Menos de metade dos alunos do ensino superior terminam o curso nos três anos previstos e quase 30% dos estudantes acaba mesmo por abandonar o Ensino Superior. Os resultados são apresentados no estudo da Direção-Geral de Estatística da Educação e Ciência, publicado em março, e que analisou o percurso dos estudantes que ingressaram no ensino superior no ano letivo 2011/12.

No ano letivo 2014/15, volvidos quatro anos da inscrição inicial, os valores mostram que:

  • 46% dos alunos tinham concluído a licenciatura;
  • 14% continuavam inscritos no curso sem o terem ainda concluído;
  • 11% continuavam inscritos no ensino superior, mas tinham optado por mudar de curso;
  • 29% dos alunos não se encontravam em nenhuma das situações anteriores, não se tendo diplomado e não tendo sido encontrados, passados quatro anos, no ensino superior.

O presidente da Federação Académica do Porto (FAP), João Pedro Videira, acredita que o facto de “quase um terço dos estudantes” abandonar o ensino superior “é um dado alarmante”.

“Se o financiamento fosse feito ao estudante e não às instituições, os alunos poderiam escolher livremente”

O estudo da DGEEC – levado a cabo por Patrícia Engrácia e João Oliveira Baptista – observou ainda que a percentagem de abandono tende a ser superior no ensino politécnico face ao ensino universitário e nas instituições privadas face às instituições públicas.

João Pedro Videira não duvida que estes números estejam relacionados com dados que indicam que a maior parte das candidaturas às bolsas de estudo é feita por alunos dos politécnicos e com o valor das propinas das universidades privadas.

Miguel Copetto, director executivo da Associação Portuguesa de Ensino Superior Privado (APESP), concorda que “a maioria destes abandonos deve-se a problemas de natureza económica”.

“A partir de 2012 tivemos uma recessão muito grande e políticas de austeridade e isso prejudicou bastante o ensino superior”, acrescenta David Nogueira da Federação Nacional das Associações de Estudantes do Ensino Superior Particular e Cooperativo (FNEESPC).

Para Miguel Copetto, esta questão leva ao problema do financiamento do ensino superior que, na sua opinião, “deveria ser feito aos estudantes e não às instituições”.

“Para ser materializada a liberdade de aprender e ensinar que está prevista na Constituição, os alunos deveriam poder escolher independentemente do custo económico e, se o financiamento fosse feito ao estudante e não às instituições, os alunos poderiam escolher livremente”, considera o responsável da APESP.

Miguel Copetto defende que “deve ser dado aos estudantes mais apoio, que garanta o seu mérito escolar e que não abandonam a universidade por razões financeiras”.

David Nogueira diz que “não é só a aumentar a ação social que vamos reduzir problemas”, mas acredita que a solução passa, obrigatoriamente, por uma revisão do financiamento do ensino superior público e privado.

“Neste momento, estudar no ensino privado ronda os 800 a 1.000 euros mensais”, começou por explicar o presidente da FNEESPC que deixa a questão: “Queremos que a propina seja igual para todos ou queremos a propina zero?”. David Nogueira acrescenta que “Uma das ideias que a FNEESPC tem em cima da mesa é a do cálculo da propina em relação ao rendimento familiar. Cada família paga consoante aquilo que pode”.

“O sistema de ensino superior não está preparado para incluir as pessoas que já estão no mercado de trabalho”

Os resultados da DGEEC evidenciam que o regime de ingresso no ensino superior influencia o sucesso ou o insucesso dos estudantes.

Enquanto cerca de metade dos alunos que ingressaram através do regime geral de acesso, em 2011/12, já tinham concluído o seu curso passados quatro anos, só 30% dos seus colegas que ingressaram através do regime especial para maiores de 23 conseguiram o mesmo feito. Destes, um em cada dois alunos (50%) abandonou o ensino superior sem ter concluído a licenciatura, contra um em cada cinco (21%) dos estudantes que utilizaram o concurso geral de acesso.

“Aquilo que podemos verificar é que o sistema de ensino superior não está preparado para o desafio de incluir as pessoas que já estão no mercado de trabalho”, aponta João Pedro Videira. “É necessário pensarmos em incluir esta franja nas instituições e repensar o sistema de ensino para estas pessoas”, concluiu.

“As instituições devem virar-se para o regime pós-laboral e suscitarem que as próprias entidades patronais queiram que os seus quadros que não têm formação superior queiram formar-se”, defende o presidente da FAP.

De acordo com o estudo, a percentagem de alunos diplomados ao fim de quatro anos desce ainda mais quando consideramos os alunos que ingressaram através dos regimes especiais para bolseiros dos PALOP (Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa).

Dos alunos que se transferem para os cursos oriundos de outras instituições de ensino superior, quase dois em cada três alunos desistiram do ciclo de estudos.

Governo sem mecanismos para combater o abandono do ensino superior

Até 2020, Portugal não vai conseguir atingir o objetivo de alcançar uma taxa de 40% de diplomados entre os 30 e 0s 34 anos. “O esforço que deveria ter sido feito para lá chegar deve ser trabalhado logo desde o início quando nos comprometemos com as metas e não a meio ou já perto do fim”, critica João Pedro Videira.

“Não há nenhum mecanismo do Governo, neste momento, para combater esse flagelo do abandono escolar no ensino superior”, afirma o dirigente académico.

“A primeira coisa que este governo fez assim que iniciou funções foi terminar com o programa Retomar,  numa ótica de tentar readaptar o Programa +Superior, mas este não serve o propósito de ir buscar as pessoas que um dia abandonaram o ensino superior e dar-lhes a possibilidade de voltarem a estudar e terminarem esse ciclo de estudos”, explana o presidente da FAP.

Para João Pedro Videira, é preciso “alarga as bases do ensino superior” e isso não se alcança “com um corte de vagas em certos e determinados setores e zonas do país, nas instituições que têm mais do que condições e qualidade para albergarem mais estudantes”.

Alunos de informática e engenharia demoram mais tempo a acabar o curso

Os autores do estudo realçam “a relevância do nível escolar dos alunos à entrada para o seu futuro sucesso no ensino superior”, uma vez que a taxa de abandono dos estudantes é proporcionalmente inversa à classificação de ingresso no ensino superior.

Patrícia Engrácia e João Oliveira Baptista consideram, por isso, importante “existir um trabalho sólido de preparação escolar dos alunos ao longo do ensino secundário”.

As áreas de estudo com taxas de abandono e insucesso mais elevadas são a Informática, Engenharias, Arquitetura e Construção e Ciências Físicas – 33% a 38% dos alunos não conseguiram terminar nos três anos previstos e as taxas de abandono e transferências são da ordem dos 20%.

No extremo oposto, encontramos as áreas dos Serviços Sociais, Saúde, Informação e Jornalismo, Ciências Veterinárias e Ciências da Educação – todas com percentagens de conclusão entre os 67% e os 70%.

Dentro de cada uma das 22 áreas disciplinares consideradas – Artes, Educação, Direito ou Engenharia – as mulheres têm indicadores de sucesso académico melhores do que os dos homens.

Artigo editado por Sara Beatriz Monteiro