Uma cidade com energia mais barata, menos trânsito e zero resíduos pode parecer um sonho, mas a Ordem dos Engenheiros da Região Norte (OERN) acredita ser possível. A OERN apresentou, esta quarta-feira, no auditório da Biblioteca Almeida Garrett, vários desafios à Câmara Municipal do Porto para melhorar as condições da cidade com base nos conhecimentos da engenharia.

O vereador da Inovação e do Ambiente, Filipe Araújo, disse ao JPN que “o contributo que a engenharia tem dado na transformação da cidade ao longo dos tempos” é fundamental, mas sublinhou que a cidade é um organismo vivo e multidisciplinar, ou seja, “todas as áreas são convocadas a desenhar o futuro da cidade”.

Conheça os cinco desafios que cinco engenheiros deixaram à Câmara Municipal do Porto.

1) Energia elétrica sustentável e mais barata

É possível ter energia elétrica a três cêntimos por kWh(quilowatt-hora)? A pergunta é desafiante, mas para Adélio Mendes – cientista, investigador e detentor da patente mais cara vendida em Portugal- a resposta é simples: sim, é possível. “[um produto] renovável ou sustentável não quer dizer e não deve querer dizer que é mais caro. Isso significaria que os engenheiros eram incompetentes e nós não somos incompetentes.”, explicou o investigador.

“A eletricidade mais barata produzida em telhados no ano passado foi de 2,8 cêntimos por kWh”

Adélio Mendes defendeu que o recurso a painéis fotovoltaicos pode ajudar a diminuir o preço a pagar pela eletricidade e usa, como exemplo, os preços de eletricidade fotovoltaica mais baixos do mundo “Na Alemanha temos um preço de 4,29 cêntimos por kWh. No Arizona temos menos do que 2,5 cêntimos. No Chile temos 1,75 cêntimos. Arábia Saudita 1,46 cêntimos por kWh”.

O investigador adiantou ainda que “a eletricidade mais barata produzida em telhados no ano passado foi de 2,8 cêntimos por kWh” e recordou que “o preço da eletricidade na Península Ibérica anda à volta dos 5 cêntimos, apesar de nós pagarmos de acordo com as estatísticas da Comissão Europeia, isto é, 23,2 cêntimos, dos quais cerca de 12 cêntimos dizem respeito ao preço e o resto são taxas e IVA”.

2) Pensar a cidade depois da reabilitação

Bento Aires, coordenador do Colégio de Engenharia Civil- Região Norte, deixou uma questão “E depois da cidade reabilitada?” para logo a seguir lançar uma série de respostas e de desafios.
Na opinião do engenheiro é preciso preservar a identidade local do Porto, oferecendo às pequenas comunidades a gestão de uma pequena parte do orçamento municipal.
O Porto podia “dar aos próprios bairros o poder de decidir sobre uma pequena parte do orçamento municipal”
“Quando Berlim foi reunificada houve um projeto chamado “unidades de vizinhança” no qual as instituições locais recebiam um orçamento – que na altura rondava os 15 mil euros – e era a prórpia comunidade local que decidia o que ia fazer com esse valor. Eu acho que o Porto podia aproveitar estes exemplos das unidades de vizinhança e não implementar o OPM, mas dar aos próprios bairros o poder de decidir sobre uma pequena parte do orçamento municipal”, explicou Bento Aires.
Recentrar as políticas urbanísticas na reabitação da cidade deve, na opinião do engenheiro, ser uma prioridade. E, para isso, sugeriu que uma parte das habitações que forem criadas tenham que ser “obrigatoriamente para habitação permanente”. Bento Aires defendeu ainda “a limitação das pequenas tipologias [edifícios T0 e T1] nos projetos que estão a ser licenciados” para que “as habitações possam ser também utilizadas por locais e para habitação permanente”.

3) Uma cidade construída em cima de um sistema de informação

Álvaro Costa é perentório “Se tivermos veículos autónomos não vamos precisar de semáforos nem de estacionamento”. O engenheiro civil – com trabalho desenvolvido e reconhecido na área dos transportes – considera que “uma cidade competitiva tem que ter bons sistemas de mobilidade e boa governância”.
 O investigador defendeu que é fundamental desenhar um sistema de informação sobre o qual a cidade funcione e não apenas informatizar os processos já existentes, porque com o tempo os mesmos podem tornar-se obsoletos. “Se virmos o que está a ser feito com os semáforos percebemos que o que se está a fazer é a informatizar um processo. Não é isso que nós queremos. Nós queremos um sistema de informação e depois pôr a cidade em cima”, explicou.
“Onde vai ter que haver formas de pagamento próprias nos sistemas é no centro da cidade”
A existência de veículos autónomos, que dispensam a presença de um condutor, pode levar no futuro a que deixe de existir estacionamento pago e mecanismos como os semáforos o que pode originar novos congestionamentos. Para Álvaro Costa a solução é criar portagens no centro da cidade para diminuir o número de veículos a circular.
“Nós precisamos de gerir portagens. Se não vai haver estacionamento não faz sentido taxar-se o estacionamento. Se os carros comunicam uns com os outros não é preciso semáforos. Onde vai ter que haver formas de pagamento próprias nos sistemas é no centro da cidade”, sustenta.

