A edição deste ano do World Press Photo (WPP) marca a História da competição por ser a primeira vez, em 61 anos de existência, que a organização divulga as imagens nomeadas para as diversas categorias do prémio.

No total estão 312 imagens de 42 fotógrafos, provenientes de 22 países, na corrida para os prémios da competição mais importante de fotojornalismo do mundo. Os vencedores serão revelados a 12 de Abril, em Amesterdão.

“Temas Contemporâneos”, “Notícias Gerais”, “Projetos de Longo-Prazo”, “Natureza”, “Desporto”, “Pessoas” e “Notícias” são as categorias já habituais a concurso, às quais se junta uma nova categoria: “Ambiente”. Além das oito categorias, há seis fotografias que concorrem ao prémio mais cobiçado: “Fotografia do Ano”.

A crise do povo rohingya retratada por Patrick Brown, a situação venezuelana por Ronald Schemidt, o ataque em Westminster fotografado por Toby Melville, uma criança raptada e forçada a usar um colete-bomba captada por Adam Fergunson e duas imagens de Ivor Prickett em Mossul são os temas e os candidatos ao prémio principal. (Pode ver a fotogaleria completa no final da página)

O JPN falou com Mário Cruz, vencedor na categoria “Temas Contemporâneos” em 2016, e com Luís Barbosa, fotógrafo profissional e formador no Instituto Português de Fotografia sobre a competição. A conversa passou por temas como a importância do prémio nos dias de hoje, os destaques desta edição e a realidade do fotojornalismo em Portugal.

“Temo que vivamos numa era que é marcada por uma anestesia”

O prémio tem um passado que remonta a 1955, ano em que um grupo de fotógrafos holandeses criou uma competição internacional de fotografia que se viria a transformar no World Press Photo de hoje. Mas qual o papel que a competição tem em 2018?

“Não há uma resposta concreta a essa pergunta”, admite Luís Barbosa, fotógrafo profissional e formador no Instituto Português de Fotografia (IPF).

O autor de trabalhos como The Portuguese Prison Photo Project diz que a dualidade entre a consciencialização do público acerca do que se passa mundo e o impacto que o prémio tem no mundo dos fotógrafos em específico representam o mais próximo de uma resposta que consegue dar.

O fotógrafo acredita na “escola do fotojornalismo, na preocupação social, no conceito de denuncia” e que “a fotografia tem força”.

Por outro lado, questiona se o conteúdo gráfico das imagens que concorrem aos prémios de fotojornalismo terá ou não um impacto real no público: “É apenas mais uma imagem de sangue e sofrimento ou será que faz, de alguma forma, parar as pessoas e não só os fotógrafos?”. “Temo que vivamos numa era que é marcada por uma anestesia a esse tipo de imagens”, remata.

“O World Press Photo não passa de um concurso”

Quem já lidou de perto com as problemáticas do World Press Photo foi Mário Cruz. O fotojornalista – a trabalhar há onze anos de agência Lusa – foi premiado em 2016 na categoria “Temas Contemporâneos”, na subcategoria “Stories”, com o projeto “Talibes, Modern Day Slaves”.

O projeto é composto por um conjunto de imagens captadas no Senegal de rapazes que vivem em escolas islâmicas sob o pretexto de receberem os ensinamentos do Corão, enquanto são forçados a mendigar nas estradas.

O trabalho "Talibes, Modern day slaves" deu o prémio de "Temas Contemporâneos" do World Press Photo a Mário Cruz em 2016

O trabalho “Talibes, Modern day slaves” deu o prémio de “Temas Contemporâneos” do World Press Photo a Mário Cruz em 2016 Foto: Mário Cruz

Mário Cruz surge como o segundo nome luso a ser distinguido pelo prémio internacional. Daniel Rodrigues, em 2013, venceu o primeiro prémio na mesma categoria com o trabalho “Football in Guinea-Bissau”. O reconhecimento não surgiu de imediato e foi obrigado a vender o equipamento fotográfico para pagar as contas, como referido pelo P3 em 2013. Apesar disso, o seu trabalho é hoje publicado um pouco por todo o mundo.

Para Mário Cruz, entrevistado pelo JPN, o World Press Photo “não passa de um concurso”, embora o prémio “evidencie o que de melhor se faz no fotojornalismo” e tenha “um papel revelador” que pressiona entidades como “governos e ONG’s com trabalhos jornalísticos que muitas vezes não têm oportunidade de ser publicados”.

