A temática do bullying alimentar alcançou grande destaque com a estreia do filme “Peter Rabbit”, no qual um grupo de coelhos dá uma amora, propositadamente, a um personagem que sabem ser alérgico ao alimento. O JPN esteve à conversa com Inês Pádua, doutoranda em Ciências do Consumo Alimentar em Nutrição na Universidade do Porto, para perceber as características deste tipo de discriminação.

“[Este tipo de bullying] acaba  por ser muito semelhante ao que ocorre com crianças sem alergia alimentar. No entanto, para além da parte discriminatória, há um contacto forçado com o alimento a que se é alérgico, o que pode gerar uma reação”, esclarece a especialista.

O filme recebeu reações negativas por parte de associações e pais de crianças que lidam diariamente com alergias alimentares, por considerarem que minimiza uma situação que pode revelar-se fatal. A indignação originou, inclusive, uma hashtag que pede o boicote do filme. A Sony Pictures, em conjunto com os responsáveis pela obra cinematográfica, já pediu desculpa publicamente.

Alarmismo deve-se “à irresponsabilidade social desta situação”

“Arrependemo-nos sinceramente de não estar mais cientes e sensíveis em relação ao assunto. Pedimos imensa desculpa”, pode ler-se na declaração partilhada.

Inês Pádua realça que o principal problema do filme é que está dirigido a crianças “que acabam por não ter o mesmo discernimento que um adulto na hora de distinguir o que é ficção e o que não”, fator que pode fazer com que os mais pequenos achem correto e “até engraçado, provocar uma reação alérgica a alguém”. A especialista conclui que o alarmismo se deve “à irresponsabilidade social desta situação”.

“Peter Rabbit” estreou no último fim de semana nos Estados Unidos e ficou em segundo lugar nas bilheteiras. A chegada a Portugal está marcada para 29 de março.

O que é a alergia alimentar?

A investigadora esclarece ao JPN que as alergias alimentares são doenças sem cura e revela que não se sabe exatamente o que está na origem da enfermidade.

“Pensa-se que é causada por diversos fatores. Pode haver uma predisposição genética, mas o ambiente em si, a questão da poluição, a alimentação e até a higiene podem ser uma das razões”, adianta.

A doutoranda explica que a superproteção das crianças pode contribuir para um aumento do risco de desenvolvimento de alergias alimentares: “Desinfetá-las, não deixar que vão para a terra, que contactem com os animais pode acabar por alterar o escudo imunológico e estar na base do aumento da alergia”.

De forma simples, Inês Pádua explica que quando o organismo das pessoas que sofrem da doença entra em contacto com o alimento a que são alérgicas, reconhece-o como perigoso e desencadeia uma ação para tentar expulsá-lo.

As reações traduzem-se em diferentes tipos de manifestações: na pele (vermelhidão, aparecimento de manchas, comichão), gastrointestinal, respiratória (dificuldades em respirar) e circulatória (quebra de tensão, desmaios). As manifestações podem ocorrer de forma isolada ou em simultâneo. Nos casos mais graves a reação alérgica pode ser fatal.

Cuidados a ter: Alergénios podem estar, por exemplo, num balão

Inês Pádua explica que, como a doença não tem cura, a única coisa a fazer para evitar uma reação alérgica é não consumir nem estar em contacto com o alimento a que se é alérgico.

A investigadora adianta que evitar o contacto com os alergénios pode ser difícil, visto que há alguns bastante comuns como, por exemplo, o leite que está “presente numa série de receitas, de alimentos – alguns não tão comuns como a salsicha e o fiambre – e de produtos não alimentares – pode estar num balão e em giz”. A reação pode ser desencadeada por contacto com a pele ou inalação.

Caso ocorra contacto, o tratamento passa pela administração de adrenalina, por via intramuscular, como uma injeção, relata Inês. Caso não haja adrenalina disponível deve chamar-se o INEM e explicar a situação.

Universidade do Porto quer sociedade mais informada sobre as alergias alimentares

Inês, doutoranda em Ciências do Consumo Alimentar em Nutrição na Universidade do Porto

Inês Pádua foi uma das orientadoras dos cursos de Alergia Alimentar na Escola e Alergia Alimentar na Restauração, promovidos pelas Faculdades de Ciências da Nutrição (FCNAUP) e de Medicina (FMUP).

A investigadora diz que o aumento da prevalência da alergia alimentar origina “uma força maior para que a sociedade e comunidade se interesse”. Inês Pádua salienta, contudo, que apesar de haver um aumento do interesse, continua a existir “muita desinformação, muita confusão em volta do assunto, muita gente que acha que se trata de uma preferência, o que as leva a relevar questão”.

Há ainda quem confunda com intolerância alimentar que, de acordo com a especialista “não é a mesma coisa porque só está envolvida a parte gastrointestinal. Apesar de causar um mau estar não vai passar disso.” Inês Pádua realça que esta confusão faz com que as pessoas não estejam tão alertas quanto deveriam.

Uma vez que a parte essencial da segurança do doente alérgico é na sua integração na comunidade – pois em casa estão em “ambientes controlados, com famílias informadas” – a Universidade do Porto lançou em setembro dois cursos online, promovidos pela Faculdade de Nutrição e pela Faculdade de Medicina. Inês Pádua foi uma das orientadoras dos cursos que se centraram nas alergias alimentares nas escolas e nos restaurantes.

Cerca de 17 milhões de europeus têm alergia alimentar. A doença aumentou em 20% na Europa, entre 1997 e 2007.

De acordo com Inês Pádua, os “cursos são muito simples, de pequena duração e em formato vídeo, com recurso à animação para ser mais apelativo”. As formações revelaram-se um sucesso, com muitos inscritos e grande participação efetiva. A investigadora adianta que, em conjunto com a reitoria, estão a tentar perceber a melhor forma de dar continuidade e ter novas edições dos cursos.

A doutoranda esclarece que, além destes cursos, há outros projetos no âmbito da alergia alimentar. Inês Pádua sublinha que a Faculdade de Nutrição e a Faculdade Medicina têm esta doença – que afeta cerca de 17 milhões de europeus e aumentou em 20% na Europa entre 1997 e 2007 – como uma das principais áreas de interesse.

Neste sentido, os alunos do segundo ano de nutrição, no âmbito da unidade curricular de Imunologia, desenvolveram um conjunto de receitas adaptadas a pessoas com alergias alimentares, que estão expostas no site “Receitas sem alergias“.

Artigo editado por Sara Beatriz Monteiro