Há alguns anos que se fala da educação para a cidadania nas escolas. Houve avanços e recuos, nos sucessivos governos, para se implementar o assunto como uma disciplina. Nas palavras do eurodeputado Carlos Coelho, ao JPN, “faltou coerência, faltou a capacidade de termos um consenso sobre o que são aprendizagens fundamentais”.
A disciplina de Formação Cívica tinha como objetivo cumprir a função ao constituir um espaço privilegiado para a formação de identidade e de desenvolvimento da consciência cívica. No entanto, não raras vezes, as aulas servem para abordar assuntos práticos de direção de turma ou como espaço de acompanhamento ao estudo, afirmaram alguns intervenientes.
No entender dos palestrantes, o que falta entre os jovens e as instituições é proximidade e compreensão. Assim, e para colmatar esta falha, surge a nível europeu o CatchEyou, um projeto que pretende fazer a ponte entre os jovens europeus e as instituições políticas .
“Nós construímos a casa, que é a Europa, e agora temos de construir os cidadãos que vão habitar a casa”, disse Lorenzo Floresta, coordenador internacional dos jovens no projeto, ao JPN.
“A qualidade dos políticos tem de ser diferente. As ideias dos políticos estão afastadas dos jovens. Se os políticos não garantirem qualidade de vida, os jovens não vão confiar neles”, acrescentou Lorenzo na conferência que teve lugar na Faculdade de Psicologia da Universidade do Porto.
“Os jovens precisam de espaços para abordar estas questões, não de uma disciplina onde vão ser avaliados se sabem mais ou menos da Europa”
Foi no âmbito deste projeto que se elaborou um estudo com mais sete universidades europeias. O objetivo era saber como é que os jovens veem a União Europeia e a cidadania na juventude. Portugal ficou responsável pela análise WP6 que se destina a saber o papel das escolas na educação e consciência europeia.
Na opinião da deputada do parlamento europeu, Marisa Matias, este tipo de investigações é importante para a construção da cidadania europeia, e lança a crítica: “não há cidadania europeia, nem na juventude, nem noutras faixas etárias”.
Marisa Matias defende que a cidadania europeia é importante, sobretudo, porque “passamos por grandes transformações que motivam a reconfiguração das estruturas políticas”.
No estudo participaram 387 jovens e 101 professores de 6 países da União Europeia: República Checa, Estónia, Alemanha, Portugal, Espanha e Suécia.
Uma das professoras responsáveis pelo projeto, Isabel Menezes, referiu que “a escola é um espaço de vida política para os jovens” e que é crucial “incentivar a escuta ativa”. Neste sentido, em declarações ao JPN, a investigadora afirmou que “os jovens precisam é de espaços para abordar estas questões, não de uma disciplina onde vão ser avaliados se sabem mais ou menos da Europa”.
Ao longo da conferência a solução tornou-se cada vez mais evidente e veio corroborar a pesquisa de três anos: “tem de se trazer a cidadania para a escola, educar para a participação”, afirmou Carlos Coelho.
Isabel Menezes foi mais longe: “A escola transforma tudo em avaliações e testes. É importante que haja qualquer coisa que permita que seja um espaço de natureza diferente que se relacione muito com o vivido”.
“Os meios de comunicação têm de se reconhecer como aquilo que são: uma ferramenta de educação das pessoas”
Também as instituições e os media foram responsabilizados. À conversa com o JPN, Marisa Matias afirmou que “nenhuma instituição está isenta do afastamento dos jovens da política”. No entanto, a eurodeputada vai mais longe e diz que “a política não se esgota nas instituições” e que, se não há espaços credíveis onde se possa exercer política, os jovens podem criá-los. “É uma corresponsabilidade”, acrescenta.
Quanto ao papel dos media, Isabel Menezes referiu que “os meios de comunicação têm de se reconhecer como aquilo que são: uma ferramenta de educação das pessoas”. Afirmou que, no estudo elaborado, verificaram que os media só falam nos jovens quando há problemas e que não cumprem a função de dar voz às manifestações de participação juvenil.
“Isto afasta as pessoas e passa um determinado tipo de mensagem”, acrescentou a investigadora.
Tudo isto foi apresentado num documentário que resumiu – em meia hora – três anos de investigação. O vídeo, realizado com imagens captadas pelos próprios jovens, tem testemunhos bastante ilustrativos do sentimento da geração que é rotulada como “desinteressada pela política” e “individualista”.
Fazer mais pela valorização da Europa
O painel jovem da conferência contou com a presença de representantes de entidades e associações juvenis portuguesas. Vestiram a camisola europeia para dar o corpo pelas causas que os motivam diariamente.
A representar a plataforma Reset esteve Miguel Brito e Campos. A plataforma tem como papel fundamental a aproximação dos jovens da sociedade civil, da política e da cidadania. Através da experiência na Reset, Miguel apercebeu-se que “os jovens querem participar, mas não da forma tradicional. Então que práticas podem ser implementadas?”
Os restantes intervenientes foram respondendo ao mote lançado por Miguel, apresentando possíveis soluções para acabar com a inércia.
Tiago Manuel Rego, representante da Federação Nacional de Associações Juvenis, crê que “os jovens deviam ser o pivô de todas as ações” e não podem assumir o papel de “aparelho pobre do Orçamento de Estado”. Há, portanto, uma falta de investimento nos jovens e nas suas expectativas, o que, na opinião de Tiago, pode motivar a passividade.
O mais jovem palestrante, Ivo Marques, em representação da Federação Nacional de Associações de Estudantes do Ensino Básico e Secundário, referiu, em declarações ao JPN, que os jovens “ficam a descansar em vez de irem descobrir o mundo”. Essa inação deve ser colmatada incitando o desejo de contribuir para a felicidade e para o bem comum.
Hugo Carvalho, presidente reeleito da Comissão Nacional da Juventude, acrescentou à conferência a perspetiva de que os jovens não precisam de ideias sobre o que fazer, eles já têm boas ideias para si próprios.
Na opinião do jovem presidente, o que falta é que os jovens sejam auscultados pelos órgãos e entidades políticas. Nesse sentido, a Comissão Nacional de Juventude é a responsável e porta-voz dos jovens portugueses a nível europeu.
O painel fechou com a ideia de que é preciso fazer mais. Os oradores afirmaram a necessidade de haver uma comunicação mais estreita e transparente entre as instituições e a juventude, numa linguagem mais apelativa e que vá ao encontro dos anseios e expectativas de quem tem o futuro nas mãos.
Artigo editado por Sara Beatriz Monteiro