Luís Barbosa partilha a visão de Mário Cruz no que diz respeito à importância dos temas a concurso:”Na edição deste ano, as imagens das mulheres que estão a aprender a nadar, por exemplo, são histórias que passam ao lado ao cidadão comum, não estão na linha da frente, mas que também são importantes e simbólicas no mundo em que vivemos”.

O fotógrafo referia-se ao trabalho de Anna Boyiazis. O projeto da norte-americana concorre à categoria “Pessoas” com imagens que retratam mulheres que, no arquipélago de Zanzibar, na Tanzânia, são impedidas de aprender a nadar por razões culturais e religiosas.

“Há coisas que são visíveis, que de alguma forma são relembradas ou outras que são mostradas pela primeira vez com o trabalho destes fotojornalistas que andam não só nos sítios considerados quentes, como a Síria, mas também noutro tipo de geografias que também nos são mais distantes a nível informativo” sublinha Luís Barbosa.

Tem o World Press Photo mais prestígio hoje?

Quanto à evolução do valor e prestígio do prémio, entre o fotógrafo da agência noticiosa e o professor do IPF, as opiniões divergem.

Para Luís Barbosa, o WPP continua a ter o mesmo valor de outrora. “Acredito que possa até ter uma maior carga devido também a este boom que a fotografia está a ter”.

O fotógrafo sublinha, contudo, a crescente importância que é dada à história por trás das imagens: “Embora a imagem vencedora todos os anos seja a mais importante, acho que o fotojornalista de hoje em dia tem mais lugar a explorar a ideia, o conceito por trás das grandes notícias”.

Já Mário Cruz não acredita que o WPP “tenha ganho cada vez mais destaque, antes pelo contrário”. O profissional é da opinião que os fotógrafos procuram cada vez mais um tipo errado de atenção com o prémio: “Eu já ganhei um [prémio do WPP], mas a verdade é que para mim o prémio significa atenção para o meu trabalho, não atenção para mim enquanto fotógrafo [algo que] infelizmente os fotógrafos procuram cada vez mais no prémio”.

“Marketing” é razão para a divulgação dos nomeados

A grande novidade da edição deste ano é a revelação dos nomeados. “Marketing” é a palavra-chave segundo ambos os entrevistados.

“No fundo há uma estratégia de marketing ao nível do broadcast da emissão televisiva para a cerimónia de revelação dos vencedores para dar mais divulgação ainda ao WPP. Eu acho muito positivo mostrar não só a imagem vencedora, mas perceber qual o teor, quais as imagens nomeadas”, diz Luís Barbosa.

Já Mário Cruz é mais crítico: “Bem, é uma estratégia” -começa por dizer – e acrescenta: “A verdade é que a fotografia do ano tem aquele impacto imediato e nós não sentimos esse efeito este ano. Não é uma coisa que para mim faça muito sentido. Acho que o fotojornalismo não tem que estar refém de mediatismo, de cerimónias, mas também percebo que para quem organiza um prémio como este precise desse tipo de feedback para o continuar a fazer”.

Há temas mais “apetecíveis” na corrida a “Fotografia do ano”

Entre as imagens gráficas, zonas quentes, temas que pressionam governos, existem características que sejam mais apreciadas pelos jurados do WPP?

“A resposta, não sendo matemática, indica um ‘sim’. Parece que todos sabemos, mesmo antes de serem anunciadas as imagens vencedoras, que as temáticas dos refugiados, a temática da Síria ou da Venezuela, são mais apetecíveis”, indica Luís Barbosa, o que é comprovado pelos temas das imagens apontadas à “Fotografia do ano” deste ano.

Por outro lado, o fotógrafo Mário Cruzafirma que “não nos podemos esquecer que o fotojornalismo sempre teve ligado a documentar o que se passa no mundo, por isso é natural que todos os anos, no WPP, estejam evidentes alguns dos temas como a guerra, uma crise migratória, ou humanitária. É natural que seja um tanto ou quanto repetitivo”.

Mário Cruz diz-se admirado não por ver os mesmos temas, mas por não ver trabalhos que o surpreendam e lhe “dêem a conhecer algo que não conhecia”.

Destaques do World Press Photo em 2018

Relativamente aos destaques deste ano, as perspectivas entre os entrevistados divergem.

Por um lado, Luís Barbosa admite que não conseguiu “mergulhar” nos nomeados, mas destaca o trabalho de Ivor Prickett, autor que tem duas imagens nomeadas para “Fotografia do Ano”, num trabalho em Mossul com civis iranianos.

