“Os robôs podem amar?” – a questão serviu de tema para a segunda sessão do “Mente à sexta-feira”, um conjunto de quatro seminários que têm como objetivo debater o tema da inteligência artificial no Centro Regional do Porto da Universidade Católica Portuguesa.

Na edição desta sexta-feira, o psiquiatra Júlio Machado Vaz juntou-se ao investigador António Jácomo numa conversa sobre relações emocionais entre humanos e máquinas dotadas de inteligência artificial.

“No que toca à inteligência artificial, estamos a viver uma verdadeira revolução entre o Homem, a natureza e a natureza produzida pela máquina”, afirmou António Jácomo na abertura da sessão. “Será que um dia alguém se vai apaixonar ou casar com uma máquina?”, questionou o investigador do Instituto de Bioética da Universidade Católica Portuguesa, entidade que promove os encontros.

A abrir o seminário, tempo ainda para uma homenagem a Stephen Hawking através da reprodução de um vídeo. Descrito por António Jácomo como um “homem das estrelas” e uma “figura ímpar da história da humanidade”, o físico britânico faleceu na passada quarta-feira.

Quanto à inteligência artificial, Stephen Hawking, na sua intervenção surpresa do ano passado na Web Summit em Lisboa, afirmou acreditar que “não há diferença entre o que pode ser alcançado por um ser biológico e o que pode ser alcançado por um computador”.

“O ser humano é capaz de saber que uma relação amorosa vai dar asneira e ainda assim avançar. Um robô simplesmente diz que isso não faz sentido nenhum”.

Apesar de admitir que “meter robôs pelo meio” não é a sua área de especialidade, 0 psiquiatra Júlio Machado Vaz afirma que é preciso refletir acerca da inteligência artificial. “Quer se goste ou não, temos de refletir sobre a inteligência artificial porque esse é o futuro”, considera o docente no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS).

A servir de apoio para os intervenientes estava o trabalho do neurocientista português António Damásio, sobretudo no seu mais recente livro “A Estranha Ordem das Coisas”Para Júlio Vaz Machado, o trabalho do autor veio trazer “respeitabilidade” à psiquiatria numa altura em que os psiquiatras são “olhados com desconfiança numa cultura que idolatra a ciência exata”. Isto porque, segundo o médico, o livro de António Damásio veio mostrar que “é preciso tomar o corpo e a mente como um todo”.

Baseado em António Damásio, o professor do ICBAS referiu que não se pode comparar a “inteligência pura e lógica”, típica da inteligência artificial, com a “inteligência humana, contaminada pelos sentimentos”.

Apesar de não negar a importância dos algoritmos, o professor, que diariamente protagoniza o programa “O Amor é…” na Antena 1, considera que “não se pode descarregar a mente e metê-la num computador” e esperar que se assemelhe com a mente humana: “o psicológico nasce no corpo e nas experiências vividas”, afirma.

Ao desenvolver a ideia, Júlio Vaz Machado diz que “a máquina pode julgar-nos à luz de valores morais, mas não pode sentir os valores sobre os quais está emitir uma opinião”. Apesar de ressalvar que o desenvolvimento da tecnologia poderá provar como erradas algumas das suas ideias, afirma que a diferença entre as máquinas e os humanos se concentra, sobretudo, nos raciocínios lógicos de uma e nos sentimentos do outro. “O ser humano é capaz de saber que uma relação amorosa vai dar asneira e ainda assim avançar. Um robô simplesmente diz que isso não faz sentido nenhum”, explica.

Segundo Júlio Vaz Machado, “as máquinas não podem sentir alegria ou compaixão mas podem fazer companhia a humanos”. O caso levantado pelo médico tem o nome de Paro: robôs com inteligência artificial utilizados no apoio a pessoas com demência no Japão. Em Portugal, os Serviços Partilhados do Ministério da Saúde também estão a testar o uso de um robô terapêutico, em forma de foca bebé, pelos utentes do Serviço Nacional de Saúde.

Mas por fazerem companhia, não quer dizer que estes robôs tenham emoções: “a máquina está programada para se adaptar aos humanos. Não pode concordar uma coisa à segunda-feira e na quarta-feira estar mal disposta e dizer que já não concorda”, exemplifica o médico.

“Uma relação com um robô seria obrigatoriamente narcisista”

Houve tempo ainda para a diferenciação entre paixão e amor. Nas palavras do orador, a paixão foca-se nas “imagens construídas” de duas pessoas e não na sua inter-relação propriamente dita. “O amor é uma negociação, é aceitar as características que menos se gosta na outra pessoa”, algo que o médico afirma não fazer sentido para a inteligência artificial.

“Uma relação com um robô seria obrigatoriamente narcisista” devido à inerente resposta logicamente programada por parte da máquina, “mas isso até pode ser apetecível para alguns”, conclui.

Mas é essa resposta logicamente programada que, segundo Júlio Machado Vaz, pode fazer com que as máquinas sejam “psicopatas” ao verem as pessoas como instrumentos. “Podem ser ainda super-sedutores porque sabem exatamente como lidar com um humano”, acrescentou.

Quanto à importância deste tipo de debates, António Jácomo é da opinião que a “humanidade e compaixão” podem ser duas características que quando ensinadas e programadas na inteligência artificial podem evitar que “sejamos subordinados pelas máquinas”.

“A humanidade e a compaixão são o que faz com que não matemos o nosso vizinho quando para o carro à frente da nossa garagem”, refere em termos de comparação o investigador.

No calendário das próximas sessões está, no dia 6 de abril, a dicussão sobre “NeuroMarketing e Inteligência melhorada – Sedução ou engano?”. No dia 20 de abril, na Universidade Católica Portuguesa no Porto, o tema da “Mente à sexta” é “Há futuro, no futuro, para a neuroética?”.

Artigo editado por Filipa Silva