Esta semana, Elon Musk enviou para o espaço o foguetão Falcon Heavy, desenhado para transportar mais de 66 toneladas. Se a missão decorrer como planeado, a nave vai deixar numa órbita próxima de Marte outra das invenções do fundador da SpaceX: um Tesla Roadster vermelho.
O “The New York Times” nomeou-o de “provavelmente o empresário mais bem-sucedido e importante do Mundo”. Mas como é que Elon Musk chegou até aqui?
As origens
Elon Reeve Musk nasceu a 28 de junho de 1971 em Pretória, na África do Sul, filho primogénito de Maye, nutricionista e modelo canadiana, e Errol, engenheiro sul-africano.
Os pais divorciam-se quando Elon tinha nove anos e esse foi o primeiro ponto de viragem na vida do empresário. Os irmãos, Kimball e Tosca, permaneceram com a mãe, mas Elon, decidiu ir viver com o pai para que este não ficasse sozinho. Mais tarde, classificou esta como a pior decisão da sua vida. Ainda hoje, está de relações cortadas com o pai, que diz ser “a pior pessoa do mundo”.
Elon confessa que foi “criado pelos livros e só depois pelos pais”. Devorava obras de ficção científica e talvez tenha sido a trilogia “Fundação”, de Isaac Asimov, a cultivar em Musk o bichinho da colonização intergalática.
A série de livros conta a saga de Hari Seldon, um visionário que desenvolveu um método científico de prever o futuro, baseando-se no comportamento das massas. Seldon prevê 30 mil anos de uma Era Negra que condena a espécie humana à extinção e cria um plano que envolve enviar colónias para planetas distantes para ajudar a civilização a mitigar o cataclismo inevitável.
Outros autores de referência para Musk, na infância, são Robert Heinlein – autor de “História do Futuro” e “A Rapariga de Marte” – e Douglas Adams – que escreveu “À Boleia Pela Galáxia” e “O Restaurante no Fim do Universo”.
A família conta que Elon era uma criança peculiar. Não respondia quando falavam com ele e tinha um olhar distante. Chegaram mesmo a ponderar que talvez fosse surdo e por isso até lhe removeram os adenoides, para tentar melhorar a sua audição.
Elon Musk aprendeu a programar em criança e aos 12 anos já tinha desenvolvido um videojogo.
Aos 10 anos teve o primeiro computador, um Commodore VIC-20 que vinha com 5 KB de memória, 32 KB de armazenamento e um manual de programação. O que julgavam levar meio ano a assimilar, Elon fez em três dias e três noites. Não pregou olho até saber programar em BASIC.
Dois anos depois, em 1984, desenvolveu e vendeu o jogo “Blastar” – idêntico ao velhinho “Space Impact”, da Nokia – por 500 dólares à revista sul-africana “PC and Office Technology”.
Na escola, também não lhe fizeram a vida fácil. Ao contrário da figura robusta que tem hoje, Elon Musk foi durante muito tempo o miúdo mais pequeno da turma. Isso valeu-lhe várias tareias e um nariz partido (que só corrigiu aos 41 anos).
Aos 15, pôs de lado os livros e decidiu aprender artes marciais para se defender. Nunca mais lhe voltaram a pôr um dedo em cima.
Os primeiros passos nos negócios
Em 1989, Musk estava prestes a cumprir o serviço militar obrigatório na África do Sul. Como não queria, ainda com 17 anos, voou para o Canadá, contra a vontade do pai.
Na quinta dos primos, em Waldeck, era Elon quem cuidava das plantações de feijão. Foi agricultor, lenhador, descarregou silos e limpou caldeiras.
Ao mesmo tempo estudava na Universidade de Queens, no Ontário. O gosto pelo negócio já lá estava. Para ganhar algum dinheiro, vendia e arranjava computadores. Até que, em 1992, consegue uma bolsa de estudos na Universidade da Pensilvânia e vai para os Estados Unidos.
Lá, continua a aventurar-se em negócios. Elon e um amigo começam a organizar festas para estudantes ao fim de semana. Com isto, apenas numa noite, Musk ganhava o suficiente para pagar um mês de renda e as propinas.
Em 1995, licenciou-se em Gestão e Economia e, dois anos depois, terminou uma segunda licenciatura em Física.
Musk sempre gostou de colocar desafios a si próprio. Ainda na faculdade, resolveu tentar viver só com um dólar por dia, como faziam as pessoas mais pobres do mundo. No entanto, a experiência não durou muito. Após alguns meses, começou a ter complicações de saúde decorrentes da baixa ingestão de nutrientes.
