O Centro Social Desportivo e Cultural do Bairro das Campinas tem ordem de despejo marcada para este sábado (31), emitida pela Câmara Municipal do Porto. Quem o confirma é Paulo Pegado, presidente da Assembleia Geral do Centro, que afirma que das “4000 pessoas que moram no bairro, se calhar 500 ou 600” frequentam as instalações. Apesar disso, Paulo Pegado diz estar “à espera de um milagre” e apela ao “bom senso” da Câmara.

Na resposta recebida pelo JPN quanto às razões para o encerramento do Centro, a Câmara Municipal do Porto afirma que o espaço “apenas funciona como bar”, pelo que “deixou há muito de cumprir os princípios subjacentes à sua criação enquanto Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS), nomeadamente no que diz respeito ao funcionamento de um ATL e de um Centro de convívio para idosos”.

“Legalmente a câmara tem direito a tomar posse dos terrenos” uma vez que são propriedade do Executivo e que já foram encerrados os serviços para os quais a Câmara cedeu o terreno, afirma o presidente da Assembleia Geral do Centro.

Apesar disso, Paulo Pegado considera que é preciso apelar “ao bom senso”, uma vez que afirma que o espaço continua a ser “vital” como resposta social no bairro. “Embora já não estejamos a cumprir a função para a qual isto foi cedido. [mas isto não é de agora] Já não estamos há nove anos desde que acabaram os ATL e vieram as AECS”, reforça.

Quanto ao funcionamento do bar, segundo Paulo Pegado, as receitas são utilizadas apenas para “água, luz, tv cabo e baralhos de cartas”, acrescentando que os funcionários trabalham em regime voluntário. “Nós não pedimos verbas a ninguém. Nunca pedimos verbas nem à Câmara, nem à Junta. Subsidiamo-nos com o bar”, afirma.

Sendo o bar a única fonte de rendimento do Centro, o presidente da Assembleia Geral da coletividade afirma que não pode aceitar a solução apresentada pela Câmara que disponibilizou um novo espaço para o Centro “mas que não seria disponibilizado espaço para o funcionamento de bar”, segundo o Executivo.

Paulo Pegado deixa a questão: “Qual é a coletividade do porto que não tem bar?” e acrescenta que “já havia bar há 40 anos, portanto, não faz sentido a justificação da Câmara” para o encerramento.

Para Paulo Pegado, o encerramento deve-se a uma “questão política”

Esta é a segunda vez que o Centro recebe um aviso de despejo: “Em setembro do ano passado a Câmara colocou um edital na porta a dizer que ia encerrar isto e que tínhamos dez dias para contestar”, afirma Paulo Pegado. “Nós contestámos e a Câmara suspendeu a ordem de despejo”, revela.

Segundo o próprio, “os argumentos utilizados em setembro são os mesmos” que o Centro utiliza agora, pelo que o presidente da Assembleia Geral do Centro diz não aceitar nem perceber por que razão “os mesmos argumentos que aceitaram para não encerrar em setembro, não aceitam agora”.

Para Paulo Pegado trata-se de uma “questão política”: “Se o Centro tivesse encerrado em setembro e sendo as eleições em outubro, Rui Moreira poderia ganhar a câmara, mas se calhar António Gouveia [presidente da junta de freguesia de Ramalde] não ganhava a Junta certamente”, defende.

“Se fechar isso vamos andar aí todos uns contra os outros feitos malucos e vamos morrer mais depressa”

Questionada pelo JPN quanto à razão pela qual o aviso de despejo foi retirado utilizando, segundo o Centro, a mesma argumentação, a Câmara Municipal do Porto não deu resposta.

Hoje o espaço funciona, sobretudo, como ponto de encontro para reformados ou idosos, onde se “joga às cartas ou ao dominó e passam aqui um bocado”, revela Paulo Pegado.

“Passo aqui os dias de manhã à noite, todos os dias” diz Álvaro Marques, de 63 anos. Para o morador do Bairro das Campinas, o Centro “não pode encerrar de maneira nenhuma”: “Já estamos na morte lenta, se fecharem isto a morte é mais rápida. Se fechar isso vamos andar aí todos uns contra os outros feitos malucos e vamos morrer mais depressa”.

Jacinto Mota tem 88 anos, é um dos primeiros sócios do Centro e considera “lamentável” o encerramento do espaço. Segundo a coletividade, o plano da autarquia para o espaço é a construção de um parque de estacionamento para o Centro de Saúde de Ramalde. “O que é mais útil? Um Centro social, para a terceira idade e para a juventude ou é um parque de estacionamento?”, questiona Jacinto Mota.

O morador diz ainda não compreender a razão pela qual é necessário demolir o Centro para dar lugar ao novo parque de estacionamento, já que, nas redondezas, “há terrenos tão grandes” como aquele que não são utilizados.

