No Dia Europeu da Internet Mais Segura, que se celebra esta terça-feira (dia 6) a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) divulgou uma publicação sobre a utilização da Internet pelos mais novos. “Boom Digital? Crianças (3-8 anos) e Ecrãs” surge no seguimento de um estudo do ano passado que analisou os usos de meios eletrónicos por crianças de três a oito anos em 656 famílias portuguesas.
O inquérito concluiu que 38% das crianças dos 3 aos 8 anos de idade utilizam a internet. O acesso cresce significativamente com a idade: 22% das crianças de 3-5 anos e 62% das crianças de 6-8 anos. As crianças que mais consomem conteúdos digitais são de um meio socioeconómico mais elevado e usam a tecnologia para fins lúdicos como para ver desenhos animados, jogar ou ouvir música.
No entanto, a televisão continua a ser o meio preferido das famílias, como explicou ao JPN Cristina Ponte, responsável pela coordenação científica do estudo.
54% dos pais admitem “que têm um tempo de descanso quando a criança está a ver televisão”
“Os pais confiam mais na televisão − sobretudo na programação infantil dos canais que são só para crianças − do que confiam nos meios digitais. [Este comportamento] está associado à ideia de que quando estão nestes canais, as crianças estão em ambientes seguros, a verem conteúdos que são adequados a elas e não correm riscos que poderiam correr se utilizarem meios digitais”, refere a investigadora.
O canal Panda é o mais visto pelas crianças, seguido da SIC e da TVI. Este foi um dos dados que “surpreendeu” a co-autora do e-book. “Há dois ambientes de ver televisão: há a criança que vê sozinha no canal para ela e depois há o ver televisão à hora do jantar, em família, e aí podem aparecer conteúdos que os pais receiem que tornem as crianças inquietas”, sustenta.
De facto, três em cada quatro pais consideram que os programas de televisão podem mostrar conteúdos desadequados para os mais pequenos. Dos entrevistados 73% concordaram, contudo, “com a afirmação de que a criança está calma quando está a ver televisão” e mais de metade (54%) admitiu “que têm um tempo de descanso quando a criança está a ver televisão”.
O estudo evidencia que a maioria dos educadores também se preocupa com o uso da internet, associado a ideias de risco como violência, linguagem inapropriada, nudez e o contacto com estranhos.
De acordo com o estudo, apenas um em cada dez pais bloqueia ou filtra os sites a que as crianças podem aceder ou verifica o histórico de navegação. Por serem mais práticos, os tablets são o gadget favorito das crianças. “Nas casas onde há tablets, dois terços pertencem às crianças”, comenta Cristina Ponte.
As crianças e a publicidade
O estudo da ERC concluiu ainda que 39% das crianças pede aos pais os produtos que são anunciados na televisão e 24% os que veem na internet.
Cristina Ponte considera essencial que os pais eduquem para um consumo sustentável. “Os pais esquecem-se que os canais [infantis] são alimentados pela publicidade, pelo merchandising”, sublinha.
No entanto, o que os investigadores encontraram nas entrevistas foi precisamente o contrário. “As crianças estavam saturadas de bonecos e figuras das séries que veem. E crescer num ambiente tão saturado é algo que merece alguma atenção. Muitas vezes nem são as crianças que pedem. São os próprios adultos que tomam iniciativa de oferecer”.
Neste campo, o estudo destaca a RTP 2 por ter uma programação infantil diversificada que não está tão ligada à promoção de marcas.
Luísa Agante, professora de marketing digital na Universidade do Porto, alerta para os perigos da exposição excessiva à publicidade em idades tão precoces.
“Nos media digitais, eles [as crianças] são influenciados de uma forma ainda mais inconsciente porque os conteúdos são mais imersivos”
“Sabemos que as competências para entender completamente a publicidade só se começam a desenvolver a partir dos sete anos. Ou seja, nestas idades, dos três aos oito, a criança começa a entender o que é publicidade, mas não reconhecem a intenção persuasiva até muito tarde. Sobretudo nos media digitais, eles são influenciados de uma forma ainda mais inconsciente porque os conteúdos são mais imersivos.”, adianta a especialista em marketing infantil.
De acordo com Luísa Agante, a publicidade influencia cada vez mais as crianças. “Dados de 1999 mostravam que só 8% dos pais diziam que a publicidade influenciava as crianças. Passado 10 anos, 82% queriam restrições à publicidade e isso tem a ver com a tomada de consciência. Ainda agora saiu uma recomendação para que as marcas façam mais marketing infantil, o que é assustador”, explana.
Aqui, o papel dos educadores é fundamental. “O ideal seria que eles fossem os primeiros a ensinar as crianças sobre as funcionalidades, mas também sobre os perigos dos media digitais. Só que, apesar de estarem cada vez melhores, os pais ainda estão pouco aptos e alguns têm um nível de iliteracia digital muito baixo. Portanto, o que nós verificamos na maior parte dos estudos é que há uma socialização inversa, em que são os pais a ser socializados pelos filhos”, explica a especialista.
“É importante tirar partido destes meios [digitais] sem fazer deles uma babysitter”
Ao mesmo tempo, os pais reconhecem os aspetos positivos do contacto com o meio digital. Uma das mães inquiridas no estudo diz mesmo que “com tecnologias eles [as crianças] conseguem aprender coisas mais facilmente e de forma mais motivadora”, assim como desenvolver desde cedo novos idiomas.
Para Cristina Ponte, a solução passa por uma questão de “bom senso, regulação e equilíbrio” e acrescenta: “Há muitos lados positivos, a tecnologia alimenta-lhes [às crianças] a imaginação, a conversação, a experiência estética. É importante tirar partido destes meios sem fazer deles uma babysitter”.
Luísa Agante defende uma autonomia limitada no acesso das crianças ao meios digitais e audiovisuais. “Para os pais que o conseguirem, o controlo e orientação do conteúdo seria o ideial. Mas reduzir as horas, principalmente à noite, já é muito bom, uma vez que o excesso de horas é extremamente prejudicial”, remata.
“Boom Digital? Crianças (3-8 anos) e Ecrãs” está disponível gratuitamente e apresenta uma reflexão sobre o papel das famílias na socialização digital e como as crianças mais pequenas estão a crescer entre ecrãs.
Artigo editado por Sara Beatriz Monteiro