Depois de deixar a Penn State, Musk inscreveu-se no doutoramento em Física Aplicada na Universidade de Stanford, Califórnia. Esta mudança coincidiu com o boom da Internet e, dois dias após começar as aulas, Elon desistia do curso e lançava a sua primeira companhia, a Zip2, com o irmão Kimbal.
A Zip2 Corporation funcionava como um guia online da cidade e em pouco tempo já tinha parcerias com o “The New York Times” e o “Chicago Tribune”. Em 1999, foi comprada pela Compaq Computer Corporation por 22 milhões de dólares.
A fortuna de Elon Musk está avaliada em 20.8 mil milhões de dólares.
Com parte desse montante, um ano depois, os irmãos Musk fundavam uma nova companhia, a X.com, que levou à criação do PayPal como hoje o conhecemos.
Em outubro de 2002, a empresa foi comprada pelo eBay por 1,5 mil milhões de dólares. Estavam lançadas as primeiras pedras da fortuna daquele que é, segundo a Forbes, o 12º homem mais rico na área da tecnologia e o 80º mais rico do mundo em 2017.
De Silicon Valley para Marte
Depois de vender a PayPal Inc., Musk não saiu de Silicon Valley. Começava o dia na Pinnacle, uma startup que investigava o uso dos ultracapacitadores (baterias) como modo de revolucionar os carros elétricos e híbridos, e terminava na Rocket Science Games, onde trabalhou com Tony Fadell (que anos depois conduziria grande parte das pesquisas que levariam ao iPhone e iPod).
Com os cerca de 180 milhões de dólares do retorno de investimento da venda da PayPal Inc., Musk investiu 100 milhões para começar a SpaceX, 70 milhões na Tesla Motors e 10 milhões na Solar City. Pouco sobrou para si mesmo.
Em 2007, Musk contou à revista Inc. que nesta altura chegava a beber oito latas de Coca-Cola por dia, às quais ainda juntava uma quantidade bastante elevada de café. Era a única forma de se manter acordado e concentrado durante a época em que trabalhava mais de 100 horas por semana.
Elon Musk tornou-se assim o segundo empresário de Silicon Valley a conseguir criar três empresas com capitalização de mercado superior a mil milhões de dólares. Empresas essas que começaram com um pequeno grupo de empreendedores a trabalhar com recursos limitados e a esforçarem-se por alcançar um objetivo distante e ambicioso.
SpaceX
Os “sonhos de menino” de Elon Musk ganharam forma aos 31 anos quando, em 2002, fundou a Space Exploration Techonologie, mais conhecida como SpaceX, com a intenção de construir naves espaciais para viagens comerciais.
Os dois primeiros foguetes a serem lançados foram, em 2006, o Falcon 1 (uma clara referência à Millennium Falcon, de Stars Wars), e o Falcon 9, em 2010.
Só à quarta tentativa tiveram sucesso. Em janeiro de 2011, a SpaceX tornou-se a primeira empresa no mundo a vender um voo comercial à Lua. Musk desenvolveu o “Grasshopper” (literalmente, gafanhoto), um foguete reutilizável que poderia levantar voo e regressar à plataforma que o lançou.
Em maio desse ano, Musk e a SpaceX fizeram novamente história quando a companhia lançou o Falcon 9 para o espaço uma segunda vez. O foguetão foi enviado para a Estação Espacial Internacional com mil quilos de mantimentos para os astronautas. Foi a primeira vez que uma companhia privada enviou uma nave espacial para a Estação.
A SpaceX também desenvolveu a nave Dragon, que para além de transporte de cargas foi projetada para levar até sete tripulantes. Elon Musk é o designer chefe na construção das naves da empresa.
Em 2001, Elon Musk infiltrou-se numa angariação de fundos da Mars Society e chamou a atenção do presidente da organização. Robert Zubrin percebeu que o filantropo pensava para além das metas da Mars Society (queria enviar ratos para Marte), e convidou-o a juntar-se à direção.
Da fundação fazia parte, na altura, Michael Douglas Griffin – presidente da NASA de 2005 a 2009 -, que confessa ter-se aconselhado várias vezes com Musk.
O objetivo máximo de Musk é criar habitats para os humanos noutros planetas. Em 2006, a SpaceX estabeleceu um contrato com a NASA no âmbito do programa CTOS (Comercial Orbital Transportation Services) e Musk prometeu colocar um homem em Marte em 2024.