4) Engenharia ao serviço da felicidade dos portuenses

Apostar nas gerações ativas e criar uma cidade onde as pessoas tenham vontade de “passear, viver e trabalhar” é a premissa que leva o CEO da IDEIA.M, Júlio Martins, a apresentar soluções que põem a engenharia a contribuir para a felicidade dos portuenses.
Júlio Martins sugeriu a criação de espaços dinâmicos e criativos espalhados por toda a cidade que estejam ligados ao desporto e a atividades lúdicas, mas também, por exemplo, ao silêncio.
“O desafio de fazer, por exemplo, um escorrega que vai do Palácio de Cristal até à Alfandega para pôr as pessoas a divertirem-se”
“Uma cidade é feita de ruído, de reboliço, de atividade a toda a hora. Por que não usar alguns espaços menos utilizados para criar espaços de meditação onde qualquer cidadão que ande na rua a qualquer momento tenha o seu espaço de introspeção?”, expõe.
Outras sugestões menos óbvias foram colocadas em cima da mesa por Júlio Martins. “O desafio de fazer, por exemplo, um escorrega que vai do Palácio de Cristal até à Alfandega para pôr as pessoas a divertirem-se. Pode parecer estranho, mas as grandes empresas estão cada vez mais a criar estas dinâmicas nos seus escritórios”, remata.

5) Circuitos de recolha de resíduos em tempo real

“O sistema de pagamento em função da produção de resíduos que identifica cada um dos produtores tem dificuldades clássicas que podem ser ultrapassadas”. A frase é de Carlos Teixeira, coordenador do Colégio de Engenharia do Ambiente- Região Norte, que defende que a cidade pode criar para os seus moradores “um sistema através de uma aplicação tecnológica no telemóvel que informe facilmente – perante a hora e a disponibilidade –  que equipamentos e que quantidades [de resíduos] vão ser recolhidas”.
Carlos Teixeira explicou que o novo sistema permitiria “fazer a recolha à porta das pessoas” e que conduziria a uma “diminuição clara da produção indiferenciada [o denominado lixo comum], aumentando assim as taxas de recolha seletiva”, uma vez que as pessoas não teriam que se deslocar aos ecopontos para fazer a separação dos resíduos.

Poças Martins. “Espero que esta sessão tenha consequências”

 O balanço que o presidente da Ordem dos Engenheiros- Região Norte faz da iniciativa é positivo. Joaquim Poças Martins diz ao JPN que espera que a Câmara do Porto abrace os desafios apresentados pelos engenheiros. “Espero que esta sessão tenha consequências. Espero que na sequência do que aqui foi falado a vida no Porto possa ficar melhor em alguns aspetos”, afirma.
Poças Martins defende que “há algumas soluções simples, mas não simplistas” que podem ser aplicadas a questões como os problemas de trânsito na cidade. Para o presidente da OERN ajustar os horários dos trabalhadores do centro da cidade, criando horas de entrada ao serviço diferentes para cada um dos funcionários de uma empresa pode ser uma forma de fazer face aos congestionamentos em hora de ponta.
“Os congestionamentos no acesso à cidade de manhã e à tarde estão connosco há décadas, mas são problemas de horas de ponta. Aqui o que estamos a falar é um “deslaçar” das horas de pontas que pode passar, por exemplo, por criar condições para que as pessoas não tenham a necessidade de entrar na cidade todas à mesma hora”, avança.
“As grandes decisões são políticas e têm que ser formadas por pareceres técnicos”
O presidente do OERN encontra ainda outro desafio de resolução simples: ” o desconforto térmico” nas habitações durante o inverno.”É possível alterar com custos relativamente baixos os edifícios existentes, tendo em conta o clima que temos, tendo em conta que a maior parte das pessoas não têm aquecimento central em casa. Para isso têm que ter isolamentos, não por fora, mas por dentro, para economizar energia, calafetar as frinchas das janelas e das portas, ventilar as casas para evitar humidades. Isso tem que ser visto caso a caso. Chamar um engenheiro é importante”, sublinha.
Balanço feito, Poças Martins espera que a cidade continue a promover iniciativas que aproximem os técnicos dos decisores políticos. “A cidade é uma questão política. As grandes decisões são políticas e têm que ser formadas por pareceres técnicos. É muito importante que os técnicos saibam quais são as opções políticas e que os políticos têm em conta os pareceres técnicos para tomarem melhores decisões”, remata.