O JPN esteve no Correntes d'Escritas e pediu aos escritores que contassem histórias nunca partilhadas em livro. Julieta Monginho, Afonso Cruz, João Tordo, Valério Romão e José Mário Silva aceitaram o desafio.
O Correntes d’Escritas terminou, mas as narrativas partilhadas não têm prazo de validade. À conversa com cinco escritores, o JPN ficou a conhecer histórias da vida real dos que fazem da ficção uma forma de vida.
Julieta Monginho, Afonso Cruz, João Tordo, Valério Romão e José Mário Silva contaram segredos para mostrar que os escritores, por vezes, também são um livro aberto.
Julieta Monginho: O rapaz gordo e outros voos
“Eu tenho uma vida extra-literária muito complicada e cheia de histórias que não posso contar. Eu sou Procuradora da República e trabalho num Tribunal de Família. Por dia, passam pelos meus olhos cerca de 50 histórias, e eu costumo dizer, a brincar, que se outro escritor passasse um dia comigo teria histórias para a vida inteira. Não as escrevo, porque eticamente não devo e porque a transcrição da realidade não me diz nada. Mas, para satisfazer a curiosidade do leitor: Relativamente a este livro – Um Muro no Meio do Caminho – há duas pequenas referências que dizem respeito a histórias que eu encontrei na realidade da minha vida profissional, apesar de não serem transcritas. Uma é o nome do rapaz, do gordo, que é o nome de um rapazinho refugiado que vinha fugido do Irão e que eu acolhi no Tribunal. Mas a história não está contada na totalidade… Este menino que eu encontrei tocou-me muito.
Outra personagem do livro está relacionada com a história de uma criança que nasceu no aeroporto, na altura em que a mãe vinha fugida da Síria. Vinha a família toda, foram todos para a Alemanha. Mas ela entrou em trabalho de parto no aeroporto, por isso a criança nasceu em Portugal. A mãe e a criança foram para a maternidade, mas a família tinha que sair. Como a criança nasceu com problemas graves, muito prematura, teve de ficar num hospital algum tempo e a mãe não podia acompanhá-lo. Num dilema grande, teve que decidir se devia ficar aqui, com a criança, em Portugal, ou se ia ao encontro com a família, porque ela teria de se registar na Alemanha, senão perderia a sua oportunidade de ser acolhida. E, então, numa decisão que eu acredito que tenha sido algo dramática, ela foi para a Alemanha e deixou a criança cá. Mas deixou uma carta, de forma a que se percebesse que ela não estava a abandonar o menino. Quando ela conseguiu a sua integração na Alemanha, veio a Portugal buscar o filho e nós tivemos uma sessão de acolhimento no Tribunal.”
Afonso Cruz: Quem rouba palavras fica mais rico
“Em setembro, estive com uma série de governantes palestinianos e muitos deles confessaram ter roubado o meu livro. Sacaram-no da Internet. É um episódio curioso, porque há uma dificuldade em aceder aos livros lá. Israel não deixa importar. Mas foi, sobretudo, engraçado o à-vontade com que me disseram isto. Um deles disse-me que tinha roubado os livros em árabe da Internet para os ler.”
João Tordo: Tirar um coelho literário da cartola
“Eu escrevi um livro em 2014, A Biografia Involuntária dos Amantes, no qual a personagem principal é um poeta mexicano que se chama Sandaña Paris. Ele é uma pessoa verdadeira. Eu pedi-lhe autorização para o usar como personagem para um livro e ele disse-me que não, que não permitia. Eu usei na mesma, porque nós somos amigos e temos este entendimento, que, às vezes, funciona ao contrário. Depois, quando o livro foi publicado eu achava que ia passar despercebido ou que não ia ter um grande impacto. O livro acabou por ser editado em vários países e com imensas traduções. Já não ouvia falar dele há um ano e um dia recebi uma fotografia, no Facebook ou no Whatsapp, do Saldaña Paris a segurar um coelho morto, cheio de sangue, a escorrer para o chão. Eu acho que era a forma de ele me dizer que eu estava lixado porque o tinha usado como protagonista e ele não tinha autorizado.”
Valério Romão: Sobre a vingança que se serve fria…
“Uma vez quis vingar-me de um vizinho que estacionava o carro no lugar onde ele já sabia que era o lugar do meu carro. Para me vingar atirei um botija de gás vazia para cima do capô do carro dele.”
José Mário Silva: … ou que não se serve de todo
“A história da minha vida que eu quero contar é esta: Às vezes, eu devia ser capaz de me vingar, mas não consigo.”
Artigo editado por Sara Beatriz Monteiro