A Câmara diz ter-se mostrado “disponível para encaminhar possíveis interessados para valências de Centro de convívio de idosos”, mas para Paulo Pegado, esse reencaminhamento traria desvantagens.

“[Os idosos] seriam reencaminhados para o Exército da Salvação, só que lá tem que se pagar. Aqui eles pagam 0,50 cêntimos pelo lanche, por aquilo que quiserem comer. No Exército da Salvação pagarão muito mais”, refere o membro da direção da coletividade.

Outra questão levantada pelo membro da direção do Centro prende-se com o prazo de execução do aviso de despejo. Segundo Paulo Pegado, depois de consultado o advogado da coletividade, a ordem entregue a 27 de fevereiro não respeita os limites de “90, 120 ou 365 dias” para a execução, já que esta está marcada para 31 de março. Questionado pelo JPN quanto a este limite de prazos, o Executivo Municipal também não deu qualquer resposta.

Atividades desportivas no Centro “tiram os miúdos da rua”

Com 40 anos de história, o Centro conta com “48 títulos nacionais” no seu palmarés vindos de atletas de desportos como hóquei ou futsal que utilizavam o espaço para treinar. Hoje há cerca de 30 atletas que treinam boxe no Centro, um dos quais é campeão regional e nacional. “No ano passado tivemos um atleta que foi campeão regional e nacional de boxe à nossa custa sem subsídios da Câmara, Junta ou qualquer entidade estatal”, afirma Paulo Pegado.

Segundo a Câmara, “o Pelouro da Habitação e da Coesão Social informou que se estivessem interessados poderiam articular o assunto com o Pelouro do Desporto, no sentido de se encontrar uma alternativa para o desenvolvimento da atividade desportivas”, tendo sido apenas “identificado um atleta de boxe”.

Para Luís Oliveira, treinador de boxe no Centro há cerca de dez anos, “mais do que uma função desportiva, [os treinos] tem uma função social”, uma vez que “tiram os miúdos da rua” e impedem que “andem em maus vícios”.

O treinador afirma ainda que “há miúdos problemáticos que têm melhor aproveitamento escolar” porque consegue “inspirar neles melhores caminhos”, pelo que “há pais que já estão a reagir mal” à notícia do despejo.

Com o fecho do Centro, Luís Oliveira diz não saber onde guardar o equipamento dos treinos: “Eu vou tentar marcar uma reunião com o presidente da Junta para ver se arranjamos uma solução. É muito equipamento, não tenho onde guardar tanta coisa. É muito dinheiro que está ali investido”, revela.

Entre os 30 atletas, alguns são de “de outros bairros sociais”, mas ultimamente “há miúdos que já nem vêm treinar”, diz o treinador. “Eles sabem que isto vai fechar e perdem a motivação”, conclui.

CDU apresentou requerimento a Rui Moreira para que se “anule a ordem de despejo”

A CDU apresentou um requerimento ao presidente da Câmara do Porto, depois de uma delegação do partido ter visitado o Centro Desportivo e Cultural do Bairro das Campinas. O partido pede que se “anule a ordem de despejo” e se prestem mais apoios à associação por parte da câmara.

A vereadora do CDU, Ilda Figueiredo, contesta a ordem de despejo e propõe que “haja dialogo entre o Pelouro da Habitação e Coesão Social com a associação no sentido de rever o despejo e resolver os problemas existentes” contando com o “apoio técnico da Câmara”.

Para além disso, Ilda Figueiredo, defende que a Câmara deve ajudar “naquilo que Centro precisar para a regularização” .

Segundo Paulo Pegado, Rui Moreira teria “até dia 28 de março” para responder ao requerimento, mas, entrevistada pelo JPN, Ilda Figueiredo diz não saber se o presidente do executivo irá cumprir essa data.

“Nós não somos meninos da Foz, somos meninos de bairro”

Para Paulo Pegado, o plano da Câmara para a construção do parque de estacionamento “é ridículo”. “O senhor presidente da Câmara do Porto deve achar que está na Foz e coloca parqueamentos em todo o lado”, afirma.

“Nós não somos meninos da Foz, somos meninos de bairro. Gostamos e zelamos por isto e estamos aqui há 40 anos”, conclui.

O presidente da Assembleia Geral do Centro diz agora estar à espera “de um milagre” e que haja pelo menos “a retoma do diálogo” para que não seja encerrado o Centro que conta com cerca de 700 sócios.

Apesar disso, Paulo Pegado deixa um aviso: “Se vierem cá no dia 2 ou 3 de março para a demolição, se calhar vão encontrar aqui um cordão humano. Não me parece que passem aí.”

Artigo editado por Sara Beatriz Monteiro