O Governo anunciou esta quinta-feira (22) que pretende cortar em 5% as vagas nas universidades e institutos politécnicos públicos de Lisboa e do Porto, nos próximos dois anos. A Universidade do Porto já se mostrou contra a medida, porque limita o leque de escolhas dos alunos e resulta em menos dinheiro para as instituições, uma vez que, com menos alunos, as universidades cobram menos propinas e veem, assim, reduzido o financiamento.

Especialistas concordam: medida “apresenta equívocos”

Ao JPN, Pedro Teixeira, investigador do Centro de Investigação de Políticas do Ensino Superior (CIPES), admite que esta decisão foi recebida com “surpresa” e que “apresenta alguns equívocos”.

O também vice-reitor da Universidade do Porto acredita que a proposta “põe no mesmo grupo instituições que têm situações muito diferentes”. Pedro Teixeira realça que “as universidades do Minho, Aveiro, Coimbra, os politécnicos de Leiria e do Cávado e Ave e de Setúbal” têm situações bastante diferentes de “universidades, institutos politécnicos e escolas superiores que são localizadas em zonas com menos população e em que há mais envelhecimento e tendência para perder população”, nota.

Luísa Cerdeira, especialista em Ensino Superior, concorda que a medida “não está bem contextualizada” com um “sentido simpático, mas que realmente é inócuo”.

A investigadora da Universidade de Lisboa questiona o critério de seleção das instituições que vão ser alvo de cortes no número de vagas: “Se é uma questão interior/litoral, não entendo porque é que Aveiro, Coimbra e até Braga, não entram também nessa ação”.

As exceções a esta nova regra serão os cursos de Medicina, Tecnologias da Informação, Física e algumas Engenharias. Luísa Cerdeira questiona também esta isenção: “Acho interessante. Qual é o porquê? Só precisamos de pessoas formadas nas novas tecnologias, na Física ou na Matemática?”.

Pedro Teixeira sugere que esta medida pode estar relacionada com o fim dos mestrados integrados.

“Se for separado o mestrado da licenciatura, a perceção que existe é que, se calhar, os alunos fazem o primeiro ciclo na instituição mais próxima e depois vão tentar fazer mestrado naquelas instituições mais prestigiadas e nas zonas onde há mais oportunidade de emprego, ou seja, no litoral e nas grandes áreas metropolitanas”, explica.

“Visto que uns vão perder alunos ao nível do segundo ciclo, eu acho que, se calhar, isto é um bocadinho para tentar compensar ao dar-lhes mais [alunos] no primeiro ciclo e vice-versa”, analisa o professor.

Estudantes de “camadas mais desfavorecidas” podem ser os mais afetados pela medida

Luísa Cerdeira considera a proposta do Governo “desgarrada” e que se não for acompanhada de outras medidas, “como a concessão de bolsas de estudo e de apoio a estudantes, muito dificilmente atingirá o objetivo”.

A doutorada em Ciências da Educação acredita que esta medida pode afastar os jovens do ensino superior.

“Os estudantes que vêm de camadas mais desfavorecidas, não têm condições financeiras para poderem suportar não só o pagamento nos estudos de educação – propinas, livros, etc – como, sobretudo, não têm condições para pagar despesas de transporte, de estadia e de serem alunos deslocados”, explica. “Portanto, provavelmente o que vai acontecer é: ou desistem de estudar ou ainda assim ficará mais barato procurar uma instituição privada”, conclui Luísa Cerdeira.

Pedro Teixeira vai ao encontro desta opinião quando refere que “aquilo que a maior parte dos estudantes pode acabar por optar é tentar uma instituição privada, se houver oferta privada nas suas áreas”.

“Se não houver lugares para todos, começa a haver competição e portanto essa competição normalmente favorece os estudantes que têm um nível socioeconómico elevado”, entende o investigador.

Para o professor da Faculdade de Economia da Universidade do Porto, esta medida é contraditória tendo em conta a recomendação da OCDE para aumentar o número de alunos no ensino superior.

“Se houver uma redução nas instituições que eram muito procuradas sem haver um aumento nas outras, quer dizer que vamos ter menos alunos no ensino superior, o que não deixa de ser um resultado irónico”, refere.

“Eu acho que, se a ideia é redistribuir a capacidade do sistema das duas grandes áreas metropolitanas para o resto, isto não pode ser assim só uma medida avulsa sem o resto. Acho que não vai ter grande efeito em termos de dinamização do interior, mas vai prejudicar instituições que podiam acolher mais estudantes”, afirma Pedro Teixeira.

“Houve toda uma vinda para o litoral de camadas menos favorecidas nas últimas décadas e elas estão agora aqui. Será que esse retorno à terra do seus avós, se não for acompanhado de outras medidas, vai ser conseguido? Muito dificilmente”, entende Luísa Cerdeira.

Quem ganha?

“Quem ganha… isso é que ainda é mais duvidoso”, confessa Luísa Cerdeira. “Não é liquido que quem ganhe sejam as instituições do interior”, crê a especialista.

Luísa Cerdeira defende que “uma medida destas por si só – e sem ser acompanhada de outras medidas de apoio social para que esses estudantes se possam deslocar para o interior – pode aumentar ligeiramente potenciais candidatos ao ensino privado. Mas também pode potenciar as instituições do litoral públicas”.

O vice-reitor da Universidade do Porto (UP) subscreve a opinião da investigadora quando diz que “quem pode beneficiar desta medida vão ser sobretudo as instituições que não estejam no Porto ou Lisboa. Não creio as instituições do interior vão beneficiar significativamente da medida”.

“As instituições do interior, em muitos casos, já não preenchem os seus numerus clausus. Enquanto que as instituições mais do litoral que já preenchiam na sua esmagadora maioria, ao poderem aumentar, vão conseguir captar mais alunos”, explana Pedro Teixeira.

Quem perde?

“As instituições que vão ver as suas vagas cortadas vão perder”, afirma Luísa Cerdeira que acredita que a medida terá um impacto negativo no futuro: “Neste momento, são só valores diminutos em termos globais, mas isto é um percurso. Temporalmente, no espaço de dois ou três anos, vai ser uma perda de alunos e isso tem consequências para a própria gestão das instituições”, explica.

Para Pedro Teixeira “quem claramente vai perder são as instituições, mas sobretudo perde o sistema”. O especialista acredita que se devem criar condições no interior do país para atrair estudantes: “Eu acho que se devia criar incentivos para trazer mais estudantes para o ensino superior, porventura incentivando que eles se deslocassem para outras instituições, mas de outra forma”.

Para o investigador do CIPES, a medida vai contra “aquilo que têm sido os objetivos para o sistema”. Pedro Teixeira defende que devem ser criadas sinergias entre as instituições e não rivalidades: “Esta lógica de ser um jogo de soma-nula, uns ganham, outros perdem, não acho que seja mais vantajoso. É preciso pensar numa política que beneficiasse o sistema como um todo e parece que andamos a tentar virar uns contra os outros. Isso desgasta o sistema”, remata.

Artigo editado por Sara Beatriz Monteiro