Esta semana, partiu do Kennedy Space Center, na Florida, o primeiro foguetão parcialmente reutilizável. O Falcon Heavy é obra da SpaceX, de Elon Musk, e tornou-se o foguetão com maior capacidade de carga a ser lançado para o espaço.

Para Paulo Gil, professor de Mecânica Aplicada e Aeroespacial no Instituto Superior Técnico, em Lisboa, este é um “passo muito importante para baixar substancialmente o preço do acesso ao espaço”.

O voo inaugural terminou com a aterragem imaculada dos propulsores laterais, que podem ser reutilizados vezes sem conta. “É a maior novidade. Quando o Musk apareceu a dizer que queria fazer aterrar os foguetões, toda a gente dizia que era uma ideia maluca. É muito difícil, por isso ninguém pensava que seria possível, mas ele apostou e conseguiu”, observa.

Através da recuperação dos primeiros estágios dos foguetões, Elon Musk está a conseguir “baixar o preço por quilo em orbita”, explica o especialista em planeamento de missões espaciais. “O facto de o combustível ser oxigénio líquido torna a operação mais barata ainda”, acrescenta.

Mesmo assim, o lançamento do Falcon Heavy custou 90 milhões de dólares. Este valor representa, contudo, um quarto do que em 2014 a United Launch Alliance pagou por enviar o Delta IV Heavy para o espaço.

Até esta semana, o Delta IV Heavy era o maior foguetão do mundo, mas foi destronado pelo Falcon Heavy, capaz de enviar para a órbita terrestre 64 toneladas.

“Embora não tendo uma capacidade de carga tão elevada como o Saturno V, o foguetão que foi à lua [final da década de 60, com 140 toneladas], o Falcon Heavy permite fazer outro tipo de missões”, adianta Paulo Gil. “A ISS [International Space Station] é bastante grande e foi sendo construída pouco a pouco. Com um foguetão mais potente, a ISS poderia ter sido construída em muito menos tempo. É possível transportar cargas muito maiores e, eventualmente, módulos de habitação para pessoas”, explana.

Queremos mesmo viver no espaço?

O grande objetivo do dono da SpaceX é criar uma colónia em Marte. Paulo Gil mostra-se apreensivo em relação ao desejo de Elon Musk.

“Ir ao espaço é muito interessante, mas se calhar viver lá não é assim tão bom”, considera o professor. No entanto, Paulo Gil não descarta a hipótese de levar pessoas a Marte, mas “não seria uma prioridade” a curto prazo, nem nas próximas dezenas de anos. Para ele, “seria melhor tentarmos resolver os problemas na terra primeiro”.

Desde logo, chegar até ao planeta vermelho não é tão simples quanto isso. “Neste momento é muito complicado aterrar em Marte. A atmosfera é rarefeita e as sondas mais pequenas, até uma tonelada, não conseguem desacelerar e precisam de airbags ou retro-foguetes. Uma sonda muito maior, capaz de levar pessoas, teria de desacelerar muito cedo e como tem muita massa seria mais difícil. Era preciso arranjar desaceleradores que trabalhem em velocidades hipersónicas”, explica o professor.

Além disso, as condições em Marte não são nada favoráveis à vida humana: “O ambiente é extremamente difícil, não conseguimos sequer respirar lá [em Marte]. Tal como na lua, há uma poeira terrível que se pega às coisas e que estraga os sistemas facilmente, além de poder fazer mal a saúde.”

O que mais preocupa o especialista é a “ligeireza” com que as pessoas olham para Marte. “Tenho até receio que as pessoas se convençam que se as coisas correrem mal na Terra podem fugir para Marte. Isso não é verdade, nem será verdade durante muito tempo”, desabafa.

Paulo Gil enumera algumas das dificuldades:

  • Faz frio
  • Não há fontes de energia óbvias nem água facilmente acessível
  • Não se poderá respirar ar puro
  • Os humanos teriam de viver num habitáculo fechado, provavelmente subterrâneo para se protegerem da radiação e dos meteoritos.

“A vida vai ser difícil, nunca tão boa como na terra”, resume o investigador.

“Fala-se de, a longo prazo, tentar transformar o planeta [Marte] de modo a que a tenha uma atmosfera em que os humanos possam respirar. Mas marte tem uma gravidade muito pequena, o que é bom para os ossos, mas não seria bom para manter a atmosfera. Seria uma operação gigantesca que demoraria certamente muitos anos e não será para começar já”, conclui.

Sem dúvida que estamos um passo mais perto da liberalização do Espaço. Ainda este ano, a SpaceX vai conduzir a primeira viagem comercial para uma operadora de telecomunicações da Arábia Saudita.