A ideia é que cada voo transporte cerca de 100 pessoas e que os preços da viagem rondem os 100 mil e os 200 mil dólares (entre 80 e 160 mil euros). Musk estima, contudo, que possa levar entre 40 a 100 anos até que a colónia autossustentável de 80 mil pessoas no planeta vermelho esteja efetivamente pronta.
Anos depois, começou um projeto chamado Mars Oasis, com a ideia de construir estufas e cultivar alimentos em Marte.
Elon Musk sonha com viagens interplanetárias relativamente baratas. Mais recentemente, a SpaceX apresentou o Interplanetary Transport System (ITS), que, a longo prazo, pretende generalizar o turismo espacial.
Tesla Motors
Musk pode também orgulhar-se de ser o dono da única empresa de carros americana a ser fundada em quase 100 anos – a Chrysler foi a última, na década de 1920.
Em 2005, o empresário assumiu o controlo da Tesla, a startup de veículos elétricos que Martin Eberhard e Marc Tarpenning lançaram em 2003.
A empresa nomeada em homenagem ao sérvio Nikola Tesla, que fez descobertas revolucionárias no campo do eletromagnetismo, esteve perto da falência durante a crise que correu o mundo em 2008.
No livro “Elon Musk: Tesla, SpaceX, and the Quest for a Fantastic Future”, Ashlee Vance conta que nesta época, Musk pedia aos funcionários que trabalhassem 20 horas por dia. Ele próprio trabalhava 23 horas, de acordo com o autor. Quando os funcionários se queixavam da pressão, Musk respondia que teriam tempo para estar com a família quando a empresa falisse.
Musk investiu tudo o que tinha na Tesla e conseguiu salvar a companhia e manter a sua posição como chairman.
Para Elon Musk, as coisas têm de ser úteis, lógicas e cientificamente possíveis. Esforça-se para que o produto final seja esteticamente apelativo, simples, cool e personalizado. Atualmente, é ele quem supervisiona todo o desenvolvimento, engenharia e design dos produtos da empresa.
Em abril do ano passado, a Tesla anunciou que havia ultrapassado a General Motors e alcançado o lugar de maior produtor americano de automóveis.
Segundo a Forbes, a Tesla Motors está avaliada em mais de 33 mil milhões de dólares.
O plano da empresa é vender meio milhão de carros elétricos por ano, até 2020. Hoje, vendem em média 55 mil veículos por ano.
Claro que os números importam, mas não é O dinheiro que move Elon Musk. Outro trunfo da empresa é a rede Supercharger, uma rede de postos de ccarregamento que já cobre as maiores estradas americanas e algumas na Europa, onde é possível recarregar os veículos elétricos gratuitamente.
Por um planeta melhor
As preocupações de Elon Musk passam por melhorar o modo como a energia é gerada, armazenada e consumida. Por isso, em 2016, juntou o útil ao agradável ao comprar a SolarCity Corporation e assim combinou a indústria de carros elétricos com a das energias renováveis.
Fora da SpaceX e da Tesla, Musk tem, de forma contínua, tentado tornar as suas ideias inovadoras em realidade. Em Nova Iorque, tem uma cidade do futuro em construção, o Tesla Design Studio.
Em agosto de 2013, Elon Musk lançou as bases para um novo meio de transporte chamado “Hyperloop”, uma invenção que iria encurtar substancialmente o tempo das viagens. Sem atrito com o ar, o veículo pode deslocar-se a cerca de 1200 km por hora e tornaria possível viajar entre Washington D.C. e Nova Iorque em menos de meia-hora. O mesmo se aplicaria, por exemplo, numa viagem Porto-Lisboa.
Musk afirma que esta forma de viajar seria mais segura do que usar o avião ou o comboio. Mas para já, o custo estimado da implementação da infraestrutura é de 6 mil milhões de dólares.
A Inteligência Artificial é outra das áreas pelas quais Elon Musk tem mostrado mais interesse. O homem que dá alma à SpaceX e à Tesla lidera desde 2015 a OpenAI, uma organização sem fins lucrativos dedicada a minimizar os perigos da inteligência artificial.
Elon Musk foi conselheiro do executivo de Donald Trump, mas demitiu-se quando os EUA saíram do Acordo de Paris.
O ano passado, Musk revelou que estaria a desenvolver um dispositivo, o Neuralink, que poderá ser implantado no cérebro e possibilitar a ligação da mente com uma interface eletrónica. Contraditório? Talvez. O desafio de criar algo mais inteligente do que nós próprios é muito grande.
Musk quer garantir que não somos controlados pelas máquinas se tivermos acesso ao conhecimento que nós humanos temos, mais o conhecimento artificial da tecnologia. O visionário admite, contudo, que este projeto só tem “5% a 10% de hipóteses de sucesso”.
Em 2015, encabeçou a lista dos Luddite Awards, criados pela organização americana Information Technology and Innovation Foundation (ITIF), que “premeiam” os principais adversários da tecnologia. A ITIF considerou Musk “alarmista” por “estar a divulgar uma ameaça de que os seres humanos estariam a perder o controlo sobre a Inteligência Artificial”
Em 2007, Musk aborreceu-se com o trânsito e decidiu encontrar uma solução. Lançou então, em outubro, a The Boring Company que propõe a construção de túneis paralelos às grandes vias de trânsito e que funcionariam como uma alternativa mais rápida às estradas tradicionais.
Após a eleição de Donald Trump e o anúncio de que o novo presidente americano teria grandes planos para o desenvolvimento de infraestruturas, Elon Musk encontrou solo comum com o executivo republicano.
Em Dezembro de 2016 foi convidado a integrar o Fórum de Estratégia e Política e em janeiro juntou-se à Iniciativa de Fomento de Emprego. Apesar de discordar das medidas mais controversas de Donald Trump (as restrições à imigração, por exemplo), Musk manteve funções como conselheiro até junho, quando decidiu sair após os Estados Unidos abandonarem o Tratado de Paris.
Os génios também gostam de videojogos
Elon Musk parece ter saído de um filme de Hollywood. De facto, Musk serviu de base ao realizador Jon Favreau na adaptação do Iron Man ao cinema. O milionário apareceu mesmo como um figurante no segundo filme da Marvel e a personagem que inspirou, Tony Stark, tem um Tesla na sua oficina. No pequeno ecrã, Musk também participou em vários documentários e na série “A Teoria do Big Bang”.
Musk já revelou ser um apaixonado por jogos de computador. À Y Combinator, Musk disse que os seus videojogos favoritos são o Overwatch, Hearthstone, Uncharted 4 e Deus Ex.
No mesmo mês, na conta no Twitter (onde tem uma presença ativa e descontraída), partilhou publicamente o seu número de telemóvel quando tentava entrar em contacto com John Carmack, dono de uma das maiores empresas que desenvolvem softwares de jogos.
Houve quem conseguisse gravar o número e, qual a surpresa, ao serem recebidos por uma saudação do jogo God of War. “Pelos deuses, tu conseguiste”, ouve-se, em inglês. “De algum modo encontraste o teu caminho até mim. Ofereço as minhas congratulações e o meu respeito”.
Do it
— Elon Musk (@elonmusk) December 7, 2017
Elon Musk foi casado (e divorciado) duas vezes. Em 2000 casou com Justine Wilson, que conheceu ainda na faculdade e com quem teve cinco filhos: os gémeos Griffin e Xavier, nascidos em 2004, e os trigémeos Damian, Saxon and Kai, que nasceram em 2006. Antes disso, em 2002, o casal perdeu um filho. Nevada faleceu com apenas dez semanas, de morte súbita.
Mais recentemente, Musk namorou com a também atriz Amber Heard, de quem se separou há pouco tempo. Em entrevista à “Rolling Stone”, em dezembro, o empresário mostrou estar verdadeiramente perturbado com a separação, tendo confessado que não conseguia ser feliz a viver sozinho.
Como se uma mansão milionária em Bel Air não fosse suficiente, Musk possui mais quatro casas numa das zonas mais exclusivas de Los Angeles, avaliadas num valor superior a 60 milhões de euros. Numa das mansões, Elon Musk criou a Ad Astra (“Para as estrelas”), uma escola privada.
Quanto ao futuro, um lugar que não é estranho a Musk, os planos passam por converter o máximo possível de automóveis, habitações e indústrias às energias renováveis; implementar novas formas de transporte intercidades a alta velocidade; aliviar o congestionamento do trânsito com túneis subterrâneos; criar um interface mente-computador para melhorar a saúde humana e capacidade cerebral; e, claro, “salvar” a humanidade da ameaça da inteligência artificial.
Artigo editado por Filipa Silva