Ainda assim aponta favoritismos ao retrato de Aisha, menina de 14 anos vítima de rapto pelo Boko Haram no Senegal, conseguida por Adam Ferguson.

“É uma imagem muito estilizada, talvez demasiado até para fotojornalismo, mas é muito forte a nível simbólico. Além de ser bela esteticamente, tem uma força incrível, talvez por uma questão de esperança. Acho que é uma imagem que pode ser uma das vencedoras”, adivinha Luís Barbosa.

Aisha, 14 anos, vítima de rapto pelo Boko Haram, na Nigéria

Aisha, 14 anos, vítima de rapto pelo Boko Haram, na Nigéria Foto: Adam Ferguson

Já Mário Cruz não aponta destaques entre os nomeados para o prémio máximo do fotojornalismo deste ano.

“Para ser honesto, esta edição não foi daquelas que me agarrasse”, admite, acrescentando que estava expectante que o trabalho de Kevin Frayer sobre a crise dos rohingya “pudesse ser uma que entrasse no lote das possíveis vencedoras do prémio ‘Fotografia do ano'”, o que não aconteceu.

Importância do prémio nos vencedores portugueses

Na história da competição, apenas dois nomes portugueses constam na lista de vencedores do World Press Photo. As vitórias de Daniel Rodrigues em 2013 e de Mário Cruz em 2016, segundo Luís Barbosa, foram “marcos para o fotojornalismo em Portugal”.

A atribuição do prémio na carreira dos vencedores é “da maior importância”, nas palavras de Luís Barbosa que sublinha o caso de Daniel Rodrigues: “O Daniel [Rodrigues] era um bom fotógraf,o mas com um trabalho que não estava a ser aceite aqui em Portugal”.

Depois do prémio, o fotógrafo acabaria por ganhar reconhecimento, contando hoje com publicações em jornais como o New York Times, The Wall Street Journal, The Washington Post, entre inúmeros prémios no seu palmarés.

“Se ele não tivesse tido o tal voto para seguir em frente não estaríamos a falar dele hoje em dia, não haveria o apoio, não havia o New York Times”, remata Luís Barbosa.

Por outro lado, os dois vencedores portugueses tiveram “um percurso completamente diferente”, segundo o próprio Mário Cruz. O fotógrafo admite que o prémio trouxe mais visibilidade aos seus trabalhos, mas a sua vida profissional “não mudou grande coisa”: “Não vejo os prémios como uma forma de me assumir enquanto fotógrafo, nunca o vi, nem julgo que isso seja o mais importante, muito pelo contrário”.

Apesar disso, os prémios trazem “mais facilidade em publicar trabalhos”, concordam os dois entrevistados.

“Em Portugal não há muitos apoios”

Para Luís Barbosa, para receber apoios em Portugal “é preciso primeiro um prémio desses ou então, no caso do Mário Cruz, pedir um mês ou mais de licença sem vencimento e seguir pelo próprio investimento”.

Apesar reconhecer a falta de apoios, Mário Cruz prefere manter-se independente nos seus trabalhos: “Em Portugal não há muitos apoios. Eu, na verdade, nem os procurei antes de fazer o meu trabalho, porque eu gosto de ter a independência total do planeamento e concepção dos meus projetos. Não quero pressões, não quero deadlines, seja para o que for”.

Para Luís Barbosa, em Portugal “ainda se vive muito dessa necessidade do currículo, do prémio” para apoiar os trabalhos dos fotógrafos. O mesmo diz Mário Cruz que considera ser “mais fácil chegar a Portugal com trabalho feito do que sair de Portugal para fazer um trabalho”.

Luís Barbosa considera, no entanto, o panorama compreensível: “Não vamos ser poéticos, tudo funciona em torno de dividendos e do que os trabalhos poderão dar”.

Com falta de apoios, ou não, para seguir trabalhos, Mário Cruz diz-se mais preocupado com o facto de, em Portugal, “não existir condições para publicar esses trabalhos”.

O projeto que lhe deu o prémio do WPP foi “publicado um pouco por todo o lado, menos em Portugal”.

“Não consigo perceber porquê. Na minha ótica, o trabalho tinha muito interesse. Não foi por acaso que o livro que tinha precisamente esse trabalho esgotou, num mês e meio, em Portugal, mas não houve nenhuma publicação portuguesa que o quisesse publicar”.

A responsabilidade, segundo o fotojornalista, também é dos consumidores de informação: ” [Os portugueses] não exigem conteúdos que não seja uma pessoa a falar ao microfone todos os dias. Lamento imenso que seja assim em Portugal”, remata.