Paulo Gil alerta que “o espaço é uma coisa muito perigosa”: “Parece fácil e tem corrido bem à custa de muito trabalho e de muitas pessoas envolvidas à volta do desenvolvimento dos sistemas”, realça.

“Se conseguirmos desenvolver um foguetão que seja pouco arriscado, relativamente seguro e que seja barato, certamente que deverá aumentar o turismo espacial”, prevê.

No quarta-feira (dia 6), a SpaceX lançou o foguetão Falcon Heavy, que deverá alcançar a órbita de Marte.

No quarta-feira (dia 6), a SpaceX lançou o foguetão Falcon Heavy, que deverá alcançar a órbita de Marte. SpaceX

Porquê investir no espaço?

“Eu costumo dizer que quanto mais conheço o espaço mais gosto da Terra”, comenta Paulo, a rir. “Como diz o Neil deGrasse Tyson, os asteroides são a maneira que o universo tem de nos dizer: ‘então como é que vai esse programa espacial?’”.

Para o professor da Universidade de Lisboa, a necessidade de ter um programa espacial baseia-se em três fatores.

“A exploração do espaço é potencialmente útil porque, se nós conseguirmos prever que há um asteróide do tamanho do que matou os dinossauros que vem embater na terra, temos que fazer qualquer coisa e é o programa espacial que nos pode salvar”, coloca em primeiro lugar.

“O homem gosta de explorar, sempre gostou, e é natural que queira conhecer o universo, saber como funciona e visitar novos lugares”, por isso escolhe a exploração espacial como segundo motivo.

Finalmente, a ciência também é importante, embora “normalmente, o programa espacial seja financiado não por causa da ciência, mas por outras razões”.

Na realidade, não foi a ciência que convenceu o congresso americano a assegurar os fundos necessários para o programa Apollo 11, que levou o Homem à Lua em 1969. “Os americanos estavam a perder a corrida espacial [contra o bloco de Leste] e isso correspondia à capacidade do país em termos bélicos e do seu modelo de sociedade”, conta Paulo Gil. “As duas últimas missões Apolo foram anuladas porque, na verdade, só se queria mostrar aos russos e ao mundo que os americanos eram capazes. Já tinham ido à Lua uma vez, não precisavam de lá voltar para apanhar rochas. O mais importante do ponto de vista político já tinha sido conseguido”, termina.

A iniciativa privada na corrida ao espaço

Com o lançamento do Falcon Heavy, a SpaceX tornou-se a primeira empresa privada a lançar um foguete em altitude orbital. Assistimos assim à democratização do espaço, que parece estar à distância de qualquer um.

Para Paulo Gil, este caminho ainda é ambíguo. “As agências vivem de fundos públicos que, normalmente, estão sujeitos aos políticos. E os políticos valorizam tipicamente outras áreas e tendem a desinvestir porque têm um ciclo curto e estes projetos demoram anos”. É aqui que entram as companhias privadas, como a SpaceX, a Virgin e a Blue Origin (da Amazon).

“Elon Musk é, de facto, um visionário e há que lhe dar crédito por estar a investir o próprio dinheiro nisto”, verifica o professor. “Digamos que para milionário, mesmo vindo da tecnologia, é muito mais interessante do que os outros, acima da média”.

Embora não ache que enviar centenas de pessoas para Marte seja necessário, Paulo Gil gosta “de outras ideias que ele teve, ou que não são dele mas que conseguiu catalisar e desenvolver. O ‘Hyperloop’ e os carros elétricos talvez sejam uma inevitabilidade”.

Para o especialista, o homem forte da Tesla sobressai pelo seu interesse e pelo empurrão tecnológico que deu: “Fez aumentar a velocidade das inovações, tem ideias e capacidade para as concretizar. Tem desafios muito grandes do ponto de vista tecnológico que podem dar um retorno muito grande, não só para ele como também para a humanidade”.

Na opinião de Paulo Gil, “para um objetivo assim fora das prioridades e ambicioso é vantajoso, a NASA não conseguiria algo assim tão cedo. Muita da ciência atmosférica que nos leva a conhecer as questões das alterações climáticas são asseguradas pela NASA, tem outras tarefas e está sujeita a orçamentos”.

No entanto, o especialista acredita que se os americanos pudessem votar diretamente no orçamento da agência espacial, “a NASA teria muito mais dinheiro do que tem, provavelmente. Muitos americanos são entusiastas do espaço”.

O professor do IST, que em 2011 integrou a equipa portuguesa que deu um contributo significativo para a explicação da denominada anomalia da Pioneer, salienta a ação da China, que este ano planeia realizar mais de 40 atividades de exploração espacial. “Neste momento, o programa espacial chinês está a crescer a um ritmo avassalador, e é publico, dirigido pelo estado. Por isso, acho que depende muito da vontade dos povos”, conclui.

Artigo editado por Filipa Silva