José Luís Borges Coelho fundou o Coral de Letras da Universidade do Porto (CLUP) e dirige o grupo desde 1966. É autor de uma notável obra de estudo e divulgação da música portuguesa, que lhe valeu o título de Doutor Honoris Causa da Universidade do Porto e a Medalha de Mérito, Grau Ouro, atribuída pela Câmara Municipal do Porto.

Ao JPN, o maestro falou do papel do CLUP na sua vida, das pessoas que marcaram o seu percurso profissional e da importância dos grupos musicais nas faculdades.

JPN: Sempre se interessou por direção coral? O CLUP foi o primeiro coro que dirigiu?
José Luís Borges Coelho: O CLUP começou comigo quando eu era aluno do terceiro ano de História, na Faculdade de Letras do Porto. Tive algumas experiências de direção coral anteriores, nomeadamente em Murça, Trás-os-Montes [onde nasceu]. Nessa altura não havia formação em coro e fiz o Curso Superior de Canto quando já dirigia o Coral. Frequentava o Conservatório, mas era aluno de Composição e “fiz agulha” para Canto por causa do Coral.

Concerto de Primavera no Coliseu
No próximo sábado (21), às 21h30, o Coliseu do Porto recebe o Concerto de Primavera.

Para interpretar o “Concerto para Piano N.º 21 em Dó Maior, KV 467”, de Wolfgang Amadeus Mozart, e a “Sinfonia para a Divina Comédia de Dante, S. 109”, de Franz Liszt, sobem ao Palco do Coliseu a Orquestra Metropolitana de Lisboa e o CLUP.

O preço dos bilhetes varia entre os 20 e os 120 euros.

Dirige o Coral desde a sua fundação, há 52 anos. Qual é o papel do CLUP na sua vida?
É muito importante, como se pode imaginar. Neste momento, bato de larguete o Salazar. Só que a mim não me deixam sair.

Qual é a importância dos grupos corais e das tunas nas faculdades?
Antes de mais, não comparava os coros com as tunas. Embora ambas musicais, são atividades de natureza diferente. O coro, em princípio, é mais natural porque toda a gente é capaz de cantar. Mas a verdade é que cada vez há menos quem o queira fazer, são mais atraídos pelas tunas.

Estas atividades são muito importantes porque cultivam as pessoas. Algumas até mudam completamente de rumo. Há gente que andou no coral e que é hoje compositor, diretor de orquestra, diretor de escolas de música. Entraram no coro e “fizeram agulha” para outro sítio. Há um professor na Escola Superior de Música do Porto que foi para o Coral fazer serviço cívico, por volta de 1975. Acabou por ficar e por deixar o curso de Engenharia e ir para o curso de Canto. É uma mudança radical.

O que pensa sobre o ensino da música em Portugal?

Eu penso que os jovens que procuram a música estão em contraciclo com a política. Não são nada apoiados, mas há cada vez mais jovens a tocar e a cantar maravilhosamente. São uma esperança para o país, mas o país vira-lhes as costas. Na Música, nas Artes e nas Letras há um florescimento muito grande que não tem nada a ver com os apoios minúsculos. O país é pequeno, relativamente pobre e não protege os seus artistas.

José Luís Borges Coelho deu aulas de História da Música, Composição, Canto, Técnica Vocal, Direcção Coral, Prática Coral, e ainda Português, História, Introdução à Sociologia e Introdução à Política. Foto: UP

Quais são as maiores dificuldades do ofício de um maestro?
Atualmente, as minhas maiores dificuldades residem na fraca adesão dos estudantes à prática da música coral. Provavelmente, o problema está na minha idade, já não sou propriamente jovem e a minha pedagogia não deve ser lá muito atrativa.

Um percurso multidisciplinar
A música, a história, o ensino e a participação cívica cruzam-se no percurso de José Luís Borges Coelho. O maestro foi membro fundador do Sindicato dos Professores da Zona Norte e é membro da Direção Regional do PCP.

Foi professor em diversas instituições dedicadas ao ensino especializado da música e do teatro, foi presidente do Conselho Diretivo do Liceu Alexandre Herculano e do Conservatório de Música Calouste Gulbenkian de Braga, assim como diretor pedagógico da Academia de Música de Viana do Castelo e da Cooperativa de Ensino Superior Artístico Árvore. Presidiu também ao Conselho Científico da ESMAE — Escola Superior de Música e Artes do Espetáculo do Porto.

O maestro colaborou com o Teatro Experimental do Porto e com a Seiva Trupe, criando música original para peças das companhias e para o cinema, nomeadamente para filmes de Manoel de Oliveira.

E compensações?
Os concertos, correm muito bem. As pessoas gostam muito do que fazem e por alguma razão me mantêm ao serviço com 77 anos.

Durante um período bastante alargado, o Coral ia a muitos festivais internacionais e éramos equiparados a atletas de alta competição. Tínhamos sempre prémios e situávamo-nos sempre entre os coros de Leste, que ganhavam tudo.

Já foi professor em escolas artísticas e secundárias, também já criou temas e arranjos originais. Prefere ensinar, dirigir ou compor?
É muito difícil responder a essa pergunta. Gostei muito de ensinar e gosto muito de dirigir. Compor só o faço muito raramente, a pedido, porque por minha própria iniciativa não me ponho a fazer isso, não quis fazer uma carreira de compositor.

Ao nível profissional, quais foram os momentos e as pessoas que mais o marcaram?
Há várias pessoas que me marcaram. Desde logo o homem que me ensinou música, um padre transmontano, de Vila Real, que morreu há pouco tempo com 96 anos. Transmitiu-me muita da sensibilidade que eu tenho. Teve também muita influência em mim a professora de canto [Fernanda Correia] e o marido, que também é cantor e dirige o Conservatório Superior de Gaia.

Dos não professores, marcou-me muito, mas muitíssimo, o homem que foi o Fernando Lopes Graça. Desde sempre o Coral fez música dele, travei conhecimento com ele e tornou-se visita relativamente assídua de minha casa. A partir de determinada altura, quando vinha ao Porto era lá que ficava. Teve uma grande influência no meu percurso.

Relembro também os momentos em que o grupo teve prémios em festivais internacionais, e teve muitos.

E que momentos ainda gostaria de viver e que projetos realizar?
Eu não futuro coisíssima nenhuma, aliás, nunca futurei, as coisas foram acontecendo. Parece-me meio tolo estar agora, com 77 anos, a fazer projetos.

Que mensagem gostaria de deixar aos futuros músicos?
Que não vão ter uma vida tão fácil como eu tive – para mim não foi nada complicado-, mas têm que lutar por conseguir condições que lhes permitam ter uma vida relativamente fácil.

O que se pode esperar do “Concerto de Primavera”, no Coliseu do Porto?
O Coral não vai participar na íntegra, são só os naipes femininos que estão implicados no concerto. A Sinfonia Dante é sobre a “Divina Comédia” de Dante Alighieri. Começa no Inferno, passa pelo Purgatório e o compositor não escreveu a terceira parte, o Paraíso, de maneira a que, no final do Purgatório, o coro feminino entra e, na minha leitura, a nota final é a entrada no paraíso.

Artigo editado por Filipa Silva