro, se define. Em conversa com o JPN, o antigo professor de História diz que os entraves à legalização da cannabis mostram que estamos “a ser preconceituosos, a ter uma postura conservadora e a impedir a sociedade de evoluir”.
“Vamos pôr de lado o preconceito e oferecer às pessoas todas as possibilidades de ajuda”
João Carvalho é perentório quando afirma que a legalização da cannabis para uso terapêutico é uma “inevitabilidade”. O organizador do evento Cannadouro acredita que o país não vai “impedir os pacientes de terem acesso a ferramentas terapêuticas que estão a ser altamente bem consideradas e cujas provas científicas já estão mais do que dadas” e lamenta que partidos como o PSD e o PCP “queiram mais provas”.
O ativista lembra que vários países como a Alemanha, a Grécia, o Canadá e vários estados dos Estados Unidos da América já legalizaram o uso medicinal da cannabis e acrescenta que estes governos tê-lo-ão feito “com base em evidências científicas”.
Para João Carvalho os entraves em relação à legalização da planta prendem-se com uma razão: o preconceito. “O mundo inteiro – países ricos e desenvolvidos – está-nos a mostrar e a dizer: ‘Vamos pôr de lado o preconceito e vamos oferecer às pessoas todas as possibilidades de ajuda'”, sustenta.
Já há cannabis cultivada em Portugal. “Mais uma vez estamos em incongruências totais”
Nos argumentos apresentados para impedir a legalização da planta, João Carvalho encontra vários contrassensos. Em primeiro lugar, a existência de cannabis plantado em Portugal por uma empresa canadiana, que tem em vista a exportação, nomeadamente para a Alemanha.
“Uma empresa entra aqui pela porta grande com um investimento de 20 milhões de euros e é-lhe permitido plantar cannabis. A planta é exportada para a Alemanha e os alemães vão poder beneficiar da nossa excelente exposição solar, do nosso bom solo. Mas nós, cidadãos portugueses, não. Não faz sentido. Se o Partido Socialista permite investimentos desta natureza tem que permitir que os seus cidadãos também tenham acesso ao que é produzido por essa grande empresa. Mais uma vez estamos em incongruências totais”, expõe João Carvalho.
O segundo contrassenso apontado pelo ativista recai sobre os partidos políticos que colocaram barreiras às propostas do BE e do PAN.
“O Partido Comunista não fez aprovar esta lei para não dar louvores partidários ao Bloco de Esquerda”
João Carvalho acusa o PCP de se mover por “interesses partidários” e não pelos “interesses das pessoas”, uma vez que, no último ano, “por esta altura ou talvez pela primavera, tínhamos artigos na imprensa em que o Partido Comunista defendia e assumia publicamente que viabilizaria uma lei com vista à legalização da cannabis para uso terapêutico. O Partido Comunista não fez aprovar esta lei para não dar louvores partidários ao Bloco de Esquerda”, defende.
O ativista nega ter ficado surpreendido com a possibilidade de o PSD avançar com uma proposta para a legalização da cannabis, uma vez que o tema é consensual, por exemplo, no seio das juventudes partidárias.
“Não nos vamos esquecer que Pedro Passos Coelho quando era dirigente da JSD era favorável à legalização das drogas leves e o vice-presidente da Assembleia da República, nos seus tempos de JS, também. O que acontece é que os nossos “jotinhas” socialistas e social-democratas com a maioridade parece que perdem as convicções. A base juvenil do PSD há anos que promove e que defende a legalização das drogas leves. E não estamos só a falar do uso terapêutico”, sublinha João Carvalho.
A importância do autocultivo para o acesso pleno a todas as variedades de cannabis
A possibilidade de um cidadão português poder cultivar cannabis em casa é o principal ponto de discórdia entre os vários partidos políticos, mas João Carvalho defende que o autocultivo é fundamental para garantir que cada pessoa tem acesso à espécie de cannabis que melhor funciona na